publicado dia 23/11/2023

Violência policial em escola de SP mobiliza comunidade a repensar como proteger estudantes

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🗒️Resumo: Um caso de violência policial contra uma servidora pública e um estudante negros na cidade de São Paulo reacende a necessidade de construir redes de proteção para garantir direitos e, inclusive, evitar que as violências se repitam. Confira algumas orientações.

Em frente a uma escola pública no Jabaquara, região sul de São Paulo (SP), uma briga entre estudantes terminou em violência policial. O caso, atravessado pelo racismo, não é isolado e reflete uma realidade que se repete cotidianamente pelo Brasil. Diante de situações como esta, como a escola pode contribuir para proteger suas crianças e adolescentes? 

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Segundo o boletim de ocorrência registrado pela escola e depoimentos de funcionários da unidade, os policiais teriam sido chamados por uma mulher branca que passava na rua e interpretou a briga como assalto. Os policiais teriam chegado de forma truculenta e agredido ao menos seis estudantes de 14 a 16 anos. Segundo eles, a mulher, que ainda não foi identificada, fugiu assim que a polícia chegou.

Os jovens também relataram que um dos policiais teria removido a câmera acoplada ao uniforme. À reportagem do UOL, a Secretaria de Segurança Pública de SP afirmou que a câmera de outro PM mostra que o “dispositivo desprendeu da jaqueta” de um dos agentes.

Um dos adolescentes, o mais ferido, era um estudante negro que saiu da escola para separar a briga. De acordo com uma servidora pública da unidade, ele teria orgulho de ser um dos mediadores de conflitos das turmas.

O menino foi levado à delegacia sem a presença de um familiar ou do Conselho Tutelar, ainda que o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) proíba tal conduta. Uma funcionária da escola teve de insistir para que o menino não fosse sozinho e ela pudesse acompanhá-lo, enquanto  sofria desacatos e ameaças. Chegando na delegacia, o aluno foi levado sozinho para uma sala, onde teria sofrido tortura.

“Somos negros e sei que o desacato foi maior por isso. É uma tristeza profunda o que ele passou”, diz a servidora em entrevista ao Centro de Referências em Educação Integral. “Nos sentimos sozinhas diante de uma emergência como essa. Não tinha um advogado na Diretoria Regional de Ensino, na Secretaria Municipal de Educação, alguém que pudesse nos socorrer”, lamenta.

O caso agora é investigado pelo 97º Distrito Policial, a Polícia Militar e a Corregedoria da Polícia Civil. A Secretaria de Educação disse que acompanha o caso e presta todo atendimento, o que foi negado pela comunidade escolar. 

Por parte da instituição de ensino, criaram um grupo de apoio às famílias e estudantes envolvidos e uma grande mobilização coletiva para pensar como reatar os vínculos rompidos entre as instituições e garantir que nenhum episódio similar se repita. 

“Quero ter a oportunidade de conversar com os policiais para eles entenderem que têm que proteger essas crianças e adolescentes, que existem outras possibilidades de atuação nesses casos e no atendimento às escolas”, diz a servidora pública.

Combater o racismo e construir redes de proteção para estudantes

A violência sofrida pelos estudantes da escola do Jabaquara não é isolada e  ilustra o que a população negra enfrenta quando se depara com as forças de segurança brasileira, cuja letalidade é uma das mais altas do mundo. Segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, em 2022, 83% dos mortos pela polícia eram negros, sendo que 76% tinham entre 12 e 29 anos.

“Há no imaginário social brasileiro uma conexão entre as pessoas negras e a violência e a criminalidade. É um aspecto forte da formação do país. Toda essa situação ocorreu por causa de um olhar estereotipado e o tratamento de costume a essas populações”, aponta Bergman de Paula Pereira, pesquisadora, mestra em Ciências Humanas e Sociais pela UFABC e formadora da Associação Cidade Escola Aprendiz.

A pesquisa “A experiência precoce e racializada com a polícia: Contatos de adolescentes com as abordagens, o uso abusivo da força e a violência policial no município de São Paulo”, publicada em julho de 2023, se soma aos levantamentos que retratam o cenário de violência policial direcionada às populações negras brasileiras.

O levantamento foi realizado pelo Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo (USP) e acompanhou, por quatro anos, 800 meninos e meninas entre 11 a 14 anos, matriculados em 120 escolas públicas e privadas da capital.

Em todos os cenários, pretos tiveram duas vezes mais contato com a polícia do que brancos e sofreram xingamentos e agressões durante as abordagens e revistas. Quanto mais novos, pior o tratamento. 

“Os resultados demonstram como a discriminação racial e a seletividade das abordagens policiais estão presentes desde cedo na vida das crianças e adolescentes. Além disso, os dados coletados confirmam que é na mais tenra idade que os jovens negros se tornam alvos do policiamento ostensivo e das formas mais intrusivas e violentas de ação policial”, diz um trecho do estudo.

Diante deste contexto, é urgente a mobilização de toda a comunidade e das escolas pela proteção de crianças e adolescentes, sobretudo negros. “A comunidade pode ajudar cobrando posicionamento e ação dos órgãos públicos, porque eles têm respaldo na legislação de garantia de direitos de crianças e adolescentes contra esse tipo de abordagem”, explica Bergman, que reforça: “Ao Estado cabe a proteção de crianças e adolescentes, não a violação”.

Também é possível mapear toda a rede de proteção, incluindo as famílias que se disponham a participar, criar um canal de comunicação direta entre todos, e realizar conversas sobre como cada um atua diante de diferentes violências contra crianças e adolescentes.

“A própria comunidade pode pensar em formatos participativos de debates em torno da violência. É seu papel refletir sobre como os atores da rede de proteção atuam e devem atuar, bem como criar uma rede de segurança, pensando em todos os tipos de violências”, explica Bergman.

Mais especificamente, a própria polícia, o batalhão daquele território, os conselhos de segurança e de vizinhança solidária, também devem fazer parte dos diálogos. 

“A escola pode provocar essa rede a refletir e dialogar sobre o respeito aos direitos humanos, como criar uma comunidade mais acolhedora, inclusiva e respeitosa e que faça valer as já existentes medidas de redução de violência e letalidade na abordagem policial”, explica Danielle Tsuchida Bendazzoli, coordenadora de projeto no Instituto Sou da Paz.

As conversas com essa rede de proteção também precisam ser constantemente abordadas a partir da questão racial que estrutura o Brasil. “Os protocolos da polícia são corretos, não há nada desviante. Mas à medida em que vivemos em uma sociedade estruturada pelo racismo, que legitima discursos de ódio e extermínios de grupos de pessoas, que têm abordagens diferentes a depender do território, pode não estar escrito, mas construído no simbólico da polícia. Então isso precisa ser debatido, precisa de uma mudança mais ampla”, aponta Danielle.

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