publicado dia 18/10/2024
Como falar sobre bets e jogos de apostas com os estudantes
Reportagem: Ingrid Matuoka | Edição: Tory Helena
publicado dia 18/10/2024
Reportagem: Ingrid Matuoka | Edição: Tory Helena
🗒 Resumo: Em franca expansão, jogos de apostas online (ou bets) são assunto também para as escolas. Confira uma sugestão de atividade em quatro passos simples para conduzir com turmas do Ensino Fundamental e Médio sobre os jogos de apostas e entenda a importância de fortalecer as escolas enquanto figuras centrais para a transformação social.
Os brasileiros gastam cerca de 20 bilhões de reais em apostas online todos os meses, de acordo com o Banco Central. São aproximadamente 52 milhões de usuários – parte deles, crianças e adolescentes, algo proibido no país.
No enfrentamento ao problema, além da responsabilização das empresas por parte do poder público, as escolas também podem apoiar em duas dimensões principais: conversar com os estudantes e reforçar seu papel central na transformação social.
De acordo com a Pesquisa TIC Kids Online Brasil 2023, 95% da população de 9 a 17 anos está conectada à internet no país e um quarto dos entrevistados relataram ter começado a acessá-la por volta dos 6 anos de idade.
Sobretudo a partir da Copa do Mundo de 2022, as redes sociais passaram a ser povoadas por anúncios de jogos de azar, apostas on-line e bets. As imagens que chegam aos celulares são coloridas e vibrantes, com tigres, moedas de ouro, aviões e craques do futebol. Além da semelhança com joguinhos queridos pelas crianças, há a presença de influenciadores mirins, que prometem dinheiro fácil.
Desde então, crescem os problemas financeiros e de saúde mental pelo Brasil. Há relatos de pais e mães pedindo ajuda com a compulsão dos filhos, gastos desenfreados feitos às escondidas das famílias que consumiram todas as reservas feitas ao longo da vida, até tragédias irreversíveis, como relatado pela denúncia feita pelo Instituto Alana.
“As crianças e adolescentes estão sendo bombardeados de publicidade estimulando apostas por todos os lados, até crianças anunciando o jogo para outras crianças. A escola é um lugar especial para dar outros tipos de estímulos: a reflexão crítica, as informações sobre os perigos”, diz Rodrigo Nejm, do Instituto Alana
Em junho, por meio do Programa Criança e Consumo, o Alana denunciou ao Ministério Público do Estado de São Paulo (MPSP) e ao Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP) a empresa Meta, responsável pelo Facebook e Instagram. O intuito é responsabilizar os anunciantes e a Meta pela exploração comercial de crianças e adolescentes.
Na primeira semana de outubro, o Alana também encaminhou ao ao MPSP e à Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon) e à Secretaria de Direitos Digitais (Sedigi), ambas do MJSP, uma atualização desta denúncia para incluir nove influenciadores mirins que divulgavam ilegalmente jogos de azar no Instagram.
A Educafro também se somou às ações e processou nove empresas de apostas esportivas por supostamente facilitarem o acesso de crianças e adolescentes às plataformas. A entidade cobra uma indenização de R$ 1,5 bilhão das bets.
No âmbito governamental, há tentativa de regulamentação das empresas de apostas esportivas (bets), com a criação de regras mais rígidas. Entre elas, a proibição do uso de cartões de crédito e dos cartões do Programa Bolsa Família.
Para além da responsabilização das empresas, as escolas também podem contribuir. Em entrevista ao Centro de Referências em Educação Integral, Rodrigo Nejm, Doutor em Psicologia Social e especialista em Educação Digital do Instituto Alana, sugere uma sequência de atividades para realizar com as turmas de Ensino Fundamental e Médio.
O especialista aborda também a importância de fortalecer as escolas como centrais para a transformação social. Isso porque 79% dos apostadores online no Brasil estão nas classes C, D e E, e 86% estão endividados, de acordo com um estudo do Instituto Locomotiva.
