publicado dia 15/12/2017
SIEI 2017 debate educação integral como projeto de País
Reportagem: Ingrid Matuoka
publicado dia 15/12/2017
Reportagem: Ingrid Matuoka
Para debater maneiras de garantir o direito à educação integral em meio às adversidades políticas e econômicas que o Brasil enfrenta, o 3º Seminário Internacional de Educação Integral – SIEI 2017 – reuniu especialistas de diferentes áreas nesta terça e quarta-feira (12 e 13 de dezembro) no Sesc Pompeia, em São Paulo.
Leia + Como as desigualdades educacionais ameaçam o direito à educação integral
A mesa de abertura, Trajetórias Educativas em Diálogo, trouxe jovens para compartilhar suas vivências e visões sobre a realidade da educação brasileira, apresentando o cenário atual.
“Entrei na faculdade pelo ProUni e por algum motivo desconhecido, nós, bolsistas, só entrávamos na sala de aula cinco dias após os outros alunos terem começado”, contou André Gravatá, do Movimento Entusiasmo (SP), que foi o primeiro de sua família a ingressar no Ensino Superior.
Daniel Remilik, do Redes da Maré (RJ), também relatou seu primeiro dia de aula em um curso de Direito a partir do estranhamento causado quando compartilhou com a turma que era da Maré. “Falei que era morador de favela, e só faltou as pessoas pegarem a carteira e saírem da sala”.
Hoje atuando diretamente pela educação da comunidade, Remilik apontou ainda a necessidade de investimento no entorno para que a escola, de fato, funcione. “Cada território tem um desafio, e o maior problema da Maré é a violência, ficamos muito tempo sem aula por causa de tiroteios e incursões policiais. De doze anos de estudo perdemos mais ou menos dois”.
Thabata Letícia da Silva, educadora do Programa Jovens Urbanos (SP), acrescentou que “para poder pensar uma educação integral, é preciso assumir as nossas contradições e fazer um recorte de território, de classe, de gênero”.
Moradora do bairro Cidade Tiradentes, Thabata criticou, entre outros pontos, a falta de espaço e valorização da cultura negra dentro da escola. “O desafio é nascer negra e aprender a se redescobrir e reconhecer a leitura que a sociedade faz de cada um de nós”, conta.
E foi em uma oportunidade oferecida pelo território que Mirelle Bezerra da Silva, participante do Conexão Felipe Camarão (RN) e mestre de cultura popular, se redescobriu. “Eu não sabia quem eu era ou para onde ir, mas foi no Conexão que eu pude desenvolver todas as minhas potencialidades como pessoa e cidadã”, disse.
Além dessa descoberta, a mestre de cultura popular também passou a enxergar o território de outra maneira. “Na escola eu só ouvia que meu bairro era violento e periférico, mas quando entrei no Conexão passei a ter consciência de toda a riqueza que havia ali”, afirmou.
Angela Dannemann, superintendente do Itaú Social, contou que no início dos anos 2000 trabalhou com Educação de Jovens e Adultos (EJA), quando o País tinha 25 milhões de pessoas que não sabiam ler e escrever.
“O analfabetismo é o sinal mais forte da discriminação contra as crianças pobres e negras. Trabalhando três anos com o EJA, formamos 105 mil pessoas”, relatou Dannemann.
Neste contexto de desigualdade, Pilar Lacerda, diretora da Fundação SM, ilustrou o cerne da questão dizendo que “cada um entra na educação por uma porta diferente, que poderia ser a mesma se ela fosse mais aberta”.
Além de mais democrática, Lacerda defende que a educação deve estar atenta a questões como desinteresse das aulas e evasão escolar.
“Durante muito tempo tivemos certeza do que deveríamos fazer e ignoramos essas perguntas que nos rondavam. A educação integral tira essa certeza e nos leva a querer saber mais sobre os nossos alunos, em que realidade eles vivem e qual bagagem já trazem para a sala de aula”, continuou Lacerda.
É esse olhar sobre a realidade do aluno que defende Natacha Costa, diretora da Associação Cidade Escola Aprendiz. “A educação pública é fundamental para a construção da democracia, mas para tanto ela precisa reconhecer com muita clareza nossas cisões, identidades, machismo, homofobia. Para nossa escola ser brasileira e transformadora, ela precisa se conectar com a vida que vivemos, ouvir, por isso o território é tão importante — negar o território é negar nossas próprias identidades”.
O ensaísta, cantor e professor José Miguel Wisnik conduziu uma mesa sobre linguagens e desenvolvimento integral, relacionando à diversidade cultural do território brasileiro.
