Como construir uma política curricular alinhada à Educação Integral
Publicado dia 12/03/2019
Publicado dia 12/03/2019
Promover uma revisão do currículo da rede municipal ou estadual, seja para adequá-lo à Base Nacional Comum Curricular (BNCC) ou para atualizá-lo, pode ser uma oportunidade para trazer a Educação Integral como proposta formativa.
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“A Educação Integral promove um currículo contemporâneo, que atende os contextos e necessidades da nossa sociedade, ampliando as possibilidades de interações e considerando a relação desses estudantes com os territórios”, afirma Fernando Mendes, formador em gestão educacional do Centro de Referências em Educação Integral.
Para apoiar este processo, o Centro de Referências, em parceria com o British Council, lança a plataforma Currículo na Educação Integral, que traz referenciais teóricos e práticos de como promover essa revisão por meio de processos participativos e colaborativos.
Um dos principais pilares da Educação Integral é a gestão democrática, pois é por meio dela que se prepara o terreno para que as demais ações possam se desenvolver. É esse o fio condutor que deve nortear as ações da Secretaria de Educação, dos gestores e professores.
Para que isso se concretize, a Secretaria deve incluir os gestores educacionais, professores e, se possível, os estudantes e famílias na construção da matriz curricular da rede e na definição dos recursos necessários para sua implementação: materiais, formação continuada e estratégias de avaliação e monitoramento.
Isso pode ser feito, por exemplo, por meio de debates e reuniões periódicas com todos ou em grupos: a secretaria dialoga com os gestores que, por sua vez, conversam com os professores, que serão responsáveis por ouvir os estudantes e suas famílias. Tudo que for debatido deve ser registrado e levado de volta para a Secretaria de Educação.
Neste processo, a Secretaria deve permitir que cada escola exerça sua autonomia pedagógica, para que ela faça escolhas e adaptações necessárias a seu contexto.
Por parte das escolas, cabe realizar o mesmo movimento, envolvendo toda a comunidade escolar e as famílias na revisão dos seus projetos político pedagógicos (PPP) à luz da matriz curricular da rede.
Todas essas ações devem ser permanentes: mesmo após a construção da matriz curricular, as demais iniciativas devem ser pautadas pela gestão democrática. Além disso, a Secretaria e as escolas também devem oferecer processos de formação continuada para apoiar toda a comunidade escolar e as famílias na implementação de práticas de gestão e práticas pedagógicas orientadas pela Educação Integral.
“Quando a Secretaria constrói o documento de maneira coletiva e garante as condições para viabilizá-lo, o currículo deixa de ser só um texto escrito e ganha materialidade”, explica Fernando Mendes.
A política curricular alinhada à Educação Integral pressupõe também diálogo e colaboração. Deve, portanto, estimular a percepção de que alunos, professores, escolas e secretarias fazem parte de uma rede maior, na qual devem ser criados espaços para trocas de experiências, com o objetivo de proporcionar igualdade de oportunidades de aprendizagem e desenvolvimento a todos os estudantes.
“A Secretaria precisa dialogar muito com a rede, com seus desejos e necessidades diversas”, diz Fernando Mendes
Nesta perspectiva, a Secretaria de Educação passa a ter como uma de suas principais atribuições conhecer e disseminar as melhores práticas experimentadas por suas escolas, respeitando as especificidades de cada contexto, ao mesmo tempo em que promove um processo colaborativo de construção de um projeto comum.
Ao tornar essas ações permanentes, cria-se uma cultura de compromisso de toda a comunidade com as questões locais e com a qualidade da educação.
“A partir dessa escuta, a gestão terá subsídios reais para trabalhar. Esse processo inverte a imposição de políticas, da Secretaria para as escolas, e começa a entender que o órgão precisa dialogar muito com a rede, com seus desejos e necessidades diversas”, diz o formador.
“Não existe Educação Integral se não houver relação entre escola e território”, sintetiza Fernando. Isso porque faz parte dos processos de ensino-aprendizagem considerar o contexto, a história e os sujeitos envolvidos.
“As realidades de cada escola em um mesmo município são completamente diferentes e precisam ser reconhecidas para nortear as ações. Antes, entendíamos que uma rede precisava tratar a todos de forma igual para oferecer as mesmas oportunidades, mas vimos que isso não funcionava. Hoje sabemos que a Secretaria precisa conhecer as diferenças dos territórios para que essas políticas sejam aderentes às respectivas realidades”, orienta o formador.
Dessa maneira, o território oferece os subsídios para entender os desafios e potencialidades educativos de cada escola. Partindo disso, a Secretaria deve construir coletivamente as políticas públicas necessárias para atender às necessidades e ampliar os potenciais.
Por parte das escolas, elas devem ter por objetivo ensinar os seus estudantes a refletir e produzir conhecimento para a transformação da realidade local e global. Para tanto, é preciso trazer para seu projeto político pedagógico saberes e práticas do território como hábitos, usos, costumes da cultura local como potenciais que a conectem com territórios mais amplos, regionais, nacionais, globais e mesmo virtuais.
A Base Nacional Comum Curricular (BNCC) é o documento que deve orientar a produção ou revisão curricular de todas as redes do Brasil. A Base, em si, não é um currículo, mas prevê direitos de aprendizagem e desenvolvimento que devem ser garantidos a todos e cada um dos estudantes de cada escola do país. Em seu texto introdutório, apresenta a Educação Integral como proposta formativa da Educação Básica.
Contudo, ao olhar para BNCC durante a construção da matriz curricular são necessários alguns cuidados. O documento desconsidera a ênfase na pluralidade de ideias pedagógicas garantida pela LDB e pelas DCN na teorização curricular contemporânea.
Além disso, apresenta as áreas e os componentes curriculares de maneira desarticulada, sem relacioná-los com as competências gerais, bem como abre brechas para escolas e redes aderirem a sistemas apostilados conteudistas. “Isso já se mostrou ineficaz para produzir aprendizagem, porque orienta o planejamento exclusivamente para a obtenção de resultados nas avaliações externas”, explica Fernando.
Assim, a Secretaria deve recorrer aos demais documentos e fontes teóricas da Educação para contornar estas fragilidades. Alguns destes documentos podem ser o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) e as Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação Básica (DCN). Mais do que somente ler os documentos, é interessante debater quais direitos estão garantidos nas escolas e territórios e o que ainda precisa ser feito.
A BNCC apresenta dez competências gerais, que se inter-relacionam e perpassam todos os componentes curriculares da Educação Básica, para a construção de conhecimentos, habilidades, atitudes e valores – uma tendência mundial na concepção da Educação.
“Dominar somente técnica e conteúdos não é mais suficiente”, afirma Fernando Mendes
“As competências que a Base elenca serão fundamentais para a sobrevivência dos jovens nessa sociedade que já se constitui, onde dominar somente técnica e conteúdo não é mais suficiente. Para isso, há cada vez mais máquinas e inteligência artificial”, observa o formador.
Os conteúdos curriculares devem, portanto, servir como disparadores das competências. Isso significa que não é necessário, por exemplo, uma aula sobre empatia e cooperação, mas que essa competência precisa ser trabalhada o tempo todo durante as atividades escolares.
A partir deste ponto, munidos dos desejos, fragilidades e potencialidades das escolas e seus territórios e sujeitos, o currículo pode começar a ser escrito, devendo ser uma resposta teórico-prática do por que, o que, o onde, o quando, o como, o com quem, o para quem, o para que e o para quando ensinar e avaliar aprendizagens.