publicado dia 27/09/2018
Como a educação integral aparece nos debates eleitorais
Reportagem: Ingrid Matuoka
publicado dia 27/09/2018
Reportagem: Ingrid Matuoka
Nos últimos meses, os debates eleitorais trouxeram à tona as visões sobre educação dos principais partidos do País. Nos discursos, a educação integral como alternativa para a escola brasileira aparece muitas vezes. No entanto, também é comum notar que a concepção permanece rodeada de equívocos.
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“A maioria das nossas escolas não realiza a educação integral, que é o preparo para a vida pública, para as questões ambientais, para os valores da cidadania, para o desenvolvimento multidimensional do ser humano, não só intelectual. A educação integral é, também, o entendimento de que escolas não são prédios, mas pessoas”, analisa o educador José Pacheco, criador da Escola da Ponte.
Diante desta conjuntura, o Centro de Referências em Educação Integral convidou especialistas para analisar as principais noções que se destacam nos debates relativas à educação integral. Confira:
Em vários discursos o conceito de educação integral e de educação em tempo integral aparecem como sinônimos, embora não o sejam necessariamente.
A educação integral pode, ou não, ser em tempo integral. O essencial é que, independentemente da carga horária escolar, todas as atividades realizadas com os estudantes visem o pleno desenvolvimento de suas múltiplas potencialidades, por meio de diferentes metodologias. Também diz respeito ao envolvimento das famílias e da comunidade nas decisões da escola e nas atividades, bem como a compreensão de que toda a comunidade escolar e a sociedade são responsáveis pelas relações de ensino-aprendizagem com as crianças e adolescentes.
“O tempo integral nem sempre garante uma educação integral”, diz Maria Thereza Marcílio, diretora da Avante. Além disso, a especialista explica que o conceito da educação integral costuma ir se diluindo conforme avançam as etapas escolares.
“Na Educação Infantil, as aprendizagens e a vida das crianças são integradas. Conforme crescem, a escola faz um movimento de partir os conhecimentos, as disciplinas, separando razão de emoção. As crianças deixam de brincar, de se movimentar, de interagir livremente uns com os outros, e têm sua criatividade podada, não fazem mais perguntas”, critica Maria Thereza.
Aparece ainda o discurso de que é preciso implementar o tempo integral a fim de promover o reforço das disciplinas de Português e Matemática, por exemplo, para os alunos. Para a educação integral, esta não é a finalidade do tempo integral, como explica Cleuza Repulho, pedagoga e ex-presidente da Undime.
“Se a aula tradicional não está funcionando, não adianta fazer o mesmo no período integral. É possível trabalhar essas disciplinas de forma muito diferente, como por meio do teatro, de jogos, do skate. Mais do que isso, é preciso desenvolver o ser humano com um todo, e não só focar em áreas do conhecimento. Só assim, ele poderá fazer escolhas”, diz Cleuza.
A proposta de implementar reforço de Português e Matemática não é novidade. Em 2017 entrou em vigor o programa Novo Mais Educação, substituindo o Mais Educação. Embora ambos visassem a ampliação da jornada escolar, o primeiro propiciava o alargamento das oportunidades educativas do sujeito, já o segundo traz o conceito de reforço e enfoque nas duas disciplinas, deixando de lado conceitos fundamentais para o desenvolvimento integral dos alunos, como os listados pela professora Patricia Moulin Mendonça.
“A visão apresentada [pelo Mais Educação] era a de que a escola não é o único lugar de aprender, que não se aprende sozinho, que se aprende com diversas linguagens e em diversos espaços. A ampliação do tempo vincula-se a uma ampliação do território e dos saberes”, explica a docente, que estudou o programa em seu doutorado na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
Também é comum que nos debates surjam falas argumentando que as creches são necessárias porque as mães precisam trabalhar. Porém, a Educação Infantil, como um todo, é mais do que isso.
“É um direito das famílias trabalhadoras, mas antes disso, é um direito da criança, que deve ter acesso a um ambiente de desenvolvimento pleno e de convívio social. E serve para todas as crianças, de todas as classes sociais”, explica Maria Thereza Marcílio.
A respeito das etapas seguintes da educação, também se fala sobre manter as crianças e adolescentes na escola para “tirá-las das ruas” e protegê-las do tráfico, das drogas e da violência.
Para o educador José Pacheco, criador da Escola da Ponte, fechar-se para as questões do território está longe de ser a função do espaço escolar. “Nossas escolas são, em si, uma violência simbólica, que dão origem a mais violências”, explica.
Claudia Passos, coordenadora de projetos da EcoHabitare, acrescenta: “Esse medo é legítimo, mas essa estratégia só nutre mais medo e violência. Uma hora as crianças saem da escola e vão se confrontar com a realidade. Por que não criar condições para que elas se relacionem com um mundo extremamente complexo e desafiador desde já, aprendendo seu lugar nele e como podem ser úteis à sua transformação?”, questiona.
Para além disso, o território por si só é educador e influencia a escola e a sociedade na medida em que é reativo às ações de ambas. “O território é assunto, é conteúdo do currículo, é o lugar onde se dão ações educativas e também é um agente, como se fosse sujeito também. E não dizemos que ele é pedagógico, e sim educativo, porque estamos considerando a educação formal, a não formal e a informal”, diz Beatriz Goulart, educadora e arquiteta.
A partir da Reforma do Ensino Médio, sobretudo, disseminou-se a ideia de que a escola e, principalmente, esta última etapa da Educação Básica, deve preparar os jovens para o mundo do trabalho. Para Cleuza Repulho, o problema está em crer que esta é a única função do Ensino Médio.
“É preciso desenvolver todas as competências dos estudantes, para que ele possa construir seu projeto de vida, que vai além do mundo do trabalho. Reduzir isso tudo a uma carreira técnica é pouco no universo de possibilidades que o mundo vai apresentando. Temos, por exemplo, profissões que ainda estão sendo descobertas. Restringir o mundo a coisas tão básicas é reduzir as chances de eles escolherem o que querem ser”, diz.
Wagner Santos, coordenador do Núcleo de Juventudes do Cenpec, critica a visão da educação tecnicista, na qual o domínio de Português e Matemática é tido como suficiente para o desenvolvimento dos alunos. “Precisamos de um jovem que tenha capacidade crítica, que seja criativo, que tenha visão ampla e capacidade de interpretar o mundo”, diz.
Um dos principais embates no campo da educação, atualmente, diz respeito aos limites entre a educação escolar e a familiar, manifestado por exemplo nos projetos de lei do Escola Sem Partido. Cleuza Repulho lembra, no entanto, que “a escola é laica, e nela deve haver o respeito à diversidade”.
Suelaine Carneiro, socióloga e integrante do Geledés – Instituto da Mulher Negra, acrescenta que a escola deve ser espaço formativo para o respeito à diversidade, para a igualdade de gênero, orientação sexual e de combate ao racismo. “Ao fechar os olhos para estas questões, a educação passa a reafirmar e perpetuar a hierarquias e noções de superioridade. Omitir-se em relação ao racismo, machismo e sexismo é possibilitar situações de violência no espaço escolar”, diz Suelaine.
A solução para esta equação, segundo José Pacheco, é justamente estreitar estes laços. “O que não faz sentido é os Projetos Político Pedagógicos serem feitos sem a participação conjunta da escola, família e da sociedade. Os valores podem ser harmonizados por meio do diálogo na construção deste documento.”
Nos debates sobre a necessidade de valorização docente, também surge a defesa de bonificar os professores que obtiverem melhores resultados com suas turmas, prática já implementada em diversos municípios. As duas coisas, entretanto, não estão necessariamente atreladas.
“Em vários lugares nós tivemos problemas, inclusive em experiências internacionais. O bônus vira um problemas de fraudes no resultados, chegando a ter escolas que pedem para alunos com deficiência ou baixo rendimento não irem para a aula no dia da prova. O que precisamos é de salário justo e carreira”, explica Cleuza Repulho, que defende que as avaliações como um todo sejam parte de um planejamento maior, e não um ranking.
Críticos da bonificação apontam também que relacionar direta e exclusivamente o desempenho dos estudantes à avaliação dos professores despreza outros tantos fatores que influenciam o processo de ensino-aprendizagem como o contexto socioeconômico e o repertório das famílias.