publicado dia 22/09/2022

Setembro Amarelo: 3 perguntas para Ana Claudia Leite, do Instituto Alana

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A campanha Setembro Amarelo foi criada em 2015 pela Associação Brasileira de Psiquiatria e o Conselho Federal de Medicina com a finalidade de prevenir o suicídio e dar visibilidade à questão da saúde mental na sociedade, temas que ainda são alvos de tabus e preconceitos.  

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No Brasil, das 69 milhões de pessoas com 0 a 19 anos, há registro de 10,3 milhões de casos de transtornos mentais, de acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), e o suicídio é a segunda causa de morte entre adolescentes e jovens brasileiros de 15 a 29 anos. Em 2019, 1.273 jovens entre 11 e 20 anos tiraram a própria vida – quase 50% a mais do que em 2014. Também preocupa o dado de que para cada morte há outras 20 tentativas.

Diante deste cenário, as escolas desempenham um papel central na prevenção ao suicídio. Para apoiar educadores e educadoras a olhar para a questão e abordar o assunto com as turmas, Ana Claudia Arruda Leite, assessora de Infância e Educação do Instituto Alana, respondeu a três perguntas sobre o tema. Confira a conversa na íntegra: 

Centro de Referências em Educação Integral: As campanhas de Setembro Amarelo costumam suscitar debates sobre saúde mental nas escolas, um trabalho que deve ser desenvolvido o ano todo. Por que faz parte do papel da escola olhar para essa questão? 

Ana Claudia Leite: A escola precisa olhar para crianças e adolescentes – mas não só, porque também envolve as famílias, professores e funcionários – de forma integral, porque o ser humano se desenvolve em diferentes aspectos, não apenas o cognitivo, muito valorizado na escola tradicional. Então a escola também precisa considerar outros aspectos: emocional, social, cultural, ético, estético, motor, biológico, entre outros. 

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Esse olhar integral também deve alcançar o território para a escola dialogar com o mundo. Assim, ela precisa considerar o entorno, os atores, lideranças, mestres da cultura popular, os outros espaços que podem ser educativos e o aspecto intersetorial para garantir direitos das crianças e adolescentes, em interação com as áreas da Saúde e da Assistência Social, por exemplo.

CR: Por vezes, questões de saúde mental como ansiedade e depressão são encaradas como problemas individuais. Em que medida, sobretudo em relação a crianças e adolescentes, o sofrimento psíquico pode ter a ver com questões sociais, como violações de direitos? 

ACL: A saúde também precisa ser encarada de forma integral, porque ela tem uma dimensão física e biológica, mas há o aspecto social. Nesse sentido, a saúde é uma questão individual e coletiva, porque depende da constituição desse sujeito, mas também de quanto esse indivíduo pôde ter garantido, desde sua gestação, uma saúde de qualidade e todos os seus direitos. 

Conheça o guia “Saúde Mental na Infância: identificação, manejo e qualificação do cuidado“, elaborado pela Secretaria Municipal de Saúde do Rio de Janeiro (RJ), que traz uma síntese de sintomas comuns de sofrimento que podem ser percebidos por educadores. 

O direito à saúde, garantido pela Constituição Federal, também depende da escola. O Programa Saúde na Escola, que existe desde 2007, prevê a atuação conjunta das áreas para promoção e atenção à saúde dos estudantes. Também pode envolver a Assistência Social, porque o sofrimento psíquico pode decorrer de violência doméstica, maus tratos ou extrema vulnerabilidade social, por exemplo.

Isso é especialmente importante agora com a pandemia, em que foram agravadas, embora já existissem antes, questões de saúde em diversos aspectos: a mental, com luto, o isolamento social e o medo, e a física, com sedentarismo e má alimentação.

O papel do educador diante disso não é fazer diagnósticos clínicos, que podem rotular e atrapalhar o desenvolvimento dos estudantes, mas mapear como vai o contexto da criança e do adolescentes e acionar a rede de proteção social quando perceber que a criança ou adolescente não está bem.

CR: Quais são alguns cuidados importantes na hora de abordar questões de saúde mental com as turmas? 

ACL: É possível fazer um currículo que promova saúde mental. O brincar, os jogos, o esporte, a cultura, são fundamentais para saúde física e mental. Mais espaços ao ar livre, com natureza, que sejam bonitos e agradáveis, com mais possibilidades para trocas, são modos de promover saúde. 

Também é interessante trazer práticas e referências positivas, que fortaleçam vínculos saudáveis e fortes entre as crianças e adolescentes e deles com os adultos e familiares, porque o vínculo afetivo é estruturante do indivíduo e contribui para a saúde integral.

Também contribui para a saúde fortalecer uma proposta pedagógica em que a escola tenha a capacidade de ser um espaço acolhedor, de um clima escolar positivo, em que as crianças e adolescentes sejam, efetivamente, respeitadas, ouvidas e protagonistas dos processos e decisões.

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Ao trabalhar de forma explícita problemas como suicídio e automutilação, que costumam aparecer mais a partir dos 10 anos, é preciso cuidado para não fazer isso de forma intelectualizada, com conceitos e rodas de conversa, e não antecipar essas vivências para as crianças se for algo que nem faz parte do cotidiano delas. 

Adequando às faixas etárias e às demandas, é possível fazer um trabalho de prevenção, de práticas saudáveis e de conscientização dos problemas que afligem os jovens hoje, também com a escuta e espaço para diálogo na escola. Muitas vezes, os adolescentes se sentem sozinhos, não são respeitados na família e em outros espaços, nem considerados e validados em suas formas próprias de expressão. E caso o educador note que algo está acontecendo, é crucial encaminhar imediatamente para a rede de proteção social.

*Ilustração: Midjourney.

Procure ajuda

O Centro de Valorização da Vida (CVV) realiza apoio emocional e prevenção do suicídio. Ele atende de forma voluntária e gratuita todas as pessoas que querem e precisam conversar, sob total sigilo por telefone, email e chat 24 horas todos os dias. Caso você ou algum conhecido se encontre nessa situação, busque ajuda aqui. Conheça também a iniciativa Pode Falar, voltada para jovens de 13 a 24 anos.

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