Escola de Armação dos Búzios (RJ) resgata a cultura quilombola do território
Publicado dia 21/10/2022
Publicado dia 21/10/2022
Este ano, a Escola Municipal Professora Lydia Sherman mudou seu nome. Localizada em um território quilombola em Armação dos Búzios (RJ), a unidade, junto com a Prefeitura e a Secretaria de Educação, decidiu incluir o termo quilombola, mas não só: trata-se da consolidação do desejo de fortalecer a valorização da identidade e cultura do território e da comunidade.
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Agora Escola Municipal Quilombola Professora Lydia Sherman, a unidade que atende 113 crianças da Educação Infantil ao Ensino Fundamental 1, foi uma das dez vencedoras da 6ª edição do Prêmio Territórios, uma iniciativa do Instituto Tomie Ohtake, realizado em parceria técnica com a Cidade Escola Aprendiz e o Centro de Referências em Educação Integral.
“Esse trabalho pela valorização da história e da cultura dos nossos estudantes e de suas famílias é antigo, bem como a luta para que a nossa escola fosse reconhecida como quilombola. Essa conquista traz muito orgulho e vejo quanta diferença faz para as crianças, que sabem que são capazes de conquistar seus sonhos, que vêem o valor de sua cultura também na escola, se sentindo pertencentes e merecedores de estarem aqui”, comemora Eidvane Aparecida Faria Duarte, que faz parte da equipe diretiva da unidade.
Para Gina Vieira, formadora de professores da educação básica do Distrito Federal e membro do Comitê Nacional de Educação em Direitos Humanos, também é simbólico o momento em que essa nomeação ocorre.
“Nomear é significar, é dar importância. Diz de celebrar essa identidade, esse território. É não abrir mão da própria história, é exercitar o direito à memória e exercer um movimento de resistência para constituir existindo, sobretudo no contexto histórico atual, em que grupos minoritários estão sob ataque”, afirma Gina, que participou da seleção do projeto.
Retomando o pensamento de Tomaz Tadeu da Silva e outros pesquisadores e pesquisadoras, Gina lembra que a Educação brasileira é colonial, por privilegiar o ensino a partir de uma perspectiva eurocentrada.
“Isso faz com que grupos historicamente excluídos se sintam menores. Não é raro encontrar um menino que nasceu em uma região periférica e não consegue se orgulhar do território em que vive, porque essa Educação faz acreditar que no Brasil os pobres, negros, indígenas, periféricos e quilombolas têm menos importância do que os que estão ocupando o poder atualmente, que são brancos”, explica a especialista.
Por esse motivo, a escola quilombola Lydia Sherman se dedica a repensar todo o trabalho pedagógico, as relações entre as pessoas e com a comunidade, as imagens que ocupam as paredes, a alimentação e todos os demais aspectos da escola para promover uma educação mais diversa e que valorize a cultura quilombola.
Ao longo deste ano, por exemplo, a unidade promoveu o projeto “Da África a Búzios, conhecendo nossas raízes”, em que sediou a comemoração do Dia Municipal Quilombola, promoveu apresentações de maculelê, capoeira e contação de histórias feitas pelos próprios estudantes e de artistas da comunidade, celebração com outra escola quilombola próxima para marcar a mudança de nome da escola.
Houve ainda a reinauguração de sua sala de leitura, em que os estudantes e a comunidade elegeram como novo nome uma ex-estudante e atual funcionária para homenageá-la e momentos para oficinas e brincadeiras entre as crianças e as famílias.
“Também criamos um novo logo para a escola, a partir de uma árvore que temos aqui no pátio e que simboliza esse resgate das nossas raízes, de ir fundo em tudo que temos vivido e que vamos dar continuidade, porque é um projeto que não tem fim e que precisa ser aprimorado, por exemplo, agora estamos lutando pelo direito a uma alimentação adequada à comunidade”, conta Eidvane.
“A alimentação não é um detalhe, é um momento de interação, de celebração. Quando os estudantes podem se reconhecer nessa comida, quando ela valoriza sua identidade, ela nutre o corpo e a subjetividade”, complementa Gina.
O trabalho da escola é ancorado na Lei 10.639, que instituiu a obrigatoriedade do ensino da História e Cultura Afro-Brasileira a partir de um lugar não estigmatizado e para além de ações pontuais, comumente centradas em torno de 20 de novembro, o Dia da Consciência Negra.
“Nessa escola, esse trabalho acontece de maneira transversal ao projeto pedagógico, aos conteúdos, às relações da escola, o que traz mais força e qualidade pedagógica e fortalece a concepção de Educação como processo de humanização. Quando o estudante conhece sua história a partir de um lugar de força, liderança, intelectualidade, beleza, ele aprende mais e fortalece sua autoestima, além de valorizar o esforço do Movimento Negro em criar essa Lei para garantir a essas crianças, adolescentes, jovens e adultos o direito de receber uma Educação que não estigmatiza sua cultura e sua identidade, algo que a Educação tem feito ao longo desses anos”, reforça Gina.
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