publicado dia 24/09/2018
“Não separemos o direito à educação dos demais”, diz Miguel Arroyo
Reportagem: Ingrid Matuoka
publicado dia 24/09/2018
Reportagem: Ingrid Matuoka
“Quando os direitos humanos, a terra, o trabalho, a moradia, a juventude, e as identidades de gênero e de raça são golpeados, a Educação é golpeada”, alerta o educador Miguel Arroyo.
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O cenário ao qual se refere o professor emérito da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) é aquele onde museus e ocupações são incendiados, vizinhos venezuelanos são violentados e expulsos do País, e onde o assassinato da vereadora Marielle Franco (PSOL) segue irresoluto mais de seis meses após sua execução.
Também diz respeito ao fim de um mandato que atingiu diretamente o direito à educação quando congelou os investimentos em Educação e Saúde por 20 anos, aprovou a Reforma do Ensino Médio e a terceirização irrestrita, e pouco fez para cumprir o Plano Nacional de Educação (PNE).
Tem relação, sobretudo, com a proximidade das eleições e a oportunidade que o País tem de olhar para pontos nevrálgicos de nossa sociedade para delinear um horizonte diferente do atual.
“Os grupos sociais que vinham avançando nos últimos 20 anos estão sendo golpeados de maneira brutal. Não separemos o direito à educação dos demais. Ele só avança se garantida a pluralidade de direitos”, diz Miguel Arroyo.
Em entrevista ao Centro de Referências em Educação Integral, Miguel Arroyo explica o que está por trás de propostas e conceitos antidemocráticos que vêm ganhando espaço nos debates e no legislar da Educação:
Centro de Referências em Educação Integral: Como o senhor enxerga a força de projetos de lei como o Escola Sem Partido, a disseminação de uma falsa “ideologia de gênero”, e a retirada dos termos “gênero” e “orientação sexual” de documentos da Educação?
Miguel Arroyo: Estamos em um momento de conflitos sobre quem é responsável pela educação das crianças. É a família ou, como diz a Constituição, a família, a sociedade e o Estado?
A diminuição do papel da escola vai frontalmente contra o entendimento de que a criança não é só filha da família, mas uma cidadã. Então o Estado e a escola, a pública sobretudo, têm função de educar os cidadãos nos valores da cidadania.
A diminuição do papel da escola vai frontalmente contra o entendimento de que a criança não é só filha da família, mas uma cidadã
A família, por sua vez, pode educar segundo seus valores, desde que eles não contrariem os direitos da cidadania e do Estado: da República, do convívio social, de direitos políticos, e de respeito à diversidade.
É lamentável que a Educação tenha tanta dificuldade em resistir a esses movimentos que tentam frear o avanço da consciência sobre os direitos de gênero, raça e orientação sexual. Se nas escolas estão chegando essas questões, com toda interrogação, é para darmos conta dessas questões sem machismos, sexismos e racismos.
CR: O senhor vê um crescimento na predileção pelo ensino profissionalizante e a formação de mão de obra para o mercado de trabalho em lugar de uma educação integral e emancipatória?
MA: A primeira coisa que deve ser criticada é a Reforma do Ensino Médio, que priva os jovens do direito ao desenvolvimento humano global. Essa política parte do suposto de que o importante, e essa seria a função da escola, é dar competências aos adolescentes para o mundo do trabalho, contradizendo radicalmente a Constituição e a LDB [Lei de Diretrizes e Bases da Educação].
Os jovens adolescentes estão em um tempo humano extremamente importante para a sua formação intelectual, cultural, ética, identitária, política. E essa reforma os priva desse direito.
Quais jovens têm condições de escolher já, com 16 anos, seu futuro, se eles estão condenados a um presente sem vida, sem perspectiva, de humanidade?
Mas há uma questão a mais: ela propõe que a partir dos 16 anos cada jovem escolha seu futuro, sua carreira. A pergunta que se tem que colocar é: que jovens têm condições de escolher já, com 16 anos, seu futuro, se eles estão condenados a um presente sem vida, sem perspectiva, de humanidade? Quais jovens têm condições para serem sujeitos de escolhas de um futuro, quando não conseguem nem escolher um presente? Essa reforma está condenando milhares de adolescentes a não poderem fazer escolhas.
CR: Também tem crescido um coro de elogios às escolas militares, e à necessidade de expansão deste modelo educacional, e da retomada da autoridade do professor. Por quê?
MA: A militarização das escolas representa um anti-humanismo que está sendo reposto na nossa cultura política, ética e pedagógica, vinculada sobretudo aos pobres, aos jovens negros das periferias e do campo.
A militarização viria para conter essa população, reproduzindo, então, os mesmos anti-humanismos repressivos e exterminadores do início de nossa história. A militarização das escolas não pode ser desvinculada da defesa pelo rebaixamento da idade penal, que não considera a Educação como uma saída para estes jovens.
Vamos entregar estes adolescentes às forças da ordem, da repressão, do extermínio nas ruas, de escolas que tratam essa população de maneira militarizada, brutal.
Essa visão vem desde a colônia, que os viam como subumanos, passíveis de traficar, de matar, que não mereciam a educação porque não são humanizáveis. Essa visão nunca foi superada.
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