“Toda atividade de linguagem é uma troca, e a falta dessa troca faz com que a escola não faça sentido para o aluno, porque troca depende de interesse, palavra que significa ser e estar entre coisas”, diz Wisnik, afirmando que “uma escola que não se coloca entre não se interessa e não interessa a ninguém”.
O educador contou a experiência da Núcleos Estaduais de Orquestras Juvenis e Infantis da Bahia (Neojiba), um movimento de educação musical conduzido pelo pianista Ricardo Castro.
Há dez anos essas orquestras formam seus próprio músicos em diálogo com o território. “Conheci jovens que haviam acabado de descobrir a música, mas já tocavam a 9ª Sinfonia de Beethoven e Tico-Tico no Fubá. Questionei o Ricardo como era possível que tocassem tão bem, com tanta alegria e em tão pouco tempo?”, recorda.
Em resposta, o músico explicou que baseava-se no fato de que uma criança que aprende um instrumento torna-se uma multiplicadora, capaz de também ensinar outras. Isso, por um lado, permite uma irradiação do conhecimento e, por outro, torna a aprendizagem mais divertida e leve e, portanto, mais rápida.
Wisnik também disse que o pianista recomenda desfazer as pompas hierárquicas que circundam a música erudita e que depreciam a música popular.
Uma experiência muito parecida, que tomou forma no Paraná, deu errado por uma diferença fundamental: o maestro, contou Wisnik, fazia questão de separar os músicos em eruditos e populares.
“Os ensaios foram minguando e aquilo não deu em nada. É o desvelamento da questão principal para qualquer outra aprendizagem dar certo: permitir que o interesse exista e cresça”, disse o educador.
Dialogando com a questão trazida por José Miguel Wisnik, Catherine L’Ecuyer, educadora e autora do livro Educar na curiosidade, começou sua palestra afirmando que “a crise na educação é uma crise de atenção”. E que esta última, por sua vez, só nasce do contato com a realidade.
“As crianças com até 6 anos de idade aprendem fundamentalmente pelos sentidos, pois não possuem desenvolvida a capacidade de abstração. Por isso, é importante cercar nossas crianças de muita realidade”.
Defensora do ensino por meio da brincadeira, do fascínio e do contato com o “mundo real” e e a natureza, a educadora colocou que não se trata de privar as crianças do contato com o digital, mas de introduzi-las neste universo de maneira gradativa, moderada e considerando a idade certa. “As crianças não mudaram, foi o entorno que mudou. Por isso, o melhor preparo para o mundo digital é o mundo real”, concluiu.
Macaé Evaristo dos Santos, secretária estadual de Educação de Minas Gerais, chamou a atenção do público para o desmantelamento do Plano Nacional de Educação (PNE) e consequente naufrágio da implementação da educação integral e de alma verdadeiramente brasileira.
“A crise econômica serve a um projeto de perpetuação da desigualdade”, disse Macaé, apontando o corte no Bolsa Família que houve em Minas Gerais, deixando 400 mil crianças e adolescentes sem o benefício.
“A meta 20 [do PNE], de financiamento, parece que é um privilégio, mas só estamos pedindo o direito à educação. Sem o Bolsa Família, a evasão escolar vai voltar a crescer”, alertou a secretária estadual.
Já finalizando o evento, as últimas três falas adotaram um tom inspirador sem perder de vista a realidade desafiadora. Helena Singer, da Ashoka Empreendedores Sociais, disse que “temos muito para contar da história da educação brasileira, que é diferente de só olhar o fracasso e a crise, mas uma história de riqueza e potência”.
“A escola só vai ser verdadeiramente brasileira quando nós, negros, que somos mais da metade da população, formos maioria não só nos índices de encarceramento, mas também nos espaços de poder”, disse Jéssica Moreira, do Nós, mulheres da periferia (SP).
Por fim, Marcelo Palmares, do Pombas Urbanas (SP), afirmou que a escola já não comporta mais os jovens e daí a necessidade de ocupar outros territórios. “Concordo com o Seu Milton, morador da nossa Cidade Tiradentes, quando uma vez ele disse que um bairro ocupado pela arte, pela cultura e pela educação não tem espaço para a violência”.
O SIEI 2017 é uma iniciativa da Fundação SM que acontece anualmente, envolvendo especialistas de diferentes países e áreas da Educação, para debater a importância da educação num mundo em constante mudança. Esta foi a terceira edição no Brasil, com outras dez edições do SIEI no México.
O evento foi realizado pela Fundação SM e pela Fundação Itaú Social, com coordenação técnica do Centro de Referências em Educação Integral e do Cenpec – Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária e apoio do Canal Futura e do SESC-SP.