publicado dia 21/10/2019
Programa de remição de pena promove a liberdade por meio da leitura
Reportagem: Ingrid Matuoka
publicado dia 21/10/2019
Reportagem: Ingrid Matuoka
Foi dentro de uma unidade prisional no Maranhão que Jaime Almeida, 32 anos, teve a oportunidade de ler um livro pela primeira vez e concluir o Ensino Médio. “A professora de Português me emprestou um livro, e eu gostei tanto que depois pedia para ela trazer mais e levava para o alojamento, e ficava lá lendo o tempo todo”, conta.
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Jaime teve acesso aos livros porque em sua unidade prisional havia uma escola. Agora, essa oportunidade foi ampliada a todos os detentos, por meio do programa Remição Pela Leitura. Criado em 2017 pela Lei nº. 10.606, o projeto opera em todos os 47 presídios do Maranhão, e já atendeu mais de 4.500 pessoas.
A iniciativa surgiu do interesse que Jaime e muitos outros detentos demonstraram pela leitura no desenrolar de projetos das escolas em unidades prisionais, como rodas de conversa.
Após ler um livro, os detentos escrevem uma resenha e apresentam a história e seu ponto de vista sobre a narrativa para uma banca
Crédito: Thabada Louise
“Nós percebemos que tirá-los do ambiente da cela e levá-los para um ambiente de liberdade estava impactando positivamente, e começou a ter uma procura muito grande”, conta Thabada Louise, coordenadora do projeto na Secretaria de Estado de Administração Penitenciária (SEAP).
“A leitura tira a pessoa daquele foco que vive ali dentro, abre a mente, permite ver o futuro de outra forma, e que com estudos pode conseguir melhorias e mudar de vida”, conta Jaime, que não teve a oportunidade de participar do programa Remição Pela Leitura, já que saiu do sistema penitenciário antes do início das atividades.
De outro modo, desde dezembro de 2018, ele colabora com o projeto do lado de fora, integrando a equipe de Supervisão da Educação na SEAP. “Esse programa é uma oportunidade de melhoria, de exercitar a mente, ter novas ideias. Eu conheci muitas pessoas que escreveram livros, fizeram música e poesia. É muito gratificante ver essas pessoas com interesse verdadeiro em mudar.”
O programa é formado por duas etapas que duram um total de 30 dias. Na primeira, os alunos escolhem os livros, de um acervo que prioriza as obras literárias brasileiras e corresponde ao nível de escolaridade do estudante, e realizam três atendimentos com a professora de Língua Portuguesa para tirar dúvidas e analisar os desdobramentos da narrativa.
A remição de pena é, no direito penal, o abatimento dos dias e horas trabalhadas do preso que cumpre pena em regime fechado ou semiaberto, diminuindo, desta forma, a condenação a qual ele foi sentenciado.
Depois, vem a segunda fase, na qual ele entrega uma resenha e faz uma defesa oral da obra, apresentando o resumo do livro, como ele entendeu a história e que relações ela tem com sua própria vida.
Integram a banca de avaliação do trabalho a professora, o diretor da unidade prisional e três pessoas da equipe multidisciplinar que faz a gestão do presídio. Colegas interessados em assistir também podem participar. Ao final, se o detento obtiver uma nota igual ou superior a sete e presença em no mínimo 75% dos encontros realizados no mês, ele poderá remir quatro dias de sua pena.
Banca examinadora se prepara para ouvir a defesa oral de um detento sobre o livro lido
Crédito: Thabada Louise
Os detentos que ainda não são alfabetizados participam do programa trabalhando com livros que contam histórias por meio de figuras e imagens. “Isso tem aumentado a procura e o interesse pelos programas de alfabetização”, conta Thabada.
A coordenadora também afirma que tem percebido mudanças de comportamento, expressas no cuidado com os livros, a atenção aos prazos para devolução da obra e entrega da resenha, no cuidado com a forma de se expressar, de dialogar, e na maneira de discordar dos colegas.
“Percebo que eles estão no mundo da leitura, que isso os libertou daquele momento de tristeza e angústia. Eles veem uma história nova, ganham novas perspectivas”, diz a coordenadora do projeto.
O programa limita a quantidade de livros a um por mês para obter a remição de pena. Mas a oportunidade de ler e o prazer que os detentos encontram nessa atividade foi tamanho que vários deles leem dois ou três livros no mesmo período, ainda que apenas um deles vá contar para a remição de sua pena.
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Além de procurarem mais livros, desejarem concluir os estudos, e prestar o Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM), já há egressos lançando livros – 15 escritores privados de liberdade, e um projeto para lançar uma editora própria da SEAP.
“Queremos mudar a perspectiva de cada um, mostrando para eles que são pessoas privadas de liberdade, mas não estão privadas de direitos. Isso vale também para toda a sociedade que está do lado de fora”, diz Thabada.