publicado dia 16/03/2018
Para descobrir o prazer da leitura na escola
Reportagem: Ingrid Matuoka
publicado dia 16/03/2018
Reportagem: Ingrid Matuoka
O que acontece com as crianças de quatro anos que gostavam de ouvir histórias para, aos oito, não gostarem das atividades de leitura na escola? Esta foi a pergunta norteadora da oficina “Eu leio, você lê, nós lemos”, conduzida pela educadora espanhola Lara Meana, durante o Seminário Internacional Arte, Palavra e Leitura na Primeira Infância, ocorrido em São Paulo, nesta terça-feira 13.
Leia + Ipatinga leva biblioteca sobre rodas para estimular leitura em escolas e praças
Em meio a leitura de livros infantis, a especialista teceu, junto à plateia formada essencialmente por professores da Educação Infantil, pequenas atitudes que estimulam ou inibem o prazer da leitura. A mais nociva: encarar o livro tão somente como uma ferramenta para atingir um objetivo.
“Costumo ouvir de professores e diretores que os livros são importantes para melhorar a gramática, para passar no vestibular e depois conseguir um bom emprego, para ter um futuro melhor. Mas os livros não são para algo. Os livros apenas são”.
“Os livros não são para algo. Os livros apenas são”, diferencia a especialista espanhola Lara Meana
Lara defende que as obras literárias podem ter pontos de contato com os componentes curriculares, mas que isso não significa que devem ser explicados a partir de regras gramaticais, estratégias de alfabetização ou demais conceitos.
Para ela, a verdadeira aprendizagem não utiliza o livro como ferramenta para atingir determinado fim. A experiência da leitura, por si só, é um ensinamento.
“Aprender é vivenciar a história, aprender é experimentar. Nós não explicamos filmes para as crianças, por que explicaríamos os livros? E depois de cada um viver o livro à sua maneira, eles podem compartilhar com os colegas, as famílias e os professores, construindo saberes coletivamente”, diz a educadora espanhola.
Nesta vivência e compartilhamento das experiências literárias das crianças, o papel do professor e/ou do familiar é o da mediação. Lara esclarece, no entanto: mediador não é aquele que explica, mas que instiga as crianças a pensarem por si mesmas e a criarem suas próprias narrativas.
“O mediador escuta as opiniões das crianças e as devolve de maneira um pouco mais elaborada. O intuito é gerar perguntas, mas não aquelas que já têm uma resposta ‘certa’, mas as que abrem a discussão e permitem expressões verdadeiras”.
Mediador não é aquele que explica, mas que instiga as crianças a pensarem por si mesmas e criarem suas próprias narrativas
Tampouco adianta acessar os livros somente quando ocorre algo na escola ou na comunidade a fim de trabalhar o tema em pauta. “As crianças percebem o que você está fazendo, o que quer discutir e por qual motivo. Assim, elas sabem o que devem responder. As histórias têm que ser livres e honestas, e não dirigir a determinada reflexão”, diz.
O mediador também não deve amenizar a história ou os sentimentos por ela provocados. Se a criança tem medo do lobo mau, a educadora recomenda deixar que a criança descubra o que é esse vilão para ela, em lugar de dizer que ele não existe. “É uma oportunidade de se conectar com as diferentes realidades da vida. De descobrir, por exemplo, que existem relações de poder ou que ninguém é inteiramente bom ou ruim”, afirma.
Construir um espaço de leitura, que extrapola a dimensão física, envolve uma série de fatores e, sobretudo, exige tempo. “Nesse lugar, deve prevalecer a conexão. Todos devem se sentir iguais. A leitura compartilhada é um momento de afeto”, diz.
Para tanto, o adulto deve se deslocar para uma relação mais horizontal. Isso pode ser feito com pequenas ações, como dizer “eu também não sei a resposta para isso”, e valorizar o discurso de cada um.
A educadora também sugere deixar que os pequenos escolham os livros, mesmo que depois se frustrem. E recomenda sentar em círculos, todos na mesma altura, deixando explícito que eles têm liberdade de participar ou, se preferirem, de se calar.
“Quando a criança intervém na história, criando algo, mudando os fatos, ela está escrevendo. E também há aqueles que ficam quietos e isso precisa ser respeitado, pois onde há silêncio, há escuta. Por isso, depois de uma leitura eu sempre faço uma atividade corporal ou plástica. Se não surge nada espontaneamente, não forço, porque cada um tem seu tempo e modo de processar pensamentos e sentimentos”, finaliza.