EMPoeint: Escola revoluciona a forma de ensinar e aprender em Belo Horizonte (MG)
Publicado dia 06/11/2024
Publicado dia 06/11/2024
Em Belo Horizonte (MG), a Escola Municipal Polo de Educação Integrada (EMPoeint), que atende os anos finais do Ensino Fundamental e a Educação de Jovens e Adultos, revoluciona a forma de ser e estar na escola de seus estudantes. Conheça a história da escola e confira um Raio-X detalhado do trabalho da EMPoeint no Especial Escolas de Educação Integral.
O espaço onde antes adolescentes em conflito com a lei eram aprisionados e sofriam múltiplas violências, hoje dá lugar à livre expressão e ao desenvolvimento integral de estudantes dos anos finais do Ensino Fundamental e da Educação de Jovens e Adultos (EJA).
Na Escola Municipal Polo de Educação Integrada (EMPoeint), em Belo Horizonte (MG), os estudantes aprendem coletivamente por meio de roteiros de estudo interdisciplinares e mediação dos professores. Não há provas, seriação ou aulas expositivas.
🔎 Raio-X | Saiba mais sobre a prática da EMPoeint
Cada roteiro tem duração de um trimestre e parte de um tema gerador, pactuado junto aos estudantes. Nos conteúdos, imagens e fontes, a valorização da diversidade racial, histórica e cultural do Brasil, bem como os temas de injustiças sociais e direitos, são centrais.
Na EJA, por exemplo, realizaram o roteiro Mundo do Trabalho após os educadores identificarem que muitos dos estudantes estavam submetidos a trabalhos precarizados.
“Assistimos ao filme Eu, Daniel Blake e fizemos rodas de conversa sobre o que eles sabiam sobre a uberização do trabalho. Depois, realizamos atividades relacionadas aos direitos trabalhistas, como a questão de remuneração, impostos e porcentagem em Matemática, e saúde e proteção em Ciências. No final, fizemos um projeto de vida para cada um”, relata Adelson França Júnior, coordenador pedagógico da EJA.
Todo o material didático da escola é interdisciplinar e produzido pelos educadores, que possuem quase 19 horas semanais para planejamento e formação em serviço. “Com o 6° ano, fizemos um de Matemática e História para falar sobre Egito Antigo e as pirâmides”, exemplifica Ramuth Marinho, professor para o Ensino Fundamental desde 2018.
Para facilitar a interdisciplinaridade e a interlocução entre a equipe, há um documento virtual coletivo onde cada um descreve o tema que pretende trabalhar no próximo roteiro e, visualizando todos os temas, começam a costurar aproximações entre as áreas.
Para além dos roteiros, ao longo das 9 horas que ficam na escola, formato instituído desde 2018, as turmas realizam cotidianamente atividades físicas, artísticas e culturais junto a monitores. Há momentos para jogos de tabuleiro, música, teatro e até empinar pipa com o vento que sopra ao pé da serra que contorna o bairro.
A avaliação dos estudantes têm fins pedagógicos, ou seja, aprendem enquanto são avaliados, e os resultados são utilizados para redirecionar o trabalho pedagógico com o estudante. Não há hierarquizações e o objetivo é identificar novas chances de ensinar e aprender o conteúdo ou habilidade de formas e em tempos diferentes.
“Sempre falamos para eles que estão sendo avaliados a todo momento. Temos uma ficha de cada estudante para analisar diferentes dimensões e atividades, com o apoio dos tutores”, explica Ramuth.
As tutorias são compostas por um professor e um monitor, que acompanham até 15 estudantes em todas as suas dimensões dentro e fora da escola. Eles são figuras centrais para apoiar a personalização do ensino e a garantia dos múltiplos direitos sociais de crianças, adolescentes e suas famílias.
A voz ativa dos estudantes também se faz presente nos processos de avaliação, que contam com o olhar dos sujeitos sobre eles mesmos, e ampla participação democrática em todas as decisões e instâncias da escola.
“Sempre que necessário convocamos assembleias e rodas de conversa para escutar os estudantes, suas demandas, fazer combinados de convivência, tomar decisões e mediar conflitos a partir da justiça restaurativa. É um exercício para que eles se tornem protagonistas e cidadãos democráticos, e para fazer da escola um projeto coletivo”, explica Shirlei Lopes, gestora da EMPoeint.
A partir de todo este trabalho, a escola alcançou a nota 5.5 no Ideb – a nota da cidade para os anos finais do Ensino Fundamental é 6.
