publicado dia 19/12/2023

Novo Ensino Médio volta ao Congresso em votação acelerada e com menos formação básica

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🗒️ Resumo: No apagar das luzes dos trabalhos legislativos, o Congresso Nacional reacendeu a polêmica sobre o Novo Ensino Médio ao aprovar a urgência da votação do projeto de lei que altera a política e propor uma redução na formação geral básica. A votação estava prevista para terça-feira (19/12), mas foi adiada para 2024. Entenda o que está em jogo.

Na noite de quarta-feira (13/12), a Câmara dos Deputados aprovou a urgência para votar o projeto de lei (PL) que estabelece as regras para o Novo Ensino Médio (NEM), o PL 5230/23, sob relatoria do deputado federal Mendonça Filho (União-PE). A medida permite que a proposta seja analisada diretamente em plenário, sem passar por comissões temáticas. A votação, prevista inicialmente para a terça-feira (19/12), acabou adiada para 2024. 

“A proposta do deputado Mendonça Filho é uma reedição com poucas alterações da proposta original de Novo Ensino Médio”, resume Monica Ribeiro da Silva.

Dois dias antes, na segunda-feira (11/12), o governo federal havia retirado o caráter de urgência do projeto, que tramita na Casa desde outubro, e a expectativa era de que o tema ficasse para 2024. O PL ainda precisa passar por apreciação do Senado Federal.

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“A proposta do deputado Mendonça Filho é uma reedição com poucas alterações da proposta original de Novo Ensino Médio, a Medida Provisória n° 746, que ele criou quando era ministro da Educação do governo Temer em 2016. O que o Mendonça fez foi ignorar tudo que aconteceu neste ano, como a mobilização de estudantes e professores e os resultados da consulta pública do governo federal que, quase unanimemente, pediram por mudanças”, avalia Monica Ribeiro da Silva, coordenadora do Observatório do Ensino Médio, da Universidade Federal do Paraná (UFPR) e pós-doutora em Educação pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP).

A proposta do governo federal 

Ao longo deste ano, o governo federal conduziu uma série de consultas e audiências públicas para repensar o Novo Ensino Médio. Em outubro, o Ministério da Educação (MEC) apresentou um projeto de lei que seria fruto dessa construção coletiva.

“Mas faltou ouvir mais diretamente estudantes e professores e os resultados das consultas não foram plenamente divulgados. Não reconheço nenhuma das propostas como tendo sido construídas por eles”, afirma a educadora e socióloga Helena Singer. 

“Se reduz a possibilidade das escolas construírem seu currículo de forma adequada ao Projeto Político Pedagógico (PPP)”, explica Helena Singer.

A especialista explica que, em resumo, a proposta reduz a autonomia de escolas e governos em definir seus currículos, engessa as áreas de conhecimentos em 13 disciplinas e os itinerários passam a ser meros aprofundamentos destas áreas.

“Se reduz a possibilidade das escolas construírem seu currículo de forma adequada ao Projeto Político Pedagógico (PPP)”, explica Helena, que também é vice-presidente da Ashoka América Latina e coordenadora do Movimento de Inovação na Educação.

Outra mudança é a retomada de 2,4 mil horas de Formação Básica para estudantes do Ensino Médio sem integração com curso técnico, com a volta da obrigatoriedade das disciplinas de Espanhol, Educação Física, Artes, Química, Biologia, História, Geografia, Sociologia e Filosofia. As disciplinas opcionais ficariam com 600 horas. 

Atualmente, com o Novo Ensino Médio em andamento, as disciplinas obrigatórias como Língua Portuguesa, Matemática e Inglês compõem 1,8 mil horas e os itinerários formativos, 1,2 mil horas.

“O MEC fez consultas públicas porque foi pressionado a fazer e, no que tange ao Camilo Santana, ele foi contrário às 2,4 mil horas. Ele teve que ceder pelo PL 2601/23, elaborado por um conjunto de pesquisadores, somado aos debates feitos pela Anped, levaram a uma situação em que o governo não tinha como ir abaixo disso”, revela Daniel Cara, professor da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP) e membro do Comitê Diretivo da Campanha Nacional pelo Direito à Educação.

