publicado dia 04/06/2025
Investimentos e formação: Como superar o analfabetismo funcional no Brasil
Reportagem: Ingrid Matuoka | Edição: Larissa Alves
publicado dia 04/06/2025
Reportagem: Ingrid Matuoka | Edição: Larissa Alves
🗒 Resumo: O Brasil patina em superar o analfabetismo funcional. Especialistas apontam desmontes de políticas, falta de investimentos e concepções retrógradas de alfabetização entre os fatores que explicam o cenário. Para superá-lo, defendem investimentos, formação de professores e uma concepção de alfabetização mais complexa. Entenda.
Há seis anos o Brasil não avança em promover a alfabetização completa de 29% da população entre 15 e 64 anos. Entre os mais jovens, de 15 a 29 anos, a situação inclusive se agravou.
De 2018 a 2024, a taxa passou de 14% para 16% de pessoas que não sabem ler e escrever ou sabem muito pouco e não compreendem pequenas frases ou identificam números de telefones ou preços.
É o que indica a nova edição do Indicador de Alfabetismo Funcional (Inaf), de maio de 2025.
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As desigualdades observadas no Brasil se repetem no índice de alfabetização. Do total de analfabetos funcionais, 49% vivem com até um salário mínimo e 68% vivem no interior de seus Estados.
Coordenado pela organização social Ação Educativa e pela consultoria Conhecimento Social, a edição 2024 do Inaf é uma co-realização da Fundação Itaú, em parceria com a Fundação Roberto Marinho, Instituto Unibanco, UNESCO e UNICEF.
Entre os brancos, 28% são analfabetos funcionais e 41% estão no grupo de alfabetismo consolidado. Já entre a população negra, essas porcentagens são, respectivamente, 30% e 31%.
Em comum, todas essas pessoas têm seu direito a uma Educação de qualidade ao longo da vida negado.
“A participação cidadã e da vida pública fica comprometida, de saber quais direitos se tem e como requisitá-los. Até questões básicas de Saúde, alimentação, serviços e práticas do cotidiano que as pessoas não podem acessar por elas mesmas. A entrada e ascensão no mercado de trabalho são precárias, assim como o acesso à cultura e à produção de conhecimento”, explica Patrícia Diaz, diretora executiva da Roda Educativa.
Em tempos de disseminação de jogos de azar e notícias falsas nas redes, a situação se revela ainda mais preocupante. “Ficam à mercê do que dizem e do que ouvem, e podem ser enganados ainda mais facilmente no mundo virtual. O novo Inaf olha para esse ponto pela primeira vez e aponta a necessidade de ensinar intencionalmente nas escolas sobre essas novas práticas de leitura e escrita”, diz Patrícia.
A falta de avanço é multifatorial, explicam os especialistas. A interrupção e desmonte de programas educacionais – do ponto de vista financeiro e conceitual – sobretudo a partir de 2016, desgastou as já precárias condições das escolas.
“O Teto de Gastos, estabelecido no Governo Temer, e o ataque do Governo Bolsonaro à produção das universidades e centros pesquisas, bem como o programa de alfabetização implementado, que reproduzia as teorias do começo do século XX, estão entre os fatores”, explica Emerson de Pietri, professor de metodologia do ensino de Língua Portuguesa na Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP).
Outra questão foi a desigualdade de acesso à internet e materiais de qualidade durante a pandemia. “Para as classes sociais mais altas foi possível acesso remoto à escola e melhores condições em casa, como livros, revistas e outras pessoas alfabetizadas que podiam ajudar no processo”, avalia Emerson.
O desmonte da Educação de Jovens e Adultos (EJA), que perdeu 97% dos recursos investidos entre 2012 e 2022 e vive o fechamento de turmas e escolas por todo o Brasil, também prejudica o acesso à Educação.
De acordo com o Inaf, entre os analfabetos funcionais, apenas 9% não acessaram a escola, o que demanda um olhar atento para permanência e aprendizagem.
Os especialistas defendem a garantia de condições para crianças, adolescentes, jovens e adultos estudarem, o que contribui para diminuir taxas de abandono e evasão. Também a implementação de bibliotecas escolares com acervo de qualidade e atuação conjunta com equipamentos culturais para ampliar o repertório cultural dos estudantes.
Na Educação Infantil e nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental, há a necessidade de rever a concepção de alfabetização, para que ela seja compreendida como um processo complexo, vinculado à prática social e cultural, e supere o entendimento de que a língua é apenas um código. “Se fosse, não estaríamos nessa situação, porque seria muito mais fácil alfabetizar”, pontua Patrícia.
Rever a formação de professores pode ajudar nessa tarefa. “Em geral, quem se forma em Pedagogia não aprende conhecimentos de Língua Portuguesa sobre produção textual e leitura de textos mais complexos, então os estudantes não avançam tanto em letramento, e quem se forma em Letras não aprende a alfabetizar. Quando chega um estudante na sala de aula que não se alfabetizou, não sabem como trabalhar com eles. É preciso superar essa ruptura”, indica Emerson.
“As redes municipais também poderiam desenvolver políticas para diferenciar o professor alfabetizador, para que ele se especialize na área e atue principalmente na Educação Infantil e nos primeiros dois anos do Ensino Fundamental”, acrescenta Patrícia, para quem também é essencial alinhar materiais, metodologias e formas de avaliação, que hoje pode ser muito contraditórios.
Fortalecer a Educação de Jovens e Adultos, para que os estudantes não sejam excluídos da escola uma segunda vez, e a Educação Pública como um todo, também pode contribuir para reverter o cenário de analfabetismo funcional no país.
Principalmente no que diz respeito ao financiamento, processos de plataformização, venda de formações e materiais didáticos padronizados e cursos de Pedagogia remotos. “A formação precisa estar muito próxima do que acontece na sala de aula”, afirma Patrícia.