publicado dia 19/09/2025
Na estante e no coração: 4 livros de Paulo Freire que inspiram educadores
Reportagem: Ingrid Matuoka | Edição: Tory Helena
publicado dia 19/09/2025
Reportagem: Ingrid Matuoka | Edição: Tory Helena
🗒 Resumo: A obra de Paulo Freire inspira inúmeros educadores no Brasil e no mundo. No aniversário do Patrono da Educação Brasileira, Cláudio Marques da Silva Neto, diretor da EMEF Espaço de Bitita, a educadora Gina Vieira, Lucia Santos, diretora da EMEF Waldir Garcia, e Pilar Lacerda, do Conselho Nacional de Educação (CNE), compartilham as obras de Paulo Freire que mais influenciaram suas vidas e trajetórias profissionais na Educação.
Ler Paulo Freire (1921-1997) é entrar em contato com uma das vozes da Educação mais potentes do século XX. Ao dialogar diretamente com os desafios atuais da escola e da sociedade, sua obra permanece viva e presente nas estantes e nos corações dos professores.
O Patrono da Educação Brasileira uniu teoria e prática, crítica social e esperança, e transformou o ato de ensinar em uma experiência de diálogo, exercício democrático e libertação.
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Exilado, perseguido e, ao mesmo tempo, celebrado em universidades de diferentes continentes com 29 títulos de “doutor honoris causa”, Freire nunca deixou de apostar na capacidade das pessoas de transformar a realidade pela palavra e pelo conhecimento.
“Paulo Freire é o nosso grande mestre inspirador para vivermos uma educação transformadora e libertadora. Ele teve uma forte influência na minha carreira profissional como professora e gestora escolar. Eu sempre sonhei em romper com a escola que seguia a teoria tradicional conteudista. A filosofia freiriana foi a base para que pudéssemos construir coletivamente nosso Projeto Político Pedagógico pautado numa gestão democrática e participativa que segue a concepção de educação integral tendo quatro pilares como base: Criatividade, protagonismo, trabalho coletivo e protagonismo”, diz Lucia Santos, gestora da EMEF Prof. Waldir Garcia, em Manaus (AM).
Seus livros se tornaram ferramentas de luta e de esperança: Educação como Prática da Liberdade abre o caminho de suas ideias; Pedagogia do Oprimido aprofunda sua crítica às relações de poder na escola e na sociedade; e Pedagogia da Autonomia sintetiza, em forma de conselhos, os saberes necessários à prática educativa.
“Em diálogo com bell hooks posso afirmar que as teorias de Paulo Freire me curaram de muitas dores pedagógicas e até, existenciais”, diz Gina Vieira Ponte de Albuquerque, professora da Educação Básica e autora do Projeto Mulheres Inspiradoras, que recebeu 26 prêmios e honrarias.
A seguir, confira as obras freireanas que impactaram a vida e o trabalho dos educadores Cláudio Marques da Silva Neto, Gina Vieira, Lucia Santos e Pilar Lacerda:
Primeiro livro do Patrono da Educação Brasileira, foi escrito após a deposição do presidente João Goulart pelo golpe militar de 1964, que deu início ao período de ditadura no país, e finalizado durante seu exílio no Chile. O autor considera que a obra abriu caminhos para seu principal trabalho, Pedagogia do Oprimido.
No livro, Freire defende que a palavra pode deixar de ser mero veículo de ideologias alienantes para se tornar um instrumento de transformação das pessoas e da sociedade. Para ele, essa deveria ser a função essencial da escola: ensinar o aluno a ler o mundo e agir nele de forma crítica e construtiva.
“Uma pedagogia que estrutura seu círculo de cultura como lugar de uma prática livre e crítica não pode ser vista como uma idealização a mais da liberdade”, diz o professor, escritor e ex-ministro da Cultura Francisco Weffort na apresentação do livro.
“Essa frase sintetiza a importância que esse livro tem para mim”, diz Pilar Lacerda, Secretária Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente no Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania e Presidenta do Conselho Nacional de Educação (CNE).
A obra, escrita durante o exílio no Chile e em meio às tensões políticas na América Latina, aprofunda sua proposta de uma Educação voltada para a emancipação dos grupos socialmente marginalizados.
Freire critica o modelo “bancário” de ensino, em que o professor deposita conhecimento no aluno passivo, e defende uma pedagogia dialógica, em que professor e aluno aprendem juntos, refletindo criticamente sobre a realidade.
O livro tornou-se referência mundial nos campos da Pedagogia, da Filosofia da Educação e das Ciências Sociais. Foi amplamente adotado em programas de alfabetização e movimentos sociais e permanece atual em debates sobre desigualdade, inclusão e democracia.
Para a professora Gina Vieira, a obra contribuiu para sua compreensão de que o papel de um professor ou professora é muito maior do ensinar sobre os conhecimentos construídos historicamente pela humanidade.
