publicado dia 27/01/2025
Mais Professores para o Brasil visa valorizar docência e enfrentar gargalos
Reportagem: Tory Helena | Edição: Larissa Alves
publicado dia 27/01/2025
Reportagem: Tory Helena | Edição: Larissa Alves
🗒️Resumo: Saiba mais sobre o programa Mais Professores para o Brasil, ação do Ministério da Educação (MEC) para incentivar o ingresso de mais estudantes e valorizar a carreira de professor.
Com o objetivo de apoiar a carreira docente e incentivar o ingresso de estudantes nos cursos de Pedagogia e licenciaturas, o governo federal apresentou, em janeiro de 2025, o programa Mais Professores para o Brasil. Trata-se de um pacote de iniciativas estruturadas em cinco eixos: seleção, atratividade, alocação, formação e valorização.
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“A melhoria da Educação no Brasil depende da presença de professores qualificados em sala de aula. Educadores bem-preparados são essenciais para garantir que todos os alunos, independentemente de suas condições socioeconômicas, tenham acesso a uma Educação de qualidade”, contextualiza o MEC no site do programa.
Para especialistas, a sinalização do governo federal é positiva diante da desvalorização histórica da carreira docente, do atual cenário de fragilização das formações e da dificuldade de atração de novos professores, em especial, para regiões com escassez de docentes.
De acordo com relatório de 2021 da Organização para a Cooperação do Desenvolvimento Econômico (OCDE), o piso salarial pago aos professores brasileiros era o mais baixo entre 40 países. Além disso, levantamento do Inep com base no Censo Escolar de 2022 mostrou que só de 30% das pessoas que concluem a Licenciatura vão para a sala de aula.
Veja, abaixo, o lançamento do programa:
No primeiro eixo (seleção), o destaque é para a Prova Nacional Docente (PND), cujo objetivo é estimular a realização de concursos e induzir a entrada de mais professores em escolas públicas.
Já no âmbito da alocação, a proposta é centrada na Bolsa Mais Professores, que oferecerá R$2,1 mil de bônus para docentes, associada a cursos de pós-graduação, para incentivar a atuação em regiões com falta de professores, como a Norte e a Nordeste.
Além disso, há também ações voltadas para a formação, como a estruturação de uma plataforma que reúne cursos de formação continuada e inicial, e valorização, com parcerias e benefícios.
Pé-de-Meia Licenciaturas dará apoio financeiro para futuros professores.
Crédito: Agência Brasil
Entre as ações previstas para melhorar a atratividade da carreira está o Pé-de-Meia Licenciaturas, que dará incentivos financeiros para estudantes de baixa renda com alto desempenho no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) que desejam ingressar em cursos de formação inicial para professores no Ensino Superior.
De acordo com o MEC, o objetivo do Pé-de-Meia Licenciaturas é “fomentar o ingresso, a permanência e a conclusão das licenciaturas por estudantes com alto desempenho no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem)”.
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O apoio financeiro mensal para o estudante será de R$1050, pago “durante o período regular de integralização do curso”. O acesso ao dinheiro, porém, seguirá algumas regras: será possível sacar R$700 imediatamente.
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O restante (R$350) é depositado como poupança e só poderá ser resgatado após o recém-formado ingressar como professor em escolas públicas. O prazo para isso é de até cinco anos após a conclusão do curso.
Mais Professores: pacote de ações é bem-vindo, mas enfrenta desafios estruturais.
Crédito: Agência Brasil
“Os cinco eixos [do programa Mais Professores para o Brasil] tocam nos problemas reais da Educação brasileira”, analisa Daniel Puig, professor da Universidade Federal do Sul da Bahia (UFSB).
Ele alerta, porém, para as barreiras estruturais no caminho do novo programa, como a descontinuidade histórica das políticas públicas educacionais no país. “Uma das maiores dificuldades é criar uma cultura de valorização dos professores no país”, afirma.
“Uma das maiores dificuldades é criar cultura de valorização dos professores”, diz Daniel Puig, da UFSB
Para a diretora-executiva do Cenpec, Beatriz Cortese, a política pública de valorização docente é bem-vinda, em especial diante do cenário atual.
