publicado dia 13/11/2017

A Educação Moral e Cívica volta a assombrar as escolas

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O município de Mogi das Cruzes, no estado de São Paulo, retomará a disciplina de Educação Moral e Cívica em sua rede. A matéria extracurricular será obrigatória para o 5º, 8º e 9º anos da rede municipal de ensino, “tendo como premissa a cidadania e o resgate à importância da família”.

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A proposta partiu do vereador José Antonio Cuco Pereira (PSDB) e foi promulgada em 25 de outubro. A equipe realizará agora um planejamento para definir de que maneira e a partir de quando tal conteúdo poderá ser lecionado.

A decisão vem na esteira de outras tantas que, aos poucos, ameaçam a concepção de educação democrática e integral construída ao longo das últimas décadas. Pelas câmaras municipais Brasil afora, preocupa o número de projetos de lei propondo a volta da Educação Moral e Cívica, além – é claro – do avanço de legislações ligadas ao Escola Sem Partido.

Retrocesso educacional

Para Daniel Cara, coordenador-geral da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, que inclusive assistiu a aulas de Educação Moral e Cívica em seu colégio, nos anos 90, há uma intencionalidade específica em criar esta disciplina.

“Quem entende de educação sabe e todos os documentos confirmam: a questão da cidadania aparece em todas as disciplinas. Portanto, criar uma matéria específica para isso denota uma vontade de mudança, e não há chances de que esta seja para melhor, porque nunca vi esses propositores debaterem ações afirmativas, direito à educação, respeito à pautas LGBT e o combate às discriminações”, diz.

O jornal Estado de S. Paulo noticia, em 1969, a obrigatoriedade da disciplina Educação Moral e Cívica

Crédito: Arquivo Estadão

Professor de Sociedade, Estado e Educação na Universidade Estadual de São Paulo (Unesp), João Cardoso Palma Filho diz que não há justificativa pedagógica para criar esta disciplina.

“Trata-se de um retrocesso trazer essa disciplina de volta, que foi instrumento da ditadura e substituiu outras matérias como Filosofia e Sociologia. Além disso, é preciso questionar quem vai ser esse professor, porque ele não existe”, aponta João.

Daniel Cara destaca ainda como problemas da Educação Moral e Cívica seu caráter autoritário e intimidador, contrariando a finalidade emancipadora da educação

Daniel Cara destaca ainda como problemas da Educação Moral e Cívica seu caráter autoritário e intimidador, contrariando a finalidade emancipadora da educação.

“Firmar uma visão sobre moralidade e civismo é manter o status quo, é trazer o nacionalismo que acha que o Brasil deve se sobrepor às demais nações, é ver a educação como transmissão de conhecimento e não compreender que o aluno é capaz de refletir sobre o que está aprendendo”, diz.

“Eles não entendem a educação como um processo de aprendizagem mútuo, de construção do conhecimento, de saberes significativos e emancipadores”, complementa Daniel.

Instrumento da ditadura

A Educação Moral e Cívica foi criada em setembro de 1969 como disciplina obrigatória nas escolas de todas etapas e modalidades do País pelo então presidente Arthur da Costa e Silva (1967-69), criador do AI-5, durante a fase mais dura e brutal da ditadura militar brasileira.

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A disciplina previa o culto à pátria, bem como aos seus símbolos, tradições e instituições a fim de “aprimorar o caráter do aluno por meio de apoio moral e dedicação tanto à família quanto à comunidade”. Tratava-se de uma maneira de exaltar o nacionalismo presente na época da ditadura.

Costa e Silva

Costa e Silva, o mesmo que instituiu o AI-5, criou a Educação Moral e Cívica

“Os centros cívicos deverão, até mesmo, elaborar o ‘código de honra do aluno’ e considerarão o civismo nos três aspectos fundamentais: caráter, com base na moral, tendo como fonte Deus; amor à Pátria, com capacidade de renúncia; e ação permanente em benefício do Brasil”, diz uma reportagem da época.

Com o passar dos anos, o ensino da disciplina foi flexibilizado. Primeiro, tornou-se obrigatório apenas para algumas séries. Em 1992, passou a ser opcional e, em 1993, o então presidente Itamar Franco a extinguiu por não considerá-la parte de um regime democrático.

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