Os jogos de aposta ganham, então, um sentido mais amplo: a aposta, ainda que desesperada, em um futuro melhor. “Como reencantar os estudantes para a escola como lugar de transformação social, de aprendizagem, de abertura de oportunidades?”, indaga Rodrigo. Leia a entrevista completa abaixo:
Rodrigo Nejm: Temos provocado as escolas a pautarem os perigos dos jogos de aposta, mas as escolas também têm nos procurado, porque o tema tem aparecido com frequência. São relatos de estudantes muito novos que têm apostado e perdido dinheiro da família, inclusive famílias muito vulneráveis.
As crianças e adolescentes estão sendo bombardeados de publicidade estimulando apostas por todos os lados, até crianças anunciando o jogo para outras crianças.
A escola é um lugar especial para dar outros tipos de estímulos: a reflexão crítica, as informações sobre os perigos e como é possível denunciar quando tem situações de publicidade envolvendo crianças e adolescentes.
Esse tipo de trabalho já está previsto na Educação Digital e nas diretrizes da Educação Básica. É fundamental que a escola ensine sobre como funcionam as tecnologias digitais, as redes sociais, as propagandas, os conteúdos patrocinados e quanto os algoritmos filtram a realidade nas redes sociais.
RN: É possível colocar esse tema como parte de uma investigação. Vale começar mapeando como os estudantes, professores e as famílias usam a internet. É montar junto com as crianças e adolescentes as perguntas, um formulário, para conhecer a experiência digital da comunidade.
Com isso, será possível verificar o tamanho da presença dos jogos de apostas entre eles. E aí é escutar como tem sido essa experiência, sem julgar ou condenar, mas para conhecer.
A partir daí, os professores podem convidar os estudantes a pesquisarem sobre o tema a partir de um conjunto de referências adequado a cada etapa. Podem ter leis, as recomendações da Sociedade Brasileira de Pediatria sobre esses tipos de jogos, reportagens que contem histórias de outras pessoas e tragam especialistas, entre outros.
O objetivo é que os estudantes pesquisem e interpretem em suas palavras essas situações de perigo e as consequências, o que costuma ser muito mais eficaz do que o professor chegar condenando.
Depois, os professores podem liderar uma discussão, convidando especialistas de saúde mental, do Ministério Público, dos direitos das crianças, para explicar o cenário.
Por fim, é interessante propor que eles criem algo a partir de tudo isso. Projetos de arte, redações, debates com metade da turma a favor e metade contra ou pesquisas em outros idiomas sobre os jogos de aposta em outros países.
RN: Vivemos uma crise da economia, da democracia e do meio ambiente que tira a esperança dos mais pobres, que são quem sofre mais com tudo isso. A escola tem que ser alimentada pelas políticas públicas e pela sociedade para poder ser um lugar inspirador.
E essa é uma missão para todos: como reencantar os estudantes para a escola como lugar de transformação social, de aprendizagem, de abertura de oportunidades?
A tecnologia digital pode ajudar nisso, porque usar a internet e as tecnologias no processo pedagógico engaja os estudantes. Mas também tem a ver com promover uma formação que não é para o mercado de trabalho, mas para o exercício da cidadania, de entender direitos e deveres como estudantes e sujeitos que participam da construção da sociedade.
É trabalhar a questão do racismo, das desigualdades estruturais e da crise climática, e implementar as leis que instituíram o ensino da história e da cultura africana, afro-brasileira e indígena nas escolas.
E é também convidar os estudantes a pensarem em soluções, em como criar novos modos de vida, novos jeitos de pensar a sociedade, para recuperar a esperança de que é possível mudar.
RN: As autoridades estão atuando, o que é um bom sinal, e temos percebido que, além das casas de apostas, tem que responsabilizar as redes sociais que estimulam essas propagandas para crianças e adolescentes.
O lucro das empresas não pode vir a qualquer custo. As empresas têm muita responsabilidade no cuidado com a saúde financeira e mental de todos, que não pode ser só da escola e da família.