publicado dia 23/02/2024

Pé-de-meia: como a poupança para alunos do Ensino Médio impacta o Direito à Educação 

Reportagem:

🗒️Resumo: Para lidar com o histórico problema da evasão escolar no Ensino Médio e contribuir para a redução das desigualdades sociais no país, o governo federal lançou o programa Pé-de-Meia.

Trata-se de um incentivo financeiro-educacional que deve começar a ser pago aos estudantes de baixa renda em março deste ano. Em entrevista, especialistas analisam a proposta e seus impactos para a garantia do direito à Educação.

A cada 10 estudantes do Ensino Médio, apenas 6 concluem os estudos no Brasil, de acordo com estudo da FIRJAN-SESI, o que resulta no panorama atual de quase 9 milhões de jovens entre 18 a 29 anos que não terminaram o Ensino Médio, segundo o Censo Escolar 2023. O problema, apesar de histórico, vem se agravando desde a pandemia de Covid-19. 

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Entre os motivos, a necessidade de trabalhar é a mais recorrente, de acordo com diversos levantamentos, como a Pnad Contínua Educação 2022. Falta de interesse, gravidez precoce e afazeres domésticos são outras razões que costumam levar os adolescentes à evasão escolar. Entre os mais afetados, ainda de acordo com a Pnad, 58,8% são homens e 70,9% pretos ou pardos. 

“É uma conquista porque essa bolsa é fundamental para os estudantes de baixa renda continuarem estudando”, afirma Jade Beatriz

Para apoiar no enfrentamento ao cenário, o Ministério da Educação (MEC) criou o programa Pé-de-Meia (Lei 14.818/2024), uma bolsa-poupança para incentivar os estudantes de baixa renda a permanecerem na escola e concluírem o Ensino Médio. A expectativa é atingir 2,5 milhões de beneficiários.

De acordo com o governo federal, o programa também tem o intuito de “democratizar o acesso e reduzir a desigualdade social entre os jovens do ensino médio, além de promover mais inclusão social pela educação, estimulando a mobilidade social”.  

Estão aptos a receber o benefício os adolescentes e jovens de baixa renda pertencentes a famílias inscritas no Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal. O programa é destinado a adolescentes regularmente matriculados no Ensino Médio nas redes públicas de ensino, bem como estudantes de até 24 anos da EJA. A prioridade será dada às famílias que tenham renda per capita mensal igual ou inferior a 218 reais. 

Confira como serão pagos os valores do Programa Pé-de-Meia

Crédito: Governo Federal/Ministério da Educação

Reivindicação antiga da União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (Ubes), a bolsa deve começar a ser paga em março deste ano. “Estamos muito felizes por nossa proposta ter sido aceita para ser executada. É uma conquista porque essa bolsa é fundamental para os estudantes de baixa renda continuarem estudando”, afirma Jade Beatriz, presidenta da Ubes.

A expectativa é tanto reduzir a evasão, quanto incentivar o ingresso no Ensino Superior e no mercado de trabalho formal. “É uma geração muito afetada pela pandemia, trabalhando para sobreviver em empregos que não são dignos, que ferem seus direitos”, explicita Jade.

Para além do período escolar, Gustavo Heidrich, Oficial de Programas do UNICEF, lembra que a política pode ter impactos para a vida toda dos estudantes e, consequentemente, também para o país.

“Quem não concluiu o Ensino Médio costuma ter uma renda inferior ao longo da vida em relação a quem terminou. E dificilmente as pessoas voltam a ter a oportunidade de estudar lá na frente. Na outra ponta, o Brasil deixa de aproveitar milhões de jovens que poderiam ir ao Ensino Superior, ao Ensino Técnico ou formar uma força de trabalho mais qualificada que vai gerar mais riqueza para o país”, diz Gustavo.

Contrapartidas e algumas ponderações

O programa Pé-de-Meia pede aos estudantes, como contrapartida à bolsa, uma série de requisitos, como participação no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), no Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb) e outras avaliações externas. 

“Como vão ficar situações em que a ausência na escola não tem a ver com a vontade do estudante, mas com questões do território e da família?”, questiona Marise Nogueira Ramos

Também é necessária frequência de 80% no ano letivo. Em outras políticas, como no Bolsa Família, esse dispositivo é comum, mas a legislação brasileira determina o mínimo de 75% de frequência.

“Dependendo da estrutura da vida do estudante, essa margem de 25% é importante e, em alguns casos, já é insuficiente. Nessa política, como vão ficar situações em que a ausência na escola não tem a ver com a vontade do estudante, mas com questões do território e da família?”, indaga Marise Nogueira Ramos, professora na Faculdade de Educação da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ).

O rendimento escolar não é considerado um dos fatores de elegibilidade. Contudo, o estudante pode perder a bolsa se for reprovado por duas vezes consecutivas. 

“Quanto a escola e o sistema de ensino respondem pelas condições propícias para o estudante aprender? Os sistemas precisam garantir as condições infraestruturais e pedagógicas de permanência e aprendizagem desse estudante na escola”, pontua Marise, sobre o risco de responsabilizar exclusivamente os adolescentes por sua retenção.

“É preciso levar em consideração que os estudantes podem precisar de uma proposta curricular e didática mais atenciosa e personalizada. Eles não têm que desempenhar no mesmo nível que outros [alunos] que não estão na mesma situação”, complementa Gustavo. 

Nas diretrizes da política, está prevista uma “reavaliação periódica dos valores dos incentivos financeiro-educacionais do Programa”. Para os especialistas, isso é fundamental para avaliar se a verba é suficiente para o impacto que ele deseja causar. Além disso, reconhecer que esta bolsa trata de uma única dimensão do problema da permanência escolar, mas que existem outras que também precisam ser endereçadas.

“Há outras questões como a infraestrutura, a qualidade da escola e do processo pedagógico, que interesse e faça sentido às juventudes, os territórios conflagrados que levam ao fechamento das unidades, a estrutura familiar, a gravidez precoce, entre outros pontos que demandam uma relação intersetorial forte”, diz Marise.

Com alguns ajustes e cuidados durante a implementação, a tendência é que a política de fato contribua para o cenário. “Vamos conseguir fazer com que a escola seja um instrumento de desenvolvimento, defesa da democracia e de combate às desigualdades sociais”, afirma Jade.

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