“Se é tarefa do professor garantir que o estudante efetivamente aprenda, inserindo-o em situações de aprendizagem adequadas, em que ele seja sujeito ativo no processo, tão importante quanto esta tarefa é a de auxiliar o estudante na construção do pensamento crítico, que o repertorie para compreender a sua existência no mundo e se relacionar com ele de forma construtiva”, diz Gina.
É por meio dessa tomada de consciência crítica, explica Freire, que as pessoas teriam condições de atuar para libertarem-se. Diz ele: “A escola não transforma o mundo, a escola muda as pessoas, e as pessoas transformam o mundo”.
“Esta frase me chamou a atenção porque acredito que a escola é um espaço privilegiado de transformação. A Educação é um processo transformador que começa com o indivíduo, capacitando-o a refletir criticamente sobre a realidade em que vive, capacitando-o para agir e transformar a sociedade e o mundo. Promovendo a justiça social com um mundo mais justo, equitativo e humano. É preciso romper com a Educação bancária”, reforça a diretora Lucia.
Com reflexões fundamentais sobre a emancipação do indivíduo a partir da tomada de consciência desenvolvida pela alfabetização, a obra combina uma breve biografia do autor com a defesa do diálogo e do conhecimento como práticas sociais capazes de estimular a criticidade e a práxis transformadora, indispensáveis para a libertação de grupos marginalizados e oprimidos.
O texto, que aborda a importância de cultivar uma visão crítica da realidade, é dividido em três partes: o homem e sua experiência, alfabetização e conscientização e práxis da libertação. Para Freire, esse processo ultrapassa o simples ato de aprender a ler e escrever, pois promove a autocrítica, o desenvolvimento pessoal e a participação ativa do sujeito na sociedade, transformando a alfabetização em um instrumento de liberdade.
“A minha trajetória de educador na rede pública de ensino, dedicada às camadas populares e aos excluídos, foi marcada mais diretamente por três obras de Paulo Freire: Pedagogia do Oprimido, Educação Como Prática da Liberdade e Conscientização: teoria e prática da libertação. Obras que orientaram a minha perspectiva histórico-crítica da Educação, em que temas e conceitos como conscientização, formação e liberdade pavimentam uma concepção de trabalho pedagógico para um certo ideal de sociedade. Uma sociedade fundada na justiça e na igualdade”, afirma Cláudio Marques da Silva Neto, diretor da EMEF Espaço de Bitita.
A escola é amplamente reconhecida por seu trabalho de inclusão de estudantes migrantes, imigrantes e com deficiência, com promoção de aprendizagem adequada às demandas particulares de cada um atrelada à garantia dos múltiplos direitos das crianças. Conheça mais sobre o trabalho da EMEF Espaço de Bitita.
Considerada a última obra escrita pelo Patrono da Educação Brasileira, é organizada em duas partes: “Não há docência sem discência” e “Ensinar não é transferir conhecimento”. Cada capítulo apresenta afirmações sobre o que é necessário para se ensinar, como “Ensinar exige rigorosidade metódica”; “Ensinar exige estética e ética”; “Ensinar exige a corporeidade das palavras pelo exemplo”; “Ensinar exige alegria e esperança”; “Ensinar exige querer bem aos educandos”.
“Ele disserta sobre cada uma destas afirmações com profundidade e beleza. Conheci o livro quando enfrentei uma grande crise profissional, tendo muitas dificuldades de fazer com que os estudantes se envolvessem no processo pedagógico. Foi uma das leituras mais importantes da minha vida como educadora e durante sua leitura criei o projeto Diário de Bordo, no qual os estudantes são convidados a fazer registros autorais sobre as minhas aulas e sinalizar formas de eu melhorar o meu trabalho”, compartilha Gina.
Já Lucia destaca o aspecto que o livro traz sobre o respeito e a valorização dos conhecimentos empíricos e dos saberes do território dos educandos como parte essencial da construção da autonomia.
“Reforçando a importância de se estabelecer uma relação dialógica, horizontal e respeitosa com os diferentes saberes. Não existe um saber absoluto, mas sim diferentes formas de conhecimento que devem ser reconhecidas e e incorporadas ao processo educativo. O professor deve ser um mediador, reconhecendo que a aprendizagem é uma troca mútua e que o conhecimento se constrói na troca e que todos têm algo a ensinar e a aprender”, explica Lucia.
Para Pilar, um trecho da abertura do livro “retrata exatamente” o que sentiu a ler a obra: “Para além da redução ao aspecto estritamente pedagógico e marcado pela natureza política de seu pensamento, Freire adverte-nos para a necessidade de assumirmos uma postura vigilante contra todas as práticas de desumanização”.
*Foto: Valter Campanato/Agência Brasil