publicado dia 17/01/2025
Como dialogar com os estudantes sobre a proibição do celular na escola
Reportagem: Ingrid Matuoka | Edição: Tory Helena
publicado dia 17/01/2025
Reportagem: Ingrid Matuoka | Edição: Tory Helena
🗒 Resumo: Em 2025, o uso do celular nas escolas só poderá ser feito para fins pedagógicos ou de acessibilidade. Nesta reportagem, educadoras que já vivem essa realidade compartilham suas práticas, especialista aponta caminhos para realizar a Educação Digital e destaca a importância de regular as plataformas virtuais.
Nesta segunda-feira (13/1), o presidente Lula (PT) sancionou a Lei n°. 15.100/25, que limita o uso de celulares e outros aparelhos eletrônicos portáteis em todas as escolas do Brasil.
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Os estudantes podem levar o celular para a escola, mas o uso fica limitado a fins pedagógicos ou situações de emergência. Para garantir acessibilidade e inclusão não há restrições.
Em até 30 dias será publicado um decreto para regulamentar a nova legislação, que vale a partir de fevereiro. “O CNE [Conselho Nacional de Educação] vai fazer uma resolução. Já conversamos com o MEC [Ministério da Educação] sobre uma resolução que oriente as redes e escolas sobre como fazer isso”, afirma Pilar Lacerda, coordenadora da Câmara de Educação Básica do CNE e secretária nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente.
A restrição ao uso do celular na escola já é realidade em vários Estados, como o Distrito Federal, Maranhão, Pernambuco, Rio Grande do Sul, Roraima, São Paulo e Tocantins, bem como no município do Rio de Janeiro (RJ).
As medidas têm em comum o intuito de melhorar a qualidade das aprendizagens, evitando distrações, bem como a socialização entre os estudantes e a saúde mental das crianças e adolescentes.
No Brasil, 98% das crianças e adolescentes utilizam o celular para acessar a Internet, de acordo com a pesquisa TIC Kids, divulgada pelo Cetic.br em outubro de 2024.
Pesquisas como a do Datafolha mostraram que o uso excessivo da tecnologia foi o principal motivo para que 8 em cada 10 jovens de 15 a 29 anos apresentassem alguma questão relacionada à saúde mental.
“As crianças têm que socializar. A escola é o espaço de conhecer pessoas diferentes, sair do seu ambiente protegido, então a escola também tem que criar espaços em que as crianças percebam que tem muitas outras coisas para fazer além do uso do celular”, diz Pilar.
Na Escola Técnica Estadual Cícero Dias, do Projeto NAVE, em Recife (PE), o uso dos celulares é limitado desde 2015, quando entrou em vigor a lei estadual sobre o tema. De lá para cá, a gestora da unidade, Aldineide Queiroz, nota avanços.
“Percebemos que há mais interação entre os estudantes e na sala de aula eles ficaram mais participativos. Nos intervalos, eles buscam mais os jogos analógicos e as interações entre si”, relata Aldineide.
A lei aprovada este ano não visa eliminar a presença das tecnologias na escola, mas permitir que ela seja feita de forma mediada pelos educadores. “O problema está em aplicações feitas com design manipulativo, que sugam propositalmente nossa atenção a qualquer custo, e fazem da experiência digital dos estudantes passiva, pouco criativa e pouco segura”, explica Rodrigo Nejm, especialista em Educação Digital do Instituto Alana.
A pesquisa TIC Kids mostra, por exemplo, que muitos dos adolescentes não sabem reconhecer o funcionamento dos algoritmos, de mecanismos de busca e links patrocinados.
Instituída em 2023, a Política Nacional de Educação Digital aponta caminhos para desenvolver tais habilidades críticas e fazer com que os estudantes saibam se proteger na internet.
“Não quer dizer que tudo que está na Internet é ruim, mas conectamos nossas infâncias de forma acelerada e aleatória. Então precisamos de Educação Digital para incentivar o uso crítico e criativo e isso pode ser feito inclusive com metodologias desplugadas. Com isso, os estudantes vão poder repensar o próprio uso inclusive fora da escola e ganhar autonomia”, afirma Rodrigo.