A proposta do deputado relator Mendonça Filho

Na quarta-feira (13/12), o deputado Mendonça Filho apresentou um parecer substitutivo ao do governo federal. A principal divergência diz respeito à carga horária da formação geral, que passaria de 2,4 mil horas para 2,1 mil – cerca de dois meses a menos de aulas – e 900 horas para as disciplinas opcionais.

“É um grande prejuízo para a formação científica básica dos estudantes, mas também para sua formação integral”, resume Monica, que também é coordenadora da Rede Em Pesquisa, que reúne 24 grupos de estudiosos em Educação pelo país. 

Na segunda-feira (18/12), o deputado também acrescentou ao substitutivo a possibilidade de incluir os itinerários formativos nos processos seletivos do Ensino Superior.

Para Daniel, a diminuição da formação geral e a mudança nos processos seletivos, somadas, agravam as desigualdades entre escolas públicas e privadas. “A forma como as escolas privadas implementaram os itinerários formativos ampliou a formação dos estudantes, que estão mais preparados para realizar o Enem e vestibulares das universidades”.

O caráter de urgência de votação do projeto que vai alterar a LDB e cujas medidas não passarão a valer no ano que vem, o que garantiria tempo para ouvir mais professores e estudantes, se soma ao contexto. 

“O notório saber é a precarização docente e dar para a escola pública qualquer profissional para lecionar 900 horas, um total desperdício de tempo”, diz Daniel Cara.

“Essa urgência e a diminuição do tempo [em relação à proposta do MEC de outubro] tem muito a ver com o setor empresarial, as fundações e suas redes, interessadas na manutenção da política como está. Eles fizeram assessorias para as redes estaduais de ensino para elaborar o currículo do NEM, já fizeram formação de professores, materiais pedagógicos, e outros investimentos. Mas nada disso pode se sobrepor aos amplos prejuízos aos estudantes e professores que o NEM vem causando”, reforça Monica.

Além disso, Daniel aponta um desejo do Conselho Nacional de Secretários de Educação (Consed) de evitar realizar concursos públicos, já que hoje os itinerários formativos podem ser realizados por quem detém notório saber, como profissionais do mercado de trabalho, não apenas professores formados e licenciados. 

“O notório saber é a precarização docente e dar para a escola pública qualquer profissional para lecionar 900 horas, um total desperdício de tempo”, diz Daniel, que vê na movimentação toda uma tentativa de financeirização do Tesouro dos Estados e do governo federal, isto é, uma forma de não investir em Educação e levantar recursos que não venham de atividades diretamente produtivas, como a indústria, o comércio e a agricultura.

Mobilização e próximos passos

O PL 5230/23, de Mendonça Filho, deve ser votado ainda nesta semana, a última de atividades legislativas de 2023. Para reivindicar que não se aprove o substitutivo do Mendonça Filho, entidades como a Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE) e a União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (Ubes) se articulam para ampliar a pressão sobre os deputados nesta terça-feira (19), em um protesto conjunto marcado para ocorrer na porta da Câmara. “A expectativa é que não haja votação e estamos trabalhando para sustar a urgência”, explica Daniel. 

Ainda que seja aprovada na Câmara e, depois, pelo Senado, Helena afirma que o processo não se encerra e o debate e a mobilização tendem a crescer: “As organizações, professores e estudantes não vão se sentir satisfeitos e não vão se silenciar. Além disso, a lei não é definidora de tudo e pode ser mais uma lei engavetada”.

“Os estudantes não reivindicam maior padronização e rigidez e precisamos ouvi-los”, defende Helena Singer.

Nesse processo, a especialista vê a esperança de retomar, no ano que vem, a construção de um Ensino Médio que faça sentido para as pessoas que estão no chão da escola e que pode conter elementos centrais do Novo Ensino Médio, como a flexibilização e diversificação curricular e autonomia das unidades. 

“Não precisamos jogar fora anos de debate, desde o início do século, porque o Novo Ensino Médio foi como foi. Os estudantes não reivindicam maior padronização e rigidez e precisamos ouvi-los”, defende.

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