Em SP, Centro Santa Fé estimula a formação de lideranças juvenis
Publicado dia 27/01/2014
Publicado dia 27/01/2014
Iniciativa: Centro Santa Fé
Pública ou Privada: Filantrópica
Descrição: A mobilização de mães em torno de questões educacionais sempre foi muito presente nos movimentos sociais. Como parte dessa movimentação foi construído o Centro Santa Fé, organização voltada a crianças e jovens de 12 a 18 anos , que atua sobre o território do Morro Doce, na zona norte de São Paulo.
Sensibilizadas pela Campanha da Confraternização da Igreja Católica de 1997, que tinha como tema a continuidade dos estudos entre os jovens, algumas dezenas de mães resolveram juntar forças para gerar um cursinho pré-vestibular destinado aos estudantes egressos do ensino médio.
No período, quando as políticas afirmativas ainda não estavam em curso, a maioria dos jovens de escolas municipais e estaduais não conseguia ingressar em universidades públicas, sem condições de competir com o estudante egresso do sistema particular, melhores preparados para o vestibular.
Mesmo sem grandes instrumentos, as mães tornaram-se professoras do cursinho, buscando em materiais didáticos a literatura necessária para apoiar os jovens estudantes. Em 1998, tendo em vista o esforço dessas mulheres, a Cia de Jesus, braço da Igreja Católica, que já havia cedido uma sala para o curso, abraçou a iniciativa e passou a ofertar, junto às antigas envolvidas, atividades de informática e aulas direcionadas a jovens e adultos (EJA) que ainda não haviam completado o ensino fundamental, além de apoiar a iniciativa com a contratação de professores especialistas.
Os cursos não tinham apenas o vestibular como horizonte. Baseados na educação popular do educador Paulo Freire, os educadores realizavam junto aos estudantes rodas de conversa sobre as dificuldades e necessidades do território; integração dos alunos aos movimentos sociais e suas reivindicações e apresentavam filmes que fomentassem discussões e temas aprendidos. Como parte do contato com o Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST), os estudantes foram convidados a passar alguns dias em acampamentos do movimento, apresentando as questões da luta agrária e desconstruindo os estereótipos sobre o MST. O grande objetivo, desde o início, era a formação de lideranças jovens e, por isso, além de prepará-los para o vestibular, todos eram munidos de informações que os aproximava das organizações sociais locais.
A partir da iniciativa, no ano de 2002, vários jovens conseguiram ingressar na faculdade pública e o projeto prosseguiu também com bolsas de estudo.
Em meados dos anos 2000, no entanto, surgem políticas como o Prouni (Programa Universidade para Todos), incentivando a entrada de pessoas de baixa renda na universidade. Com a evolução das políticas, em 2012, o projeto mudou seu foco de atuação, os cursos pré-vestibulares foram extintos, mas permaneceu o trabalho com o objetivo de trabalhar a cidadania e autonomia dos adolescentes e jovens.
De acordo com a coordenadora pedagógica Sarah Cazella, a iniciativa sempre levou em consideração o conceito de Educação Integral, que possa apoiar a vida e cidadania do estudante, o que inclui a arte, informática e diversas linguagens tecnológicas, comunicação e participação social. “Nunca pensamos o jovem apenas por meio do conhecimento histórico já estabelecido, mas a partir de sua história de vida e local onde está situado”, explica. Tanto que o lema do Santa Fé é “resgatando história, construindo cidadania”.
Com essa perspectiva, o projeto prossegue oferecendo atividades a adolescentes de 12 a 18 anos que estejam em condições de vulnerabilidade social. As atividades acontecem de segunda a sexta-feira, como complementação escolar dos meninos e meninas participantes. Dentre as ações desenvolvidas, está o projeto “Dialogando”, destinado à construção do projeto de vida de cada um e discutindo questões individuais dos jovens; “Convivência Esportiva”, que relaciona atividades físicas à qualidade de vida e trabalho em grupo; “Ciranda do Conhecimento”, que dá suporte aos estudos e abre espaço a pesquisas; e o “Cultura Digital”, que apresenta diversas oportunidades de aprendizagem por ferramentas e linguagens de tecnologia.