“Sem focar no conteúdo ou em treinamento, conseguimos atingir a nossa meta. Mas o que mais importa para nós é que temos a maioria dos estudantes na média da proficiência e poucos abaixo dela, porque nos interessa a equidade, não um grupo seleto em boa proficiência”, diz Shirlei.
Para conhecer mais sobre a história e cultura das etnias indígenas brasileiras, os estudantes visitaram uma aldeia próxima à escola. “Eles disseram que foi o melhor passeio, porque interagiram com outras crianças, nadaram no rio e participaram de rodas de conversa com indígenas”, conta Shirlei.
As saídas para o território são frequentes e planejadas a partir do trabalho pedagógico, mas há também momentos de passeio para lazer. “Os estudantes vão ao cinema, teatro e até se apresentaram com o coral e a Orquestra Filarmônica da cidade com várias outras escolas”, relata a gestora.
Para quem encerra a EJA no final do ano, há uma viagem pedagógica para comemorar a conclusão da etapa. Já foram a Ouro Preto conhecer a história da cidade e este ano vão a Cordisburgo, onde nasceu o escritor Guimarães Rosa (1908 – 1967).
Da mesma forma como a escola se estende por toda a cidade, a EMPoeint também se abre para a comunidade. Há uma biblioteca e uma academia comunitária e envolvimento com os movimentos sociais e culturais do bairro, como o hip-hop. A escola também cede espaço para uma feira de economia solidária e um cursinho popular.
“O estudante chega na escola com uma vivência social, cultural, corporal, estética e tudo isso tem que fazer parte das aprendizagens, que devem servir para ele fazer leituras de mundo e intervir efetivamente em sua vida”, define Shirlei.
Para implementar a Educação Integral em tempo integral, a gestão da escola visitou outras unidades de referência, como a Escola da Serra (BH), Centro Pedagógico da UFMG (BH), Escola Municipal Desembargador Amorim Lima (SP) e Centro Integrado de Educação de Jovens e Adultos Campo Limpo (SP).
As práticas destas escolas ajudaram a EMPoeint a vencer vários desafios na missão de romper com os modelos educativos tradicionais, mas outros ainda persistem.
A baixa frequência escolar e as dificuldades de aprendizagem no pós-pandemia, bem como garantir tempo de descanso para os estudantes e a efetivação de todos os seus direitos sociais, são alguns deles.
“Também temos problemas com os novos professores que chegam e não têm formação para esse tipo de metodologia, para atuar como mediador, dar importância ao território e não fazer mais do mesmo no tempo integral”, explica a gestora escolar.
A escola também deseja avançar na personalização dos roteiros de aprendizagem para cada um dos estudantes, o que atualmente acontece mais por agrupamentos.
“O enfrentamento à LGBTfobia também é uma questão. Já quiseram que uma estudante trans fosse expulsa da escola. Nossa resposta foi fortalecê-la e no final ela foi a nossa noiva na festa junina”, conta o professor Ramuth.
A desconfiança das famílias em relação ao trabalho pedagógico inovador também costuma ser um desafio no começo do ano. “Eles acham que não estamos desenvolvendo os estudantes como deveríamos, em relação às aprendizagens curriculares”, relata Ramuth.
Esse foi o caso da família de Rafaela, 12, que está na unidade há dois anos. “Ela veio de uma escola particular e ficamos receosos em relação à proposta da escola, achando que era só papo”, conta a mãe, Luciene Marques da Silva.
Para envolver as famílias e a comunidade na proposta da escola, há reuniões periódicas que explicam o trabalho desenvolvido com os estudantes. “Depois da primeira reunião, demos nosso voto de confiança e foi a melhor decisão”, diz Luciene.
A família relata que para eles, e para Rafaela, o desejo de que a escola atendesse também o Ensino Médio é consenso. “Ela gosta da escola, dos colegas e professores como nunca vi gostar antes. Até das atividades de final de semana e nas férias ela quer participar e estar na escola”, diz Jeferson Braz da Silva Raimundo, pai de Rafaela.
Ficha técnica | Especial Escolas de Educação Integral
Coordenação técnica: Fernando Mendes, Natacha Costa e Raiana Ribeiro
Edição: Tory Helena
Reportagem: Ingrid Matuoka
Conteúdo digital: Larissa Alves
Design: Vinicius Corrêa
Centro de Referências em Educação Integral
O Centro de Referências em Educação Integral promove, desde 2013, a pesquisa, o desenvolvimento metodológico, o aprimoramento e a difusão gratuita de referências, estratégias e instrumentais que contribuam para o fortalecimento da agenda de Educação Integral no Brasil.
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