“Historicamente, vivemos uma enorme desvalorização da docência, em todos os âmbitos. Qualquer programa que cuide disso, olhe para isso e faça um esforço para reverter o quadro é essencial”, defende.
No entanto, a continuidade da política e seu financiamento são pontos de atenção levantados pela especialista. “Precisamos ter nitidez de quem vai pagar a conta. O programa não pode ser descontinuado, senão o esforço de valorização cai por terra”.
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Outros pontos positivos destacados por ela são o cadastro nacional docente e a prova nacional, que pode ter um efeito indutor nos cursos de formação semelhante ao que o Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM) tem na Educação Básica.
“Se a prova for bem estruturada, provavelmente vai pautar esse currículo [da formação inicial] e será um termômetro para o País entender como está a formação desses professores”, argumenta.
“O programa não pode ser descontinuado, senão o esforço de valorização cai por terra”, diz Beatriz Cortese, do Cenpec
Para os estudantes matriculados nas Licenciaturas e para os professores que já estão nas salas de aula, a iniciativa sinaliza uma valorização.
“Não dá para mudar o processo de uma hora para outra, mas o sinal de valorização é essencial. Precisamos acompanhar o quanto o MEC vai dar conta de executar essa política e como os próximos governos dialogarão com ela”, alerta.
Patricia Diaz, diretora-executiva da Roda Educativa, também acredita que a iniciativa federal é positiva. Em especial, por focar especificamente na atratividade da carreira docente.
“Anunciar que precisamos de mais professores e queremos investir nisso, como o programa sublinha, é muito importante. Isso renova as esperanças de quem está na carreira”, diz.
Para a especialista, é preciso também fortalecer o vínculo entre o Ensino Superior e a experiência no chão da escola. Na análise de Patrícia, seria importante criar iniciativas voltadas para a conexão entre os estudantes de cursos de licenciaturas com escolas públicas do território.
“Esse pé na escola faz diferença na formação dos professores. Quando você conjuga o que estuda com a vida real na escola, você consegue ver possibilidades na escola pública”, explica.
Além dos salários considerados baixos em comparação com outras profissões de Ensino Superior, outros elementos também contribuem para que a carreira de professor seja considerada pouco atraente.
“Se o professor ingressa na carreira e não encontra ali condições de trabalho, ele desistirá na primeira oportunidade”, afirma Patricia Diaz, da Roda Educativa
Entre eles, estão as condições estruturais de trabalho para o professor, como o número alto de estudantes por sala de aula e o pouco tempo para o planejamento coletivo, além da maior ênfase em conteúdos teóricos presente em parte das licenciaturas, em detrimento do preparo para o dia-a-dia nas escolas.
“A formação [do professor] prepara pouco para o porvir, os professores iniciantes se assustam muito”, conta Beatriz, do Cenpec.
“Se o professor ingressa na carreira e não encontra ali as condições de trabalho, precisando trabalhar em três escolas para garantir sua sobrevivência, ele desistirá na primeira oportunidade”, lamenta Patrícia.
Com duas décadas dentro da sala de aula e hoje atuando com formação de professores, Gina Vieira Ponte aponta também para o sucateamento da formação do professor como desafio para a qualidade da Educação.
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“Como formadora, percebo um grande paradoxo: nunca foi tão complexo ser professor, em especial diante da geração de nativos digitais, das novas tecnologias e redes sociais. No entanto, a graduação ainda trata a formação do professor da mesma forma que há 30 anos”, analisa ela, destacando também que a rápida expansão sem fiscalização de cursos de Educação a Distância (EAD) contribuiu para o rebaixamento da formação inicial.
“A formação é ultrapassada, não repertoria o professor para lidar com a realidade da escola”, afirma Gina Vieira Ponte
Atualmente, 67% dos professores em formação estudam no formato EAD, de acordo com dados do Inep.
Em geral cursados em instituições particulares de Ensino Superior, com aulas pré-gravadas e pouco espaço para trocas e discussões com colegas, a graduação acaba por oferecer uma formação mais frágil em um cenário altamente desafiador para a docência.
“A formação é ultrapassada, não repertoria o professor para lidar com a realidade do chão da escola. Formar um professor significa formar um autor, um cientista, um pesquisador e um letrado digital, um autêntico profissional da aprendizagem”, defende Gina.