Além dessas, existem também atividades optativas, escolhidas pelos jovens, a depender da aptidão de cada um. Há um projeto de musicalização, no qual os estudantes recebem a iniciação à música, por meio de contato com instrumentos musicais, um de educação ambiental, que mostra como devem ser realizados os cuidados com o meio ambiente, com a criação de hortas e também a atividade de teatro, que tem como base o Teatro do Oprimido, de Augusto Boal, na perspectiva de trabalhar as artes cênicas ancorada na realidade social dos envolvidos.
São trabalhadas ainda diversas linguagens artísticas, como a dança e a capoeira. Aos mais velhos (de 15 a 18 anos), é oferecida a orientação profissional, com atividades que estimulam a formação para o mundo do trabalho, como vivência de rotinas de escritório, apresentação de modelos de comunicação, entre outras.
Início e duração: 1997 até os dias atuais.
Local: Morro Doce/ Distrito Anhanguera (SP)
Responsáveis: Centro Santa Fé
Envolvidos e parceiros: Centro de Referência de Assistência Social (Cras), Conselho Tutelar, escolas da rede pública de ensino, Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST). O Centro Santa Fé é membro da rede socioassistencial da região.
Financiamento: Associação Nóbrega de Educação e Assistência Social da Cia de Jesus.
Com atuação há quase 17 anos, o Centro Santa Fé já chegou a atender em um só ano até 500 crianças e adolescentes. Dentre os resultados mais significativos, está a formação para a cidadania e protagonismo dos participantes, que, a partir das atividades, passam a conhecer outras culturas e modos de pensar, transformando o local onde vivem. Além disso, com os cursinhos pré-vestibulares oferecidos, o espaço tem um grande número de jovens formados em universidades, os quais entraram nas faculdades públicas ou privadas por meio do incentivo do Santa Fé. Outro resultado significativo é a observação de jovens que saíram de uma condição de total vulnerabilidade, alcançando melhores condições de trabalho.
Veja abaixo relato da educanda Thaís Santana, 23, que hoje é profissional de comunicação do espaço:
“Entrei no projeto em 2008 e permaneci até o ano de 2009. Pra mim, minha passagem pelo Santa Fé foi muito positiva, pois me ajudou a transformar a minha própria visão, já que eu tinha estudado em outra região. Eu ia de casa para a escola e não tinha proximidade alguma com meu bairro. Mas, com a minha entrada no projeto, o olhar sobre o bairro também foi mudando, a partir das coisas que eu aprendia.
O cursinho ia muito além de passar no vestibular, pois, entre outras ações, nós também trabalhávamos nossa formação política – conheci autores que a escola não apresentava. Além disso, o cursinho me colocou em contato com o Movimento Sem Terra (MST). Tive oportunidade de fazer imersão no movimento, em um acampamento em Cajamar (SP), com duração de quatro dias, o que mudou a visão preconceituosa que eu tinha da organização por meio de matérias da grande imprensa.
As atividades do projeto eram todas divididas por eixos, diferente da escola, que é separada por disciplinas. Esse modelo ajudava bastante, pois englobava vários conhecimentos. Assim, o meu contato com o jornalismo também teve início no cursinho, já que uma vez por semana era possível escolher uma disciplina optativa, que variava entre dança, teatro e comunicação.
Nesse período, tive contato com profissionais do Jornal Cantareira e escrevi matérias para o veículo. Cobri um evento do acampamento Irmã Alberta, do MST, localizado no Distrito da Anhanguera. Além disso, fiz uma matéria sobre o Programa Saúde da Família, em Perus (zona norte de SP). Foi o cursinho que me abriu as portas para eu iniciar, de fato, a minha carreira enquanto jornalista.
O Santa Fé colaborou para com a minha visão de mundo. Eu saí daquela bolha fechada que era a escola e consegui expandir o meu olhar para aquilo que estava ao meu redor. A passagem pelo projeto me auxiliou, inclusive, na faculdade, já que muito do conteúdo visto na universidade eu já tinha acessado durante o projeto.
Ter permanecido esses dois anos, me fez ter a sensibilidade para trabalhar como jornalista da periferia, já que o intuito do projeto é entender o território e formar lideranças juvenis locais. Atualmente, além de ser profissional de comunicação do Santa Fé, atuo como jornalista comunitária do Blog Mural (Folha.com), que realiza a cobertura jornalística da periferia. Estar no Mural é uma forma de cumprir tudo aquilo que aprendi no projeto”.
Contato
Facebook: https://www.facebook.com/projetocentrosantafe
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