publicado dia 12/03/2019
Boas práticas de revisão curricular para se inspirar
Reportagem: Ingrid Matuoka
publicado dia 12/03/2019
Reportagem: Ingrid Matuoka
No ano passado, os professores das 17 escolas da rede municipal de Tremembé (SP) receberam uma orientação da Secretaria de Educação: “Durante uma semana vocês devem fazer qualquer coisa, menos aquilo que já fazem em sala de aula”, conta Cristiana Berthoud, gestora da rede responsável pela provocação.
Leia + Como são as práticas pedagógicas na perspectiva da educação integral?
O desafio fez parte de um longo processo que a secretaria, gestores escolares e professores vivenciavam no ensejo da revisão curricular da rede. Para isso, vinham já estudando conceitos da Educação Integral, a Base Nacional Comum Curricular e revendo suas práticas. “Estudamos muito, mas chega o momento em que se deve desafiar os educadores a experimentar na prática essas teorias”, diz Cristiana.
O resultado foi professores e gestores se ajudando para planejar e pesquisar práticas pedagógicas e metodologias e, 15 dias depois, a realização da “semana do desafio”, na qual “fizeram coisas extraordinárias”, como relata a secretária, como sair com as crianças para o território, dar aulas em novos espaços com agrupamentos diferentes, e trazer as famílias para dentro da escola.
Apoiando este processo estavam Helena Freire, formadora, e Julia Andrade, pesquisadora, ambas do Centro de Referências em Educação Integral. Elas também foram responsáveis por munir os professores com diversas práticas inovadoras e metodologias ativas.
“Levei uma série de experiências para eles conhecerem, mas sempre frisando que não há um jeito único e certo, e que eles deveriam conhecer outros modos de fazer, para então escolher e adaptar qual seguir”, afirma.
O município de Tremembé é uma das experiências concretas que fundamentam a plataforma Currículo na Educação Integral, que visa contribuir com a construção curricular nas redes municipais e estaduais de educação a partir da Base Nacional Comum Curricular.
Para isso, traz sugestões de processos participativos e colaborativos de construção curricular nas redes e oferece referências e metodologias que instrumentalizam gestores e professores para sua elaboração.
Para além do que ocorre no município paulista, outras referências e experiências educativas inspiraram a plataforma, sempre considerando as condições reais de realização deste trabalho nas escolas públicas. “É importante destacar que a ferramenta é estruturada de forma que cada escola ou rede possa adaptá-la às suas necessidades”, diz Natacha Costa, diretora da Cidade Escola Aprendiz.
Na Escola Municipal Campos Salles, localizada em São Paulo, desde pequenos os alunos são estimulados a desenvolver atividades em grupo: os professores trabalham em trios acompanhando um coletivo de estudantes, subdividido em grupos menores que também trabalham juntos.
Já na Escola Municipal Amorim Lima, também situada na capital paulista, aprendizagens ativas são promovidas, abrindo mão das aulas expositivas. Assim, os estudantes se engajam no processo de fazer, investigar e aprender usando diferentes metodologias, como programas de sequências didáticas, roteiros de pesquisa autônoma e experimentação mão na massa.
Para lidar com o problema da evasão dos estudantes, a Escola Estadual Italo Betarello decidiu organizar o trabalho pedagógico das sextas-feiras por meio de oficinas envolvendo todos os professores da escola. Essa mudança envolveu os estudantes – que aderiram às atividades com entusiasmo – e agradou os profissionais. O limite dessa experiência é que a divisão entre aulas teóricas (de segunda a quinta-feira) e aulas práticas (às sextas-feiras) permaneceu.
Na Escola Municipal André Urani, localizada na Rocinha (RJ), os estudantes do 7º ao 9º anos organizam a sua própria aprendizagem, formando times que são acompanhados por um mentor. Cada time é formado por um subgrupo – com estudantes de diferentes anos – que desenvolve atividades juntos. Quando há necessidade de aprofundamento, os estudantes recebem atenção específica dos professores em atividades que chamam de laboratórios.
A iniciativa Roda de Invenções do Instituto Catalisador promove aprendizagem criativa, que parte de uma narrativa para que os alunos desenvolvam pequenos mundos no formato de maquetes e protótipos, mobilizando diversos conhecimentos de variadas disciplinas neste processo.
Por meio de pesquisas, o Movimento de Inovação na Educação desenvolveu uma metodologia para avaliar 5 dimensões das escolas (gestão, currículo, metodologia, ambiente e território), e para cada dimensão analisar quão transformadora ela é, ou seja, qual seu potencial criativo e inovador, mas também do ponto de vista da autonomia e da superação das desigualdades.
Dentre os diversos pesquisadores da educação, vale a pena consultar Rachel Lotan, especialista em trabalho em grupo. Além de versar sobre a importância educativa dos grupos, ela também traz perspectivas de como garantir a equidade entre os estudantes. Ela explica que, para tanto, os professores devem ter clareza dos potenciais e dificuldades de cada aluno, para agrupá-los de acordo, garantindo que todos tenham um lugar no grupo. Ao dividir adequadamente os papéis que cada um desempenha, é possível evitar que alguns alunos sejam erroneamente taxados de “preguiçosos” e se sintam excluídos.
O Project Zero de Harvard, por sua vez, desenvolve metodologias com base nas rotinas de pensamento visível, fundamentadas no princípio de que é preciso deixar claros os critérios avaliativos. Também deve ser mais visível o processo de aprendizagem, tanto para os estudantes quanto para os professores.
Além das experiências práticas das escolas e de estudos teóricos, também foram consultados os currículos da Bahia, Ceará, Acre e São Paulo, e as Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN), em relação aos múltiplos modos de organização, liberdade de organização da escola, as trilhas e redes de aprendizagem, e a prevalência da autonomia das escolas.