publicado dia 19/04/2024

Professores indígenas respondem: O que fazer no Abril Indígena?

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Resumo: Professores indígenas explicam que tipo de trabalho pode ser realizado nas escolas para valorizar a diversidade histórica e cultural dos povos indígenas brasileiros no Abril Indígena e no ano inteiro.

O calendário escolar de abril costuma ser marcado por atividades em torno do Dia dos Povos Indígenas, com o intuito de celebrar a diversidade que há no Brasil. A forma como isso é feito varia e, em alguns casos, pode acabar tendo o efeito oposto do intuito inicial e reforçar estereótipos.

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Representações centradas em torno do cocar, imagens de indígenas de cabelos lisos e olhos puxados, e vivendo apenas da caça e da pesca em suas aldeias, não fazem jus à diversidade de culturas e modos de viver das variadas comunidades indígenas que povoam o Brasil e o mundo hoje.

“Faço palestras em escolas não indígenas e os estudantes ainda me perguntam se os indígenas comem gente e andam nus. Acham que a gente não sabe ler e escrever só porque alguns não falam a Língua Portuguesa e porque, para eles, a nossa língua não é valorizada”, observa Raimundo Kambeba, diretor da Escola Indígena Municipal Kanata T-Ykua, em Manaus (AM).

O cocar, que costuma ser utilizado para simbolizar indígenas de maneira geral, também pode ser objeto de estudo nas escolas, mas de forma mais detalhada do que costuma aparecer. 

“Nem todo indígena usa cocar. Em alguns povos, são só os homens que usam e as mulheres usam flores na cabeça e pinturas faciais. Em outros momentos, indígenas usam o cocar fora de suas aldeias como forma de resistência, ressignificando, mas é conforme a realidade deles”, explica Sileusa Monteiro, indígena do povo Desana, professora da Educação Básica, formadora de professores e mestranda em Antropologia Social pela Universidade Federal do Amazonas (UFAM).

Além de reforçar generalizações que já circulam pela sociedade, esse tipo de representação promove discriminações, sobretudo quando um não indígena se depara com um indígena que não atende à caracterização estereotipada. Além disso, também traz impactos concretos no acesso a direitos pelos povos indígenas. 

“Nos órgãos públicos, nas Secretarias de Educação, de Saúde e Assistência Social, quando procuramos nossos direitos, quando pedimos por Educação escolar diferenciada, dizem que a gente não precisa, porque imaginam nosso modo de viver de séculos atrás”, afirma Raimundo.

Muito além do 19 de abril

Aprofundar o trabalho em torno dos povos indígenas também requer ir além do Dia dos Povos Indígenas. Em 9 de agosto, por exemplo, há o Dia Internacional dos Povos Indígenas, data que vem sendo reconhecida como mais legítima do que a de abril por ter sido criada em diálogo com grande parte dos povos indígenas da América e a Organização das Nações Unidas (ONU).

A lei 11.645/08 incluiu no currículo oficial da rede de ensino brasileira a obrigatoriedade da temática “História e Cultura Afro-Brasileira e Indígena”, a ser abordada o ano inteiro em todos os componentes curriculares, dada a complexidade do estudo que envolve as 305 etnias indígenas brasileiras.

“É uma oportunidade de rever a História, que é muito atrelada ao evolucionismo. Os europeus chegaram dizendo que os indígenas eram povos sem cultura, primitivos e selvagens. Temos que pegar o outro lado da história: há uma diversidade de coisas que aconteceram nesse processo, como a negação do nosso conhecimento e cultura, além do genocídio, e também como isso aconteceu com os povos negros no Brasil”, explicita Sileusa.

“Os não indígenas precisam muito dos nossos conhecimentos, assim como nós precisamos dos saberes deles. Imagina se esses conhecimentos se juntarem?”, diz Raimundo Kambeba

Defensora da interculturalidade, a professora orienta que o trabalho seja realizado de forma interdisciplinar, com autonomia para os educadores, e começando pela valorização de cada uma das culturas e identidades dos estudantes e de seus mais velhos.

“Com as turmas dos pequenos, dá para mostrar o cotidiano por meio de materiais empíricos, como as frutas e sementes, o contato com a terra, os nossos artesanatos e cantos”, acrescenta Sileusa. 

Convidar professores, escritores, artistas e anciãos indígenas para palestras e oficinas, também pode ser outra maneira interessante de promover aproximações, além de investir em atividades práticas e coletivas. “Dizem que a gente é um povo de oralidade, mas não é bem assim. Tudo que é falado, se aprende praticando, então essa é outra riqueza que pode ser levada para sala de aula”, orienta a educadora. 

As pinturas, corporais e em objetos, também podem ser outro objeto de estudo interessante para as turmas. “Os não indígenas precisam muito dos nossos conhecimentos, assim como nós precisamos dos saberes deles. Imagina se esses conhecimentos se juntarem? Vamos ter uma Educação muito melhor, com mais respeito, mais valor e potencialidade para menos discriminação”, diz Raimundo.

Muito além do trabalho das escolas

A responsabilidade pelo combate ao preconceito e discriminação aos povos indígenas não pode ficar apenas a cargo de professores e escolas. É necessária a mobilização de toda a esfera pública e social. 

“Nós existimos e queremos que as políticas públicas sejam efetivas”, afirma Sileusa Monteiro

O fortalecimento da Educação escolar indígena, por exemplo, é uma das urgências atuais. “Nós existimos e queremos que as políticas públicas sejam efetivas, que deem estrutura para a Educação escolar indígena e também para a convencional, porque nem todos os indígenas estão nas escolas específicas. O mesmo vale para as universidades”, aponta Sileusa.

Além do apoio de outras políticas, no campo educacional Raimundo destaca a importância dos gestores públicos, da esfera federal à municipal, terem formação intercultural e para as questões indígenas. 

“Nossos governantes não estão preparados para trabalhar com esse tipo de projeto de Educação diferenciada, muitos nem conhecem e criam projetos de Educação que não tem nada a ver com a realidade da escola, e isso prejudica demais. Então precisamos do Ministério da Educação e das Secretarias de Educação para apoiar o trabalho das escolas”, diz Raimundo.

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