Em Canela (RS), escola de tempo integral alia-se à comunidade para transformar realidade local
Publicado dia 05/09/2017
Publicado dia 05/09/2017
Há 30 anos, as condições de quem vivia no bairro Canelinha, em Canela (RS), eram precárias. Considerada a região mais pobre do município, nem todos tinham acesso à energia elétrica, à ruas asfaltadas e os índices de criminalidade eram altos.
Tudo isso começou a mudar quando a Escola Estadual Neusa Mari Pacheco e a comunidade ao redor estabeleceram uma relação de ajuda mútua.
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Atendendo pedidos das famílias, em 1994, a escola ampliou seus horários e passou a oferecer atividades pedagógicas complementares dentro de uma concepção de educação integral.
No Rio Grande do Sul, a Lei nº. 14.705 determina que pelos menos metade das vagas do Ensino Fundamental seja ofertada em período integral, até 2023. Até o momento, apenas 107 escolas da rede atendem essa modalidade.
“No final dos anos 80, mesmo antes da legislação estipular a implantação do turno integral no estado, as famílias já sabiam qual era a educação que queriam: uma escola que envolvesse o aluno o dia inteiro. Um lugar seguro, em que ele evoluísse não só intelectualmente, mas principalmente como ser humano”, explica Márcio Gallas Boelter, diretor da Neusa Mari Pacheco há 5 anos.
Como a escola contava com poucos recursos, as famílias dos alunos passaram a participar ativamente do espaço.
Nos horários livres, pintavam uma parede descascando, ajudavam a realizar atividades recreativas e esportivas com as crianças e, até mesmo, buscavam financiamentos externos.
Foi assim que a escola pública de Canelinha conseguiu uma piscina semiolímpica e aquecida para as aulas de natação — raridade inclusive entre as instituições particulares do País.
Tanta movimentação motivou os próprios alunos, que também cumprem a sua parte em cuidar da escola, seja cultivando a horta de que vão se alimentar, preparando conservas, fazendo o pão tradicional da região ou lavando a louça após as refeições.
Com esse empenho da comunidade escolar e do entorno, a escola Neusa Mari Pacheco diminuiu os índices de reprovação e praticamente erradicou a evasão. O bairro, por sua vez, foi aos poucos se revitalizando com a ocupação dos espaços e cuidados dos moradores e da escola.
As famílias já sabiam qual era a educação que queriam: uma escola que envolvesse o aluno o dia inteiro. Um lugar em que ele evoluísse como ser humano
“Os moradores passaram a perceber água encanada, luz elétrica e uma escola de qualidade não mais como privilégios dos ricos, mas como coisas que eles também podiam ter acesso. A família se tornou parceira da escola e a escola, parceira das famílias, em um processo em que um depende do outro”, diz o diretor da escola em que já foi aluno, professor e vice-diretor.
“Eu lembro de quando começaram a instituir o período integral, e não foi fácil, tiveram muitos percalços, mas hoje a escola segue graças a essa parceria com a comunidade”, afirma Márcio Boelter.
A escola estadual Neusa Mari Pacheco atende 1.150 alunos do Ensino Fundamental ao Ensino Médio em uma área de 33 mil metros quadrados, dos quais apenas 7 mil são construídos. O restante é destinado a quadras esportivas abertas, hortas e um bosque, onde as crianças exploram a vegetação, brincam e aprendem sobre as plantas.
Todos os alunos cumprem, obrigatoriamente, 10 horas diárias na escola, mas há exceção para os jovens do Ensino Médio. Os que apresentam a carteira de trabalho assinada ou a matrícula em um curso do Senac ou Senai podem realizar o ensino regular no período matutino ou noturno, somente.
“Mas se esse aluno, ao final do trimestre, não atingir as médias necessárias, ele é chamado a ficar o dia todo. Isso é pré-estabelecido em uma conversa com os pais e o estudante”, explica Boelter.
No total, são 900 alunos que permanecem na escola em tempo integral, e a escola é responsável por toda a alimentação. Todos os dias são distribuídas mais de 800 refeições.
No período da tarde, as crianças e jovens têm aulas de teatro, dança, canto e música, recreação, e atividades esportivas, além de torneios aos finais de semana, abertos para a comunidade.
Desde o primeiro ano do Fundamental, os alunos também começam a aprender a língua inglesa e espanhola, com a proposta de que sejam fluentes em ambas até o final do Ensino Médio.
“Nós trabalhamos com componentes curriculares, portanto não fazemos oficinas, todos os alunos participam de tudo, para envolvê-los durante todo o dia”, afirma o diretor.
Para manter toda a estrutura funcionando e atendendo a tantos alunos e famílias, são necessários muitos recursos. Em 2016, foram investidos 1,2 milhão de reais, a maior parte vinda da própria comunidade escolar.
Hoje, como explica o diretor, o maior desafio é manter a escola, realizando sua manutenção periódica. “Falta apoio governamental, muitos de nossos recursos foram totalmente cortados, há atraso nas verbas e não recebemos sequer o aumento da inflação. Sem falar no parcelamento dos salários dos professores e a desmotivação do profissional. Projetos são mantidos com dinheiro, e essa escola só vai continuar se tivermos recursos”, diz preocupado.