publicado dia 26/06/2017
Como integrar alunos migrantes, valorizando suas culturas?
Reportagem: Ingrid Matuoka
publicado dia 26/06/2017
Reportagem: Ingrid Matuoka
Nos últimos anos, o Brasil tem recebido uma quantidade expressiva de migrantes e refugiados, dentre eles, muitas crianças – situação que vem exigindo uma resposta das escolas.
Para além da questão de compreender e debater tais fluxos contemporâneos de deslocamento, as instituições de ensino lidam com o desafio de acolher e integrar esses alunos que chegam ao País, valorizando ao mesmo tempo suas culturas de origem.
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Na Baixada do Glicério, na região central da cidade de São Paulo, Paulo Magalhães, professor de Geografia da EMEF Duque de Caxias, desenvolve atividades para promover a integração de crianças de cerca de 30 nacionalidades.
Segundo a Polícia Federal, entre 2013 e 2015, 320 mil pessoas migraram para o Brasil, uma média anual 2,4 vezes maior do que em anos anteriores, como em 2006, quando o país recebeu 45.124 imigrantes e refugiados.
Para isso, leva seus alunos semanalmente a diferentes espaços educativos com o intuito de apresentar-lhes a cidade e, ao mesmo tempo, promover situações de intercâmbio cultural e comunicação. Da última vez, foram à exposição do artista plástico Cícero Dias, em cartaz no Centro Cultural Banco do Brasil.
“A ocupação de territórios educativos tem ajudado eles a se integrar melhor. Aulas fora da escola são mais vivas e eu vejo as crianças falando mais, se expressando melhor nesses momentos e também socializando com a comunidade”, conta o educador.
Diante do caso de uma aluna oriunda da República Democrática do Congo que sofria bullying, o professor mostrou imagens atuais do país a fim de valorizá-lo. “As crianças tinham uma ideia muito negativa da África e eu comecei a mostrar que não era como eles imaginavam”, conta.
Além de alunos de outros países como sírios, marroquinos, chineses e colombianos, há estudantes também de outras regiões do Brasil, como do Nordeste, que igualmente desconhecem o entorno da escola. Por isso, Paulo também propôs um mapeamento dos principais pontos do território.
“Nós fizemos um mapa de São Paulo e do bairro do Glicério em sala de aula, antes de uma aula teórica. Depois, andamos pelas ruas e eu fui mostrando a Igreja da Sé, o Teatro Municipal, entre outros pontos importantes da cidade. Depois fomos montar o mapa novamente”.
As atividades têm rendido efeitos positivos. O professor contou que recentemente um aluno viu um colega sofrendo bullying e imediatamente interferiu, chamando um adulto. “As crianças estão se sensibilizando com isso e já não deixam mais acontecer”, conta.
Na EMEI Nelson Mandela, no bairro do Limão, também em São Paulo, os educadores procuram trabalhar a valorização de outras culturas com práticas próprias da infância, por exemplo, brincadeiras e festas.
A diretora Cibele Araújo Racy conta que os alunos são seus maiores aliados em fazer a adaptação dos alunos migrantes. “Todo começo de ano chamamos as crianças mais velhas para planejar com os professores as atividades. Elas contam o que mais gostaram de fazer e os lugares que temos que ir mais vezes”.
Além disso, faz parte do currículo da escola trabalhar as questões étnico-raciais em sala de aula. Uma das atividades que fazem nesta perspectiva é aprender palavras do idioma dos alunos migrantes. A hora da brincadeira livre também é uma oportunidade de interação, proporcionando situações de identificação entre os alunos. “Criança brinca e corre do mesmo jeito em qualquer lugar do mundo”, lembra Cibele.
A escola também promove a formação dos professores e de todos os profissionais que trabalham na instituição para essas questões. Os familiares, por sua vez, passam pelo processo e são convidados a participar da “escola dos pais”, espaço em que familiares e docentes debatem temas de interesse comum.
Nas festas, que são abertas à comunidade e trazem elementos da cultura africana, indígena, boliviana, japonesa, dentre outras, os familiares também têm espaço. “Nós os convidamos não só para vir à festa, mas também para organizá-la, colaborar com dança e comida. Trazer a família para dentro da escola é essencial porque ela também precisa de acolhimento”, diz a diretora.
Outra estratégia importante é a convocação, no começo de cada ano, dos familiares das crianças migrantes ou refugiadas para conversar com a assistente social da escola. “Ficamos sabendo de mais detalhes sobre suas trajetórias, assim fica mais fácil trazer essas histórias para os projetos e também para pensarmos a parte afetiva, porque muitos saíram de seus países por sofrimento ou falta de perspectiva e temos que levar isso em conta. Temos que dar autoestima para essa criança prosseguir”, avalia Cibele.
Outra abordagem, proposta pela CEI Dom Gastão, localizada no Bom Retiro, em São Paulo, é unir as crianças por meio da alimentação e seus saberes.
“Outro dia uma boliviana, filha de uma peruana e um chinês, estava comendo baião de dois, e a mãe conheceu o que é manteiga de garrafa. O nosso aluno chinês trouxe sushi, e as outras crianças quiseram experimentar. Isso é Brasil. Isso é comida que integra, que faz amigos ao redor da mesa”, conta Mônica Dias Lopes, coordenadora pedagógica.
Para Mônica, aproximar a família da escola é a base do trabalho. No “dia das mães boliviano”, comemorado em 27 de maio, fizeram cartazes de celebração pela escola com ajuda das famílias. Nas festas, os pais também participam levando comidas típicas.
“É muito acolhedor para uma família boliviana, por exemplo, chegar a uma festa da escola e poder pedir uma salteña. Temos que valorizar essa interculturalidade e trabalhar a garantia de direitos independentemente da nacionalidade, pois somos todos cidadãos de direitos”, conclui Mônica.