publicado dia 12/08/2019
Entenda os principais pontos das propostas para o novo Fundeb
Reportagem: Ingrid Matuoka
publicado dia 12/08/2019
Reportagem: Ingrid Matuoka
O Brasil tem em mãos uma tarefa determinante para a educação brasileira: decidir sobre o futuro do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb), que vigora somente até dezembro de 2020.
Isso porque o Fundeb é o maior financiador da educação no país. Por meio de 156,4 bilhões de reais, ele subsidia mais de 40 milhões de matrículas de redes estaduais e municipais.
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Deputados, senadores, o próprio Ministério da Educação e organizações da sociedade civil já apresentaram diferentes propostas para a manutenção do Fundo. Dentre as proposições, alguns pontos requerem uma análise mais cuidadosa.
É o caso do texto que abre brechas para a utilização de vouchers na educação pública, outro que propõe a bonificação por resultados e das disputas sobre qual deve ser o percentual de complementação da União.
O Centro de Referências em Educação Integral ouviu especialistas que analisam estas propostas.
Hoje, o Fundeb determina que a complementação da União seja de 10%, ou seja, a cada 1 real investido por estados e municípios, o governo federal contribui com 10 centavos.
Confira a nota técnica da Campanha Nacional Pelo Direito à Educação sobre as propostas de emenda feitas à PEC 15-A/15
Em geral, há um consenso sobre a necessidade de ampliar esse percentual. O objetivo é que, com isso, se reduzam as desigualdades e melhore a qualidade da educação e a valorização dos educadores. Mas há divergências sobre o valor deste este aumento.
Pela proposta da Câmara, o percentual de contribuição da União passaria para 30% em dez anos. No Senado, a complementação chegaria a 30% em três anos ou a 40% em 11 anos, dependendo da proposta.
A Campanha Nacional Pelo Direito à Educação é uma das defensoras da proposta de 40% de complementação. Andressa Pellanda, coordenadora executiva da organização, explica que esse número deriva do montante necessário para implementar o piso do magistério — sem o qual não seria possível melhorar a qualidade da educação.
“Para atingir isso, o Simulador de Custos para Planejamento de Sistemas Públicos de Educação Básica em Condições de Qualidade (SimCaq), que usa todas as bases de dados educacionais, pede uma complementação de mais ou menos 46%. Então a proposta de 40% já está abaixo do necessário para corrigir a distorção.”
Já o Movimento Todos Pela Educação defende garantir no mínimo 15% e, se houver espaço fiscal, ampliar esse percentual para 30%. “A sinalização mais recente é de que a complementação vai ser de no máximo de 15%. O que não pode é reduzir os recursos”, afirma Caio Callegari, coordenador de projetos do Movimento.
A primeira proposta de emenda feita à PEC 15-A/15, que corre na Câmara dos Deputados, foi apresentada pelos deputados Tabata Amaral (PDT/SP) e Felipe Rigoni (PSB/ES). Ela sugere bonificar, com um adicional de 10% do montante da complementação da União ao Fundeb, as redes de ensino dos entes federados que “alcançarem evolução significativa em processos e resultados educacionais”.
“O resultado da avaliação é um reflexo do investimento na qualidade da educação”, diz Andressa Pellanda
A bonificação por resultados já aconteceu em países como Austrália, Chile e Coreia do Sul. O relatório de monitoramento Global da Educação da Unesco 2017/18 aponta que a medida cria um ambiente propício para fraudes. As escolas e redes, para evitar sanções e exclusão dos benefícios, manipulam o sistema. Além disso, o documento indica que é cada vez mais comum que professores e escolas sejam penalizados individualmente por um problema estrutural.
A professora e pesquisadora da Universidade de Nova York, Daine Ravich, que estuda o modelo, também afirma no relatório que os testes têm limitações. Eles não levam em consideração a quantidade de variáveis que compõe o processo educativo, como o que acontece na escola, as características dos testados, a motivação do estudante e o engajamento da família.
Além de frágil, o sistema de bonificação por resultados tende a aprofundar mais as desigualdades. “O resultado da avaliação é um reflexo do investimento na qualidade da educação. Então, os que não tem investimento vão continuar obtendo notas piores, e recebendo menos”, explica Andressa Pellanda.
Callegari chama atenção para outra questão. Se um município não consegue avançar por condições específicas, e não recebe o recurso, quem é prejudicado é o aluno. “Não podemos penalizar as crianças e adolescentes”, diz.
A terceira proposta de emenda à PEC 15-A/15 foi apresentada pelo deputado Tiago Mitraud (NOVO-MG). Ele propõe que estados e municípios possam utilizar os recursos do Fundeb para financiar o ensino público obrigatório em instituições privadas com ou sem fins lucrativos.
No relatório Responsabilização na educação: cumprir nossos compromissos, a Unesco indica que as práticas de voucher e escolhas escolares devem ser vistas com cuidado, pois isoladamente não devem ser apontadas como a grande solução para os problemas educacionais, já elas têm diferentes resultados em diferentes realidades.
O documento aponta que esses mecanismos têm favorecido os processos de exclusão e segregação em países como Estados Unidos e Chile. Isso por que “nos sistemas de escolha escolar, os pais baseiam sua decisão em fatores como composição demográfica, o que pode levar à diminuição da diversidade e reforçar as divisões socioeconômicas”.
Catarina de Almeida Santos, professora na Faculdade de Educação da Universidade de Brasília (UnB), explica que não basta só garantir a matrícula. O recurso que será distribuído é aquém do necessário para se ter um investimento de qualidade. Assim, ter acesso ao voucher não necessariamente significa ter acesso a educação de qualidade só porque estará em uma escola privada.
O Fundeb é o maior financiador da educação no Brasil. Por meio de 156,4 bilhões de reais, ele subsidia mais de 40 milhões de matrículas de redes estaduais e municipais.
“Trata-se de um repasse de recursos para o setor privado que poderia ser investido na educação pública, considerando que a educação é um bem público, um direito de todos, inclusive daqueles que podem ir para uma escola privada”, diz a professora.
Caio Callegari pontua, ainda, que nesse debate é preciso ter um norte: “o nosso objetivo é ampliar a qualidade e equidade para todos. É acreditar nos nossos professores e formá-los melhor. Temos muito para caminhar, mas também já avançamos na garantia de melhores oportunidades de aprendizagem.”
*Os deputados Tabata Amaral e Tiago Mitraut foram procurados pela redação, mas não retornaram até a publicação desta reportagem.
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