publicado dia 18/07/2023

Fim do Programa Nacional das Escolas Cívico-Militares (PECIM) não acaba com escolas militarizadas, diz especialista

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Resumo: Pesquisadora da militarização da Educação e professora da Universidade de Brasília (UnB), Catarina de Almeida Santos explica que anúncio do encerramento do Programa Nacional das Escolas Cívico-Militares (PECIM) é significativo, mas processo de militarização das escolas pode seguir mesmo sem o governo federal.

O Ministério da Educação anunciou, via ofício endereçado aos secretários de Educação, o encerramento progressivo do Programa Nacional das Escolas Cívico-Militares (PECIM). A notícia chegou ao conhecimento público na terça-feira (12/07), quando o ofício foi acessado pela imprensa. 

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Embora significativo, o gesto não se traduz no desmonte automático do PECIM e das escolas cívico-militares que aderiram a ele. Menos ainda o fim do movimento de militarização da Educação brasileira, fortalecido sobretudo nos últimos quatro anos.

Em primeiro lugar, o ofício apenas comunica aos secretários de Educação o início do fim do programa. Como foi instituído por decreto presidencial, apenas outro decreto do tipo pode realmente encerrar o programa – o que ainda não aconteceu. 

Programa Nacional das Escolas Cívico-Militares

Em ofício, Ministério da Educação explica que decisão de encerrar o PECIM ocorreu após avaliação conjunta com Ministério da Defesa.

Crédito: Agência Brasil

Além disso, caso desejem prefeitos e governadores, as escolas cívico-militares criadas pelo programa do governo federal podem continuar existindo e até serem expandidas para outras da rede. É o que explica Catarina de Almeida Santos, professora da Universidade de Brasília (UnB) e integrante do Comitê DF da Rede da Campanha Nacional pelo Direito à Educação e do Comitê Diretivo da entidade. 

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“A revogação do decreto seria uma ação importante, mas acabar com o PECIM não é acabar com as escolas militarizadas, nem mesmo aquelas militarizadas via programa. Porque o fim delas vai depender do querer de governos estaduais e municipais de não mais fomentar a presença de militares, oficiais e Guardas Municipais que atuam nessas escolas”, explica Catarina.

A especialista completa que as escolas militarizadas via PECIM podem seguir sendo fomentadas por outras vias que não o programa federal, uma vez que outros modelos de escolas militarizadas (autorizadas por outros acordos ou leis próprias) estão vigor atualmente, nas redes de ensino. Atualmente, as escolas militarizadas via PECIM são cerca de 200 em um universo de quase mil instituições de ensino, que funcionam com esse modelo.

“Nesse sentido, para obrigar que os entendes federados descontinuem as escolas militarizadas via PECIM, é preciso uma ação coordenada para que todas sejam desmilitarizadas, tendo em vista a ilegalidade do modelo, que não existe no arcabouço legal do país ”, afirma.

Na contramão do governo federal, desde a sinalização do MEC, ao menos quatro governadores anunciaram a criação de programas próprios de escolas cívico-militares ou a expansão de escolas militarizadas em seus estados. 

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Via Twitter, Tarcisio de Freitas afirmou que o governo paulista vai editar um decreto para regular o seu próprio programa de escolas cívico-militares, além de ampliar unidades de ensino com esse formato. Além de São Paulo, manifestaram a intenção de seguir com as escolas cívico-militares os governos do Paraná, Distrito Federal e Rio de Janeiro. 

Catarina explica, ainda, que o ofício informa que cabe ao sistema de ensino reintegrar as escolas do PECIM à rede regular de ensino. “Ele delegou ao sistema de ensino fazer isso”, conta a especialista, explicando que os estudantes dessas escolas continuarão a ser atendidos pelos profissionais da Educação. 

“Os alunos não vão deixar de ter aula, afinal, os policiais e militares não poderiam dar aulas ou coordenar a escola. Os profissionais da Educação continuam lá, assim como os demais possíveis ganhos, como mais infraestrutura”. 

Programa Nacional das Escolas Cívico-Militares (PECIM): impactos para a Educação 

Em ofício, Ministério da Educação explica que decisão ocorreu após avaliação conjunta com Ministério da Defesa.Criado em 2019, o Programa Nacional das Escolas Cívico-Militares (PECIM) era uma das principais marcas da gestão Bolsonaro na Educação.

Criado em 2019, o Programa Nacional das Escolas Cívico-Militares (PECIM) era uma das principais marcas da gestão Bolsonaro na Educação.

Crédito: Marcelo Camargo/Agência Brasil

De acordo com análise da professora da UnB, o PECIM impactou a expansão da militarização de escolas no Brasil. “O fato de entrar na agenda nacional impactou a expansão, sobretudo em um momento de extrema-direita no Brasil, com governos estaduais e municipais elegendo políticos do mesmo espectro”, explica. 

Em 2019, existiam cerca de 200 escolas militarizadas. Quatro anos depois, são ao menos mil escolas militarizadas em todo o país. 

A defesa de alguns setores da sociedade pelo modelo é explicada, em parte, pela ideia de que as escolas militares oferecem, necessariamente, um ensino de melhor qualidade. Catarina explica que colégios e escolas militares, via de regra, possuem melhor infraestrutura e melhor financiamento, além de afunilarem o atendimento dos estudantes via processo seletivo. 

No entanto, sete em cada dez brasileiros afirmam confiar mais em professores do que em militares no ambiente escolar, segundo pesquisa encomendada pelo Cenpec e Ação Educativa ao Datafolha em 2022. Ainda de acordo com o levantamento, a maioria da população associa mais os problemas das escolas públicas a questões como a falta de investimento em infraestrutura e a desvalorização  dos professores – e não à “indisciplina ou uma pretensa lacuna de patriotismo ou civismo”, diz a Nota. 

A pesquisa foi citada pela Nota Técnica que justifica a decisão do Ministério da Educação (MEC) de iniciar o fim do programa. 

“O resultado alcançado no levantamento de opinião pública, longe de sinalizar qualquer visão depreciativa em relação à competência das Forças Armadas, parece compreender que alocar militares nas escolas de educação básica é algo que não está condizente com as funções precípuas dos militares na sociedade brasileira”. 

De acordo com a análise técnica, as características do PECIM e sua execução até o momento “indicam que a sua manutenção não é prioritária e que os objetivos definidos para sua execução devem ser perseguidos mobilizando outras estratégias de política educacional”. É possível ler a Nota Técnica do MEC na íntegra neste link. 

“A escola é pública porque não pode atender aos interesses de grupos específicos, ela precisa ser de todas as pessoas. Por isso é financiada pelo Estado – e por todos nós – por meio dos impostos”, defende Catarina, que é parte da Rede Nacional de Pesquisa em Militarização da Educação.  

MEC anuncia encerramento progressivo do Programa Nacional das Escolas Cívico-Militares

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