publicado dia 06/07/2017
O desafio de educar para um futuro digital e mutável
Reportagem: Ingrid Matuoka
publicado dia 06/07/2017
Reportagem: Ingrid Matuoka
Mais da metade dos alunos de hoje seguirão carreiras ainda inexistentes e difíceis de prever. É o que revela um estudo feito em 2016 pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), indicando que 65% das crianças assumirão profissões que começam a se desenhar nos dias atuais.
Mas que carreiras “do futuro” são essas? Segundo os especialistas ouvidos pelo Centro de Referência em Educação Integral, devem persistir as profissões que requerem subjetividade e produção de sentido e deixam de existir aquelas que exigem somente a reprodução de padrões ou observação rápida e precisa de uma massa de dados. Estas últimas devem ser substituídas por tecnologias que desempenham tais funções de forma mais rápida, eficiente e barata.
Nesta perspectiva, mais autonomia, engajamento com as tecnologias digitais, inteligência artificial, cultura maker, compartilhamento de artefatos, processos e serviços também serão características valorizadas neste contexto futuro.
Devem persistir as profissões que requerem subjetividade e produção de sentido e deixam de existir aquelas que exigem somente a reprodução de padrões
Das crianças será exigido flexibilidade para adaptar-se a mudanças, mas também firmeza para perseguir objetivos em meio a um ambiente em constante transformação. Soma-se a isso proatividade, trabalhar de forma colaborativa, criatividade, resolução rápida de problemas, pensamento crítico e a busca autônoma por conhecimento.
Se a escola já enfrenta, nos dias atuais, dificuldades para formar adolescentes preparados para o mercado de trabalho, formá-los para uma realidade que ainda não existe se mostra ainda mais desafiador — porém, possível. É o que afirma Luciano Meira, professor da Universidade Federal de Pernambuco e sócio-fundador da Joy Street, organização que se propõe a criar soluções em tecnologias educacionais.
“O mundo inteiro, não só o Brasil, tem escolas que servem a padrões industriais do século XX, na melhor das hipóteses. Mas a mudança já tem emergido de experiências locais em algumas instituições, inclusive, brasileiras”, diz Meira.
Essa mudança, explica, passa pela percepção de que é necessário construir conhecimento e não apenas memorizar conteúdos, valorizando-se a formação integral do indivíduo em diferentes aspectos: imaginação, argumentação, design, habilidades sociais, emocionais, culturais e físicas.
“A aula é a falência da escola. Precisamos deixar mais explícito os processos de conhecimento e sentido, não os saberes em si. Queremos que as crianças sejam capazes de produção autoral, que argumentem”, explica o professor.
Ensinar matemática não é simples. Ensinar flexibilidade, proatividade, e outros conceitos abstratos, tampouco. Mas já existem propostas que começam a solucionar esses caminhos tendo como foco a ampliação da participação dos alunos e de outros atores da escola.
É necessário construir conhecimento e não apenas memorizar conteúdos, valorizando-se a formação integral do indivíduo
Anna Penido, diretora do Instituto Inspirare, lembra que a educação é uma tarefa coletiva e que, portanto, deve contemplar alunos, professores, diretores, funcionários e familiares na sua construção e inovação. Essa transição, no entanto, deve ser cautelosa.
“O processo de mudança tem que ser feito de maneira acolhedora e confortável, para que mesmo com toda essa incerteza, angústia e ansiedade, eles se sintam seguros para lidar com o que está por vir, mesmo sem saber exatamente o que é”, diz.
Outro pilar fundamental para alcançar estas transformações é o docente. Além das questões de condição de trabalho precárias, má remuneração, pouca valorização e sobrecarga de tarefas, a formação dos professores também precisa ser revista e readequada ao que a educação contemporânea está demandando.
É preciso considerar que os professores atuais aprenderam e estão familiarizados a outro sistema de ensino e precisam lidar com uma geração que nasceu conectada e com outros paradigmas.
“Temos que repensar a universidade, as licenciaturas, a formação continuada para desenhar uma educação centrada na construção da relação aluno-professor”, afirma Luciano Meira, acrescentando que, em sua experiência com formação de professores, nunca encontrou resistência por parte deles em aprender coisas novas e inovar.
“De maneira espelhada, os professores vivem hoje o que as crianças vão viver em breve. Os docentes estão sendo pressionados a mudar a maneira como exercem sua profissão de acordo com o novo perfil dos alunos e sociedade”. Essa proximidade de experiências abre uma oportunidade de aproximação entre eles e os alunos.
Anna Penido concorda. Para ela, os docentes estão vivendo uma experiência hoje que certamente seus alunos também viverão. “E se o professor está se sentindo angustiado, ele pode pensar ‘como faço para ajudá-los a não viverem essa angústia? Se eu preciso rever minhas habilidades, quais são as que eles precisarão ter?’ Quanto mais empático for esse processo, mais sucesso teremos”, diz.
A especialista sugere ainda algumas práticas que já podem começar a serem aplicadas pelas escolas neste processo de reinvenção: