publicado dia 17/05/2017
Brinquedotecas e salas de leitura: espaços de aprendizado insubstituíveis
Reportagem: Ingrid Matuoka
publicado dia 17/05/2017
Reportagem: Ingrid Matuoka
Sob o pretexto de criar vagas para crianças de 4 a 5 anos, a gestão do prefeito João Doria (PSDB) tem fechado espaços de leitura e brinquedotecas, além de laboratórios de informática e vídeo, em escolas públicas de São Paulo. De acordo com a Secretaria de Educação do município, 33 escolas, de um total de 558, passaram por algum tipo de readequação nos últimos meses.
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Ao justificar a ação dizendo que era necessário transformar “espaços de lazer em sala de aula”, o prefeito personifica o desconhecimento que infelizmente persiste sobre a importância desses espaços para o desenvolvimento integral das crianças. Tanto quanto as salas de aula, as brinquedotecas e salas de leitura são espaços fundamentais para a aprendizagem e, portanto, insubstituíveis.
Segundo a nota veiculada pela Secretaria, 58% das EMEIs não possuem brinquedotecas e 76% não contam com salas de leitura. “Mais um motivo para manter as que já existem”, rebate a professora de Língua Portuguesa, Maria José Nóbrega, que há mais de 15 anos trabalha como assessora em programas de formação continuada junto ao MEC e à Secretaria Estadual e Municipal de Educação de São Paulo. “Ninguém se opõe a ter mais crianças na escola. Mas a que custo isso está sendo feito?”, critica.
Desenvolver e aprimorar a coordenação motora, o lado emocional, intelectual e a comunicação verbal e não-verbal da criança são alguns dos benefícios trazidos pela brincadeira e, portanto, favorecidos com a existência das brinquedotecas nas escolas, explica Maria Angela Carneiro Barbato, professora da Faculdade de Educação da PUC-SP e conselheira da Associação Brasileira de Brinquedoteca.
“A sociedade está mais preocupada com a quantidade do que com a qualidade do que é ensinado”, diz Maria Angela Barbato, da PUC-SP
“Sem esse espaço, a criança fica impedida de se movimentar, presa à carteira. Brincar também ajuda a leitura, a escrita, o raciocínio lógico-matemático e os processos educacionais de explorar, errar, refazer, acertar, e se autoavaliar. Envolve toda uma construção de conhecimento e de formação da função simbólica“, diz a especialista.
Para além da importância nos processos de aprendizado, a brincadeira é fundamental para a compreensão do mundo e dos papéis sociais. “Por meio dela, as crianças aprendem a conviver, a lidar com o outro, a construir representações e estimulam a imaginação”, afirma Maria Angela.
Neste sentido, a brinquedoteca é mais do que uma uma sala repleta de jogos e brinquedos, mas uma postura frente à educação. No entanto, segundo a professora, “a sociedade está mais preocupada com a quantidade do que com a qualidade do que é ensinado”.
Também afetadas pelas medidas de Doria, as salas de leitura são primordiais para aproximar as crianças do hábito, além de serem uma inserção no ambiente das bibliotecas, explica Maria José.
“As crianças se acostumam e aprendem a frequentar esse espaço que tem as mesmas regras de uma biblioteca escolar ou pública. Além disso, por meio delas, se habituam a consultar os livros”, diz a professora, reiterando ainda a relevância das salas de leitura para as crianças oriundas de camadas mais populares.
“Elas têm mais dificuldade de acessar a cultura escrita, não porque os familiares não queiram, mas porque eles próprios estão, muitas vezes, alijados disso. Então, o papel da escola é fornecer os livros e mediar essa aproximação para que a criança tenha curiosidade sobre aquele objeto e, a partir daí, queira aprender a ler e escrever, não o contrário. Isso é chave para o sucesso na alfabetização”, diz.
As salas de leitura são primordiais para aproximar as crianças do hábito, afirma a professora Maria José Nóbrega
Assim como brincar, ler também traz benefícios que vão muito além de boas notas. A partir de um personagem que tem sentimentos ou vive um conflito, a criança pode, por exemplo, nomear o que ela própria sente e vive, e aprender com a tomada de decisões dos personagens.
É o que acontece, por exemplo, na história infantil “Pedro e o Lobo”, que mostra as consequências de mentir e abre espaço para diálogo sobre o tema. “O processo de construção da identidade vem, também, pela alteridade, e a literatura tem um papel fundamental nisso”, diz Maria José, que acredita que há um desmonte generalizado na área de educação e cultura.
“Essa ação está orquestrada com várias outras que levam à precarização do ensino, como o aumento do número de crianças por sala, o desaparelhamento dos CEUs e de atividades culturais e os cortes em investimentos nas áreas de cultura, principalmente as de periferia”, lamenta a especialista.
Para a melhor utilização das brinquedotecas, Maria Angela sugere atividades que envolvam os cinco sentidos, mesmo que um de cada vez, e que comecem a formar relação entre a criança e o seu ambiente. Para os mais novos, é interessante trabalhar a audição, a visão e o tato, por meio de cantigas, danças e outros movimentos.
Brincadeiras que levem à representação simbólica, voltada para a fantasia e a arte, de imagem mental, também são importantes, como usar uma cadeira para representar um carro ou almofadas que se transformam em uma cabana. Além disso, as brinquedotecas, aponta a especialista, devem ser continuamente reformuladas a partir das observações das crianças.
No caso dos espaços de leitura, a recomendação de Maria José está no enfoque na formação dos orientadores e uma rotina que garanta a frequência dos alunos ao local.
O professor pode ler para os alunos, separar vários livros e deixar que eles folheiem e escolham qual querem ler, ou usar recursos como fantoches ou outros elementos para contar a história de uma forma mais lúdica.
Outro exercício que Nóbrega propõe é que os alunos formem duplas ou pequenos grupos para lerem um para o outro com base nas ilustrações. O exercício desenvolve a interpretação de imagens e a oralidade ao colocar o aluno para narrar usando sua própria linguagem.