Garotas de Vermelho: Estudantes criam projeto sobre saúde menstrual
Publicado dia 15/03/2024
Publicado dia 15/03/2024
🗒️Resumo: Na EMEF Saint Hilaire, em Porto Alegre (RS), o coletivo Garotas de Vermelho leva doações e informação para a comunidade, outras escolas e municípios sobre saúde menstrual, tema que ainda é tabu na sociedade. Entre as produções, há absorventes de pano e um livro feito pelas meninas e meninos. O projeto é um dos vencedores do 7º Prêmio Territórios Tomie Ohtake.
De acordo com estudo da Cruz Vermelha Brasileira, 1 em cada 4 meninas já deixou de ir à aula por não poder comprar absorventes. Entre as brasileiras de 15 a 17 anos, 23% não têm acesso a produtos de higiene menstrual. Na EMEF Saint Hilaire, em Porto Alegre (RS), a realidade não era diferente.
Leia + Estudantes de escola pública criam a Biblioteca Antirracista Marielle Franco
“Nós estávamos menstruando e víamos nossas amigas menstruarem e a gente não sabia o que era e nem como lidar. Vimos que muitas meninas faltavam à aula por causa da cólica, sem dinheiro para comprar remédio e absorvente. Por isso, em 2022, decidimos criar o Garotas de Vermelho, para falar sobre menstruação e acabar com esse tabu, porque nem na escola e nem na família falam sobre isso”, explica Joana Dorneles de Souza, 14 anos, que está no 9º ano.
O projeto é um dos projetos vencedores da 7ª edição do Prêmio Territórios, iniciativa do Instituto Tomie Ohtake, realizada em parceria técnica com a Cidade Escola Aprendiz e o Centro de Referências em Educação Integral.
Em parceria com Maria Gabriela Pires de Souza, professora de Matemática que também atua na biblioteca da escola, 20 meninas e 5 meninos, de 7 a 15 anos, se juntaram para começar as conversas.
“Elas envolveram os meninos por causa das risadas e brincadeiras que alguns deles faziam sobre menstruação e entenderam que eles também tinham seu papel nessa luta”, diz Maria Gabriela.
O primeiro passo do coletivo foi convidar ginecologistas, ativistas menstruais e coletivos que promovem dignidade menstrual para conversar. Depois, entrevistaram pessoas da escola, da família e da comunidade para entender o que elas pensam sobre menstruação e como lidam com ela.
“Elas perceberam que precisavam encontrar uma forma da menstruação ser vista como um momento saudável na vida da mulher e não falar sobre isso só na perspectiva da angústia, do desconforto e da vergonha, mas para compartilhar experiências e entender melhor”, afirma Maria Gabriela.
Munidas das escutas que fizeram, partiram para ação e arrecadaram doações de absorventes para as estudantes que precisavam. Mas queriam ir além, afinal o problema identificado também era mais amplo, e assim decidiram criar um kit de saúde menstrual.
O coletivo cortou e costurou absorventes de tecido, criou uma bolsa térmica, escreveu um folheto com informações sobre menstruação e o livro De onde é esse sangue, Joana?, que aborda saúde menstrual de forma acessível para crianças e adolescentes, já que a maioria das obras é destinada a adultos.
“Elas vendem esse kit e, com o lucro, adquirem materiais para costurar absorventes e doar para as meninas em situação de vulnerabilidade da comunidade. Tem sido um sucesso e já temos dinheiro suficiente para costurar absorventes para todas as meninas da escola também”, comemora a professora Maria Gabriela.
São mães, tias e avós que adquirem o kit para si próprias ou para presentear as meninas de suas vidas, quando não são as próprias adolescentes que se interessam. As vendas aumentaram tanto que foi necessário contratar ajuda. “Para honrar as mulheres da nossa região, buscamos duas costureiras do bairro e pagamos a elas pela mão de obra”, conta Joana.
Aos poucos, as Garotas de Vermelho, que já haviam conquistado todo o bairro, começaram a ampliar sua atuação pela cidade e até em outros municípios. A Prefeitura de Porto Alegre, por exemplo, propôs uma parceria para levar as meninas para apresentar o projeto a outras escolas – até aqui, já foram mais de 20 – além de eventos e palestras.
“Para abrir a conversa com crianças, a gente conta a história do livro. Depois, perguntamos se elas conhecem o absorvente, se a mãe, a tia ou irmã menstruam, e começamos a conversa. Elas adoram e fazem muitas perguntas. Com os adolescentes e adultos, mostramos o sistema reprodutor feminino e explicamos como é a menstruação. Com os meninos, explicamos que quando virem uma menina com cólica ou que manchou a roupa, é para ajudar, não fazer chacota, como costuma acontecer”, explica Joana.
O coletivo também realiza formações para professores da rede. “Nós não temos formação para esse assunto e nossa geração não conversou sobre isso, então é difícil que um professor, por iniciativa própria, fale sobre esse assunto com a turma, além de faltarem recursos pedagógicos para isso, que o kit fornece”, diz Maria Gabriela.
De volta à escola, percebem que o clima em torno do assunto mudou. As meninas falam abertamente sobre o tema e não têm mais vergonha de pegar um absorvente da bolsa. “Agora elas pedem absorvente para a gente quando precisam, conversam e tiram dúvidas. O projeto fez elas se conectarem mais com a gente”, observa Joana.
Para Ana Paula Pietri, uma das avaliadoras do Prêmio Territórios, o projeto tem uma riqueza especial por fazer a ponte entre duas gerações: a que cresceu com poucas oportunidades de abordar o tema e o viam com desconforto e quase exclusivamente do ponto de vista negativo, e a juventude que lança um novo olhar para a questão.
“Isso rompe também com um histórico de meninas serem silenciadas na escola, no trabalho e dentro de casa. É o protagonismo feminino mostrando que meninas e mulheres são capazes e seguras para fazerem todo esse movimento e transformação”, diz Ana Paula.
Escola indígena de Rio Tinto (PB) refloresta nascentes de água do território
Estudantes de escola pública criam a Biblioteca Antirracista Marielle Franco
Terra de Macunaíma pede socorro: conheça o projeto sobre garimpo ilegal da EJA
Professora cria projeto para combater o preconceito linguístico