publicado dia 13/11/2023

Educação Infantil decolonial: Comunidade de aprendizagem protege professora denunciada 

Reportagem:

🗒️Resumo: Quando Elly Bayó, professora na rede municipal de Santo André (SP), sofreu uma denúncia por seu trabalho na perspectiva de uma Educação Infantil decolonial e antirracista, a comunidade saiu em sua defesa. Conheça a atuação da educadora e como foi possível lidar com a situação coletivamente.

Quem entrar na sala de Educação Infantil da professora Elly Bayó, na rede municipal de Santo André (SP), vai encontrar fotos de Dona Ivone Lara, Ailton Krenak e Kabengele Munanga, termos em yorubá, bantu e tupi espalhados pelas paredes, e os adinkras, símbolos que representam narrativas do povo Ashanti. Dependendo do dia, talvez nem na sala a turma esteja, e ao longe vai ser possível ouvir as crianças e a professora cantando e tocando “eu vim de lá, eu vim de lá pequenininho” pelos corredores.  

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A ornamentação e as músicas são fruto do trabalho ao longo do ano inteiro que a professora realiza com as crianças e que tem início com um mês e meio de observação e escuta sensível sobre o que as crianças compartilham de seus interesses, em diálogo com o que Elly apresenta do mundo a elas. Os temas mais recorrentes são colocados para eleição e a turma decide no que gostaria de se aprofundar. 

“A ornamentação é um retrato da minha partilha com eles e do que eles partilham comigo. É interessante porque eles acabam criando até uma relação afetiva com essas figuras”, conta a professora. 

Cada canto da sala é cuidadosamente pensado a partir do que faz sentido para as crianças e o trabalho pedagógico

Crédito: Elly Bayó

A música de Dona Ivone Lara é a favorita dos pequenos e a Rainha do Samba se tornou a madrinha das rodas de música da turma, que a cada semana conhece um instrumento musical novo. A professora explica que a ampliação do repertório musical das crianças na Educação Infantil costuma ficar restrita à música clássica europeia, então ela leva caxixi, agogo, atabaque e pandeiro para eles tocarem.

“Tenho algumas crianças dentro do Transtorno do Espectro Autista e a relação que elas criam com o tambor é incrível e é algo que inclusive tem ajudado essas crianças a se integrarem, a participarem de todos os outros momentos da turma”, celebra Elly, ciente de que este efeito não é ao acaso. 

“O tambor é uma produção da intelectualidade negra, um saber ancestral, embora não seja visto assim. Mas olha como a relação com esse saber transforma a vida das crianças”, diz Elly. 

Para as famílias, esse trabalho também tem impacto. Recentemente, uma mãe contou para a professora que tem aprendido sobre os adinkras por meio da filha, que volta para casa animada para compartilhar seus novos saberes e coloca a mãe em relação com os saberes ancestrais que foram negados a ela. 

Desafios e proteção da comunidade

Todo esse trabalho não aconteceu, é claro, sem barreiras. Em setembro de 2019, um pai denunciou a professora, alegando que ela estaria doutrinando as crianças para alguma religião de matriz africana, em referência ao uso dos instrumentos musicais. Foram visitas do conselho tutelar à escola e uma série de conversas até mostrar que não era disso que o trabalho pedagógico se tratava. 

adinkras

Os adinkras e as produções das crianças na sala de referência da turma

Crédito: Elly Bayó

Nesse período, quem saiu em defesa da professora foram famílias, professoras e funcionárias da escola. “Mal tive que me expressar. Elas assumiram os diálogos, questionaram de onde vinha esse entendimento dele e fizeram com que a denúncia se diluísse e não fizesse mais sentido”, conta Elly. 

Para ela, foi sinal de que ali existia uma comunidade de aprendizagem, como conceituou bell hooks (1952 – 2021). “Esses saberes não estavam expostos na escola de forma estereotipada, de forma pontual, então as pessoas estavam apropriadas deles”, explica a professora. 

Ter pessoas brancas assumindo o fardo de fazer essa defesa, que recebem mais legitimidade do que se fossem pessoas negras, é outro fator que ela aponta como central para o desfecho, que foi a ida da turma ao Museu Afro Brasil, em São Paulo (SP), e um cortejo com os tambores e as famílias – inclusive a que fez a denúncia. 

“Temos que entender a estrutura do racismo e ir dando uma capoeira nele para ver se as coisas ficam mais fáceis de acontecer”, defende.

educação infantil

As paredes da sala também registram o desenvolvimento e a produção de conhecimento da turma

Crédito: Elly Bayó

Elly também encontra fôlego na união com outras professoras negras da rede e na participação no Conselho Municipal de Educação e no Fórum Municipal de Educação, movimentando a política pública. “Tento trazer as pessoas, mas a legislação é um colo”, diz.

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