publicado dia 13/05/2024

Projeto Terreiros Nômades leva cultura negra para escolas públicas de São Paulo (SP)

Reportagem:

Resumo: Conheça a parceria entre um grupo de arte-educadores e escolas públicas da periferia de São Paulo (SP), que potencializa a implementação de leis fundamentais para combater o racismo e promover direitos.

No pátio colorido da EMEI Cruz e Souza, em São Paulo (SP), as crianças se apoiam sobre as mãos e um dos pés. O outro vai para o alto e volta para o chão sob o comando do Mestre Pedro Peu, que ensina um dos movimentos da capoeira para os pequenos, ao som do berimbau, pandeiro, reco-reco e agogô, tocados pelos demais arte-educadores da coletiva N’Kinpa – Núcleo de Culturas Negras e Periféricas.

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A atividade faz parte do projeto Terreiros Nômades – Macamba Faz Mandinga – Saberes Afrodiaspóricos nas Corporeidades da Cena, criado para valorizar as culturas africanas, afrodiaspóricas e originárias nas escolas públicas.

Ao longo de 2024, o projeto, contemplado na 41ª Edição do Programa Municipal de Fomento ao Teatro para a Cidade de São Paulo, vai realizar uma série de atividades práticas, estudos e debates para crianças, adolescentes e professores na EMEI Cruz e Souza e na EMEF Ana Maria Alves Benetti, ambas em zona periférica da região sul paulistana.

As escolas foram selecionadas por seu extenso e rigoroso trabalho de combate ao racismo e implementação das Leis nº 10.639/03 e nº 11.645/08, que tornaram obrigatório o ensino da história e culturas afro-brasileira e indígena em toda a Educação Básica. 

Apesar disso, 71% das redes educacionais do país não cumprem a lei, realizando pouca ou nenhuma ação para efetivá-la. É o que evidenciou a pesquisa “Lei 10.639/03: a atuação das Secretarias Municipais no ensino de história e cultura africana e afro-brasileira”, realizada por Geledés Instituto da Mulher Negra e Instituto Alana.

“A implementação dessas leis tem que acontecer a partir dos agentes dessa cultura, as pessoas pretas e originárias, e a partir disso trazer essa intelectualidade, as histórias que foram negadas, para as infâncias”, explica Joice Jane Teixeira, idealizadora do projeto Terreiros Nômades e coordenadora da coletiva N’kinpa.

No pátio da escola, as crianças experimentam as movimentações corporais próprias da capoeira

Desde 2015, a EMEI Souza e Cruz, que atende 550 crianças de 4 e 5 anos, vem trabalhando para implementar as legislações e combater o racismo. Uma de suas principais ferramentas é a aproximação de coletivos do território, como a N’kinpa, com quem já atuava em parceria.

“Os coletivos ganham porque têm na escola um parceiro, um público, um local. E as escolas ganham porque os educadores têm parceria na tarefa nada simples de educar as crianças, além de ampliar o repertório da comunidade escolar’, afirma Marcos Manoel dos Santos, diretor da unidade.

“As crianças que não forem educadas desde muito cedo para a convivência antirracista certamente serão influenciadas pelos pensamentos racistas, machistas e todas as mazelas da sociedade”, diz Marcos Manoel dos Santos

Para o educador, é fundamental que o combate ao racismo comece na Educação Infantil. “As crianças que não forem educadas desde muito cedo para a convivência antirracista certamente serão influenciadas pelos pensamentos racistas, machistas e todas as mazelas da sociedade”, reforça.

Nas próximas semanas, o projeto vai realizar mais quatro encontros reunindo as duas escolas, familiares e cuidadores para debater com o músico e historiador Salloma Salomão a importância do ensino dessas culturas nas escolas e espaços culturais. 

Além disso, a coletiva criou o podcast A Cor da Nossa Cultura em Encontros e Redes e vai desenvolver um espetáculo de teatro performático, concebido a partir de todo esse percurso, cuja estreia está prevista para novembro. 

“A parceria com a escola enriquece o nosso lado artístico, de bulir o lugar de qual público me interessa, onde a gente de fato tem que estar, e a escola é um espaço espetacular de possibilidades”, diz Joice. 

O trabalho com as professoras

As crianças da EMEI Cruz e Souza não foram as únicas a experimentar a capoeira. Sob as árvores de uma área verde da escola, as professoras formaram uma roda e aprenderam a jogar capoeira, desde as canções, o gingado base e o cumprimento, até alguns desvios e chutes. Depois seguiram em cortejo de volta ao prédio da escola, sob o olhar curioso de vizinhos da unidade. 

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Para o trabalho com as crianças ser efetivo, é fundamental que as educadoras experimentem a capoeira com o próprio corpo

Crédito: Ingrid Matuoka

“Estas não são culturas e filosofias que se encaixam dentro de sala de aula, em ficar sentado, enfileirado. O modo de pensar é circular e plural. É isso que estamos trazendo para a escola, que não pode ser um lugar conteudista, mas onde podemos trazer cosmovisões, que são outras percepções de vida”, explica Joice. 

O objetivo da vivência é que as professoras pudessem experimentar no próprio corpo o que elas vão seguir trabalhando com as crianças ao longo do ano. “Não acessamos essas culturas e saberes no nosso tempo escolar e nem na formação inicial, então entrar em contato com isso por meio de quem vive e produz essa cultura de fato nos ajuda”, observa Viviane Vieira, coordenadora pedagógica da unidade. 

Para a professora Fabiana Carolina Souza, a vivência também foi um convite a valorizar o corpo na aprendizagem. “E isso a partir de um repertório de movimentos e musicalidades ancestrais, que é importante que a gente resgate e aprenda primeiro, para depois poder levar para as crianças conhecerem. E eles adoram, sempre pedem mais”, diz a professora.

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