A responsabilidade, contudo, não pode ficar restrita à escola, estudantes e famílias. “Estamos falando das plataformas mais ricas do planeta e elas precisam de regulação, inclusive as que oferecem conteúdos educativos. Não é justo deixar todo o peso dos efeitos negativos desse modelo de negócio só com os indivíduos, que são alvos desse design que extrapola a nossa capacidade de controle”, defende o especialista.
Na Cícero Dias, que faz parte do Projeto NAVE do Oi Futuro, desde 2006 a escola opera a partir do uso das tecnologias digitais para a aprendizagem e o uso de aparelhos eletrônicos faz parte do cotidiano.
Desde 2015, quando os celulares foram proibidos nas escolas de Pernambuco, fizeram combinados com os estudantes. Os aparelhos permanecem com os adolescentes e só são utilizados para fins pedagógicos.
“Às vezes eles usam escondido, mas em geral é um pacto bem aceito porque foi construído junto com eles e explicamos os motivos. Quando acontece o uso inadequado, conversamos, perguntamos o que está acontecendo e retomamos o nosso contrato interno de convivência”, explica Aldineide.
No Ginásio Educacional Tecnológico (GET) Tobias Barreto, no Rio de Janeiro (RJ), a situação é similar. Os aparelhos são utilizados de forma mediada pelos educadores e para fins pedagógicos. “Os combinados são claros e construídos em conjunto com a equipe e os alunos”, conta a professora articuladora Virgínia Chagas.
A equipe explicou a importância de limitar o uso do celular para manter o foco nas aulas e promoveu rodas de conversa e oficinas sobre cidadania digital, mostrando os impactos do uso inadequado.
“Ao valorizar a opinião dos estudantes, criamos um senso de responsabilidade e engajamento no cumprimento dos combinados. E eles descobriram o potencial transformador da tecnologia e da Inteligência Artificial. Quando suas ideias ganham forma — seja um vídeo, uma música ou um desenho —, o que antes era apenas um projeto no papel se torna realidade. Essa vivência despertou neles o desejo de serem criadores e não apenas espectadores passivos nas plataformas”, afirma Virgínia.
A professora relata que as famílias se sentiram mais motivadas ao ver os filhos usando o celular para fins educativos e os professores se apropriaram das ferramentas para contribuir com as aprendizagens, o planejamento e execução das atividades. “Vimos o celular deixar de ser ferramenta de distração para se tornar ponte que conecta criatividade, aprendizado e protagonismo”, diz.
O especialista em Educação Digital, Rodrigo Nejm, compartilha ainda outros caminhos para engajar os estudantes na reflexão sobre o uso do celular. Todas elas partem da escuta das crianças e adolescentes, do incentivo ao debate e à reflexão crítica, e vão muito além de dizer o que é certo e errado.
“Vamos colocar em debate as perspectivas dos estudantes, mas também as de especialistas e professores. Vamos fazer pesquisas sobre os hábitos de uso do celular pelos estudantes, professores e famílias. Será que muda nossas relações de amizade? Pode ter vantagens e desvantagens nos dois modos, mas fazer esse exercício crítico para que eles reflitam sobre seu uso”, diz Rodrigo.
As crianças e adolescentes também podem opinar sobre os protocolos de armazenamento dos aparelhos e participar do monitoramento.
Mais do que pensar nas punições, que podem seguir o fluxo comum das escolas, é pensar nos ganhos que eles podem ter com a mudança de hábito. Vão ter momentos mais difíceis, mas os estudantes podem participar disso também e ajudar a propor soluções que façam sentido para aquela comunidade escolar”, orienta Rodrigo.
Online e gratuita, a formação está disponível no Ambiente Virtual de Aprendizagem do MEC (AVAMEC). Com carga horária de 40 horas e emissão de certificado, ele prepara os professores e equipes pedagógicas para prevenir violências online, desenvolver habilidades e estimular o protagonismo dos estudantes.