publicado dia 23/02/2021

PEC Emergencial pode cortar investimentos em Educação e Saúde

Reportagem:

Deve ser votada no Senado, nesta quinta-feira (25/2), a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 186/2019, conhecida como PEC Emergencial. Ela visa, dentre outras medidas, recriar o auxílio emergencial, que perdeu vigência em janeiro, mas desta vez, ao invés dos 600 reais, seriam pagas quatro parcelas de cerca de 250 reais a partir de março. Para viabilizar a proposta, o dispositivo altera a Constituição, propondo o fim da aplicação de recursos mínimos em Saúde e Educação à União, Distrito Federal, estados e municípios.

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Atualmente, a Constituição estipula que o governo federal deve corrigir o piso de gastos nas duas áreas de acordo com a inflação do ano anterior e ele não pode ser reduzido. Já os estados devem destinar 12% da receita à Saúde e 25% à Educação, enquanto os municípios investem 15% da receita em Saúde e 25% em Educação. Caso a PEC Emergencial seja aprovada pelo Congresso Nacional, os parlamentares vão decidir anualmente o montante de recursos que serão destinados à Educação e à Saúde, disputando com outras demandas do Orçamento. 

Para Daniel Cara, professor da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP) e integrante do Comitê Diretivo da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, a conexão entre precisar desvincular o piso de investimentos nas áreas para poder liberar o auxílio emergencial é falha e revela o cenário de desmonte das políticas públicas sociais.

“Trata-se de uma tentativa de desconstruir a política de Saúde e Educação, expressando que o povo não cabe no orçamento público”, diz Daniel Cara.

“Segundo as propostas que têm circulado, o auxílio emergencial terá impacto de, no máximo, 32 bilhões de reais e, como diz o próprio nome, é provisório. Já as vinculações, só na Educação, superam os 100 bilhões de reais e são permanentes. Isso significa que, na verdade, trata-se de uma tentativa de desconstruir a política de Saúde e Educação, expressando que o povo não cabe no orçamento público”, explica o docente.

Não é a primeira vez que essa pauta surge no Congresso Nacional. Durante o governo de Michel Temer, os recursos para a Saúde e a Educação foram congelados por meio do Teto de Gastos. E, no fim de 2019, a desvinculação dos percentuais constitucionais à Saúde e Educação foi cogitada pela equipe do ministro da Economia, Paulo Guedes, quando foi enviada a PEC do Pacto Federativo, mas esse dispositivo sofreu resistências e perdeu força. Agora, o relator da PEC 186/2019, senador Marcio Bittar (MDB-AC), quer retomar a proposta, uma vez que a agenda de reformas fiscais é uma das maiores demandas do governo. “Guedes precisa conseguir aprovar essa PEC para garantir o apoio do mercado a Bolsonaro. Do contrário, ele cai”, avalia Cara.

Já o relator da proposta justifica a desvinculação afirmando que o Brasil investe 6,3% do PIB nacional em Educação e, mesmo assim, vai mal no ranking educacional mundial. “Mas o que ele fala é equivocado, porque o Brasil nunca investiu o necessário para obter resultados melhores. Para atingir esse objetivo, seria necessário investir 10% do PIB conforme aprovado no Plano Nacional de Educação. E esse montante era relativo a 2014. Como não avançamos e não atingimos esse percentual, hoje a situação é ainda mais grave”, observa.

A PEC Emergencial e o contexto da pandemia

Essa proposta surge em meio à pandemia no Brasil, e ao debate sobre a reabertura das escolas e implementação dos protocolos de segurança sanitária e epidemiológica. Em nota, a União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime), instituição que reúne os dirigentes responsáveis pela oferta da educação básica pública nos 5568 municípios do país, afirmou que em um momento como este é “impensável” propor tais alterações na Constituição brasileira. 

“Além disso, tal medida também afetaria o Fundeb que recém foi aprovado pelo Congresso Nacional, após cinco anos de discussão. Ao contrário do que a PEC Emergencial ou a PEC do Pacto Federativo propõem, o momento atual exige mais investimentos nas áreas sociais e mais garantias aos direitos constitucionais dos cidadãos”, diz um trecho do manifesto. 

“O potencial desinvestimento bilionário, seja em Educação, seja em Saúde, comprometeria o desenvolvimento de longo prazo do País”, diz um trecho da nota da Frente Parlamentar Mista Pela Educação.

A Frente Parlamentar Mista pela Educação também emitiu comunicado sobre a revogação de trechos do artigo 212 da Constituição, alertando que “o potencial desinvestimento bilionário, seja em Educação, seja em Saúde, comprometeria o desenvolvimento de longo prazo do País, solapando direitos cidadãos das nossas crianças e jovens”. Formada por 301 deputados federais e 38 senadores, pede que “o Congresso seja coerente com seu posicionamento na votação do Fundeb e rejeite qualquer tentativa de desvincular ou unificar os pisos constitucionais da Saúde e Educação”.

Para Daniel Cara, se a pressão e a mobilização popular e de parlamentares não adiantar e a PEC for aprovada, entrará em curso uma destruição das políticas públicas como jamais vista antes no Brasil. “As pessoas vão demorar para compreender o problema, porque é só a partir do ano que vem que vai começar a faltar recurso para pagar professores. Daí em diante é fechamento de escola e exclusão escolar. Em suma, essa PEC é a combinação da ignorância com a morte. A falta de políticas de Educação vai gerar ignorância. A falta de políticas de Saúde vai gerar mortes”, alerta o professor.

Tramitação

A PEC Emergencial deve ser votada no Senado nesta quinta-feira 25, com a possibilidade dos dois turnos do texto serem avaliados no mesmo dia. Caso contrário, o segundo turno ocorrerá na próxima semana. 

O texto precisa do apoio de, no mínimo, 49 senadores para ser aprovado, em ambos os turnos. Depois, seguirá para a Câmara dos Deputados, onde deve ser primeiro avaliado pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) para depois ir a plenário. 

*Com informações da Agência Senado.

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