publicado dia 16/12/2015

Como Nasce uma Escola: instâncias de participação e deliberação dão voz à juventude

Reportagem:

selo_como nasce uma escolaNa sétima reportagem da série Como nasce uma escola?, o Instituto Casa Viva Educação e Cultura, de Belo Horizonte, conta ao Centro de Referências em Educação Integral como vem pautando as demandas da juventude em seu projeto político pedagógico.

“Em termos sistêmicos, o ensino médio já passou por várias perspectivas: da conclusão da educação básica à formação propedêutica aliada à profissional, passando pelo preparo para o vestibular. Todas elas foram perdendo identidade, o que faz com que os sistemas privado e público repensem essa formação”.

A reflexão da docente Andrea de Araujo Zica enuncia um percurso também trilhado pelo Instituto Casa Viva que, atualmente, atende cerca de 60 estudantes nessa etapa escolar. A profissional conta que, na instituição, o trabalho com a juventude parte de duas diretivas principais: flexibilização curricular e reestruturação sociopolítica, prevendo instâncias de participação e deliberação dos alunos.

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Foto tirada por um dos estudantes do ensino médio/ Créditos: divulgação

Em prol das demandas da juventude

O currículo da instituição se apresenta em rede, como define a docente, fazendo menção à organização por áreas do conhecimento. Somado ao tempo da execução curricular, prevista pelo Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs), há o do atendimento às demandas dos estudantes. Aí se encontram as eletivas que, segundo Andrea, têm aspecto fundante. “Essas atividades trazem a possibilidade de criação alinhada ao desejo dos jovens, uma vez que eles definem em assembleia os temas que têm interesse em se aprofundar, como cinema, fotografia, gastronomia, rap, cultura de rua, entre outros”, avalia.

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Créditos: divulgação

A equipe pedagógica é coparticipante desse processo e muitas vezes acaba se formando juntamente com os adolescentes. “O ano passado eu fiquei à frente da eletiva sobre cultura oriental [Andrea leciona Língua Portuguesa e Literatura]. O meu trabalho era sentar com os estudantes toda semana e planejar a aula da semana seguinte. Para isso, selecionávamos temas e possíveis sequências, buscávamos fontes de estudo e íamos discutindo a viabilidade”, explica a educadora.

As eletivas acontecem três vezes por semana, têm duração de uma hora cada e são renovadas a cada semestre; as turmas não são seriadas e os estudantes podem se agrupar por afinidade ao tema tratado.

Ainda na perspectiva da flexibilização curricular, a escola prevê espaço para um seminário quinzenal, com duas horas de duração, também orientado pelo desejo dos estudantes de explorar alguns temas. “Sabemos que alguns assuntos são estruturantes para esses garotos e, por isso, não podem deixar de serem tratados dentro do ambiente escolar”, coloca Andrea, referindo-se a temáticas como sexualidade, questões de gênero e raça, entre outras.

“Esse debate, no entanto, carece de mais brechas curriculares para que não seja dimensionado apenas dentro de uma aula de Biologia, ou História, por exemplo. Essa abordagem é plural e deve, portanto, ser multidisciplinar”. Nesses momentos, os estudantes podem escolher e convidar profissionais para mediarem as discussões.

Outra frente do trabalho com a juventude são as assembleias, com caráter ordinário de 30 dias, e extraordinário sob demanda. Esses momentos são garantidos toda última quarta do mês, e os estudantes têm a possibilidade de abordar questões do cotidiano escolar.

Andrea fala de uma conquista recente da turma: “eles estudaram o regimento escolar e organizaram um estatuto da assembleia, instituindo pauta prévia e critérios de priorização dos temas. Também levantaram uma questão que nunca tínhamos parado para olhar. Se estamos diante de uma instância democrática, como fazer com que os professores, representados em menor número que os alunos, tenham uma participação efetiva? Será que o voto dos professores teria que ter um peso diferenciado?”, comenta a docente.

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Reflexões possíveis

Todo esse percurso é fruto do primeiro ano do Instituto Casa Viva, que deu início às suas atividades em meados de março de 2015. A escola vem buscando se encontrar cada vez mais com a necessidade de dar voz à juventude e, para tanto, procura garantir processos de discussão e de definição. “Se a escola proporciona experiência de decisão, permite que se construa a responsabilidade, a autonomia e a cidadania. Não existe formação para a cidadania, mas experiência cidadã”, defende Andrea.

A docente cita um episódio que, em sua visão, demonstra bem o que é construir um espaço a partir da atuação participativa. “Alguns alunos questionaram se seria necessário determinar o uso dos banheiros de acordo com o gênero, feminino ou masculino. De início, os estudantes não quiseram essa diferenciação, mas, com o tempo, um grupo de meninas passou a reclamar da sujeira do banheiro, culpando os garotos pela bagunça”.

Instaurada a polêmica, os estudantes pactuaram a manutenção de um banheiro exclusivo para as meninas. O espaço foi decorado com flores e tinha até mesmo acessórios para uso comum das garotas. Na assembleia seguinte à decisão, durante a avaliação da iniciativa, os estudantes chegaram à conclusão de que o central não era a questão da divisão por gêneros, mas a necessidade de que o espaço estivesse adequado para o outro, que todos tivessem um senso do coletivo. “Com isso, eliminou-se a divisão e, de fato, esses espaços hoje são muito mais preservados pelos estudantes”, finaliza Andrea.

Na análise da docente, possibilitar que os alunos experimentem e façam seus contrapontos é muito mais rico do que qualquer outra tentativa de mobilização. “No caso dos banheiros, essa tomada de consciência deles é muito mais funcional do que o uso de cartazes indicando o uso adequado desses espaços, entende?”, sinaliza a educadora.

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Créditos: divulgação

Andrea também entende que o acúmulo dessas experiências possibilita aos alunos vivenciarem a democracia e assimilarem que a vontade individual pode ser vencida por uma decisão da maioria e que, assim sendo, é necessário aprender a respeitar as decisões coletivas, sem boicotes. “São aprendizagens subliminares que se transformam em uma experiência democrática que vai para a vida”, reforça.

O apoio às decisões juvenis também reverberam na própria escola e na comunidade do bairro Cidade Jardim, local onde o Instituto se localiza. Os estudantes já mostram interesse em questões do território e se articulam buscando soluções mais sustentáveis para a região, caso do coletivo Contra Corrente que tem como pauta principal a questão da mobilidade urbana. “Tudo isso nasce a partir de uma relação com a escola que, por ser uma instituição de formação, tem o papel de potencializar esses discursos”, finaliza a docente.

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