publicado dia 16/05/2024

Como a crise climática no Rio Grande do Sul impacta o direito à Educação 

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🗒️ Resumo: Crise climática afeta especialmente crianças e adolescentes e impacta a garantia do direito à Educação, que é essencial para acessar os demais direitos sociais. Nesta outra reportagem, saiba como o Sul organiza a reabertura das escolas.

Considerado um dos maiores desastres climáticos já vistos no Brasil, as chuvas e  enchentes extremas no Rio Grande do Sul afetam, desde o final de abril, 2,1 milhões de pessoas, causando centenas de mortes e deixando ao menos 88 mil desabrigados. 

Resultado da crise climática global, a tragédia ainda em curso atinge 450 dos 497 municípios gaúchos e afeta de maneira dramática a vida de crianças e adolescentes. 

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“A crise climática é uma crise dos direitos das crianças e adolescentes”, resume Danilo Moura, oficial do clima e meio ambiente do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef). 

A instituição estima que 1 bilhão de crianças e adolescentes no mundo e 40 milhões no Brasil estão expostos a múltiplos riscos hoje em decorrência das transformações no clima. Só no ano passado, o país registrou 12 eventos climáticos extremos

No momento da emergência, são justamente as crianças e adolescentes que têm menos condições de identificar os riscos, tomar medidas de autopreservação por conta própria e enfrentar enxurradas, por exemplo. Muitos são separados dos pais, sofrem especialmente com a falta de água e alimentação, e estão mais expostos a abusos em abrigos.

“A crise climática é uma crise dos direitos das crianças e adolescentes”, explica Danilo Moura, do Unicef

Além disso, também são eles que mais dependem dos serviços essenciais, como Saúde e Educação, que deixam de funcionar em sua plena capacidade nesses contextos.

“A vida deles fica especialmente em risco e conturbada. Como a tendência é que o cenário de crise climática piore, o único jeito de protegê-los é adotar políticas públicas para responder e se preparar para essa crise climática”, orienta Danilo.

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No entanto, o poder público vem caminhando na direção oposta até aqui. Em setembro de 2019, o governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite, alterou 480 pontos do Código Ambiental do estado, até então referência em proteção ambiental no Brasil. À época, Leite afirmou que o novo código teria como resultado “um melhor equilíbrio entre a proteção ambiental e o desenvolvimento socioeconômico”. 

No nível federal, dos 513 deputados eleitos em 2022, nenhum destinou verbas para recuperação das cidades após desastres naturais, à exceção da parlamentar indígena Célia Xakriabá (PSOL-MG), que indicou a verba de R$ 1 milhão para esse tipo de ação.

Mesmo diante da maior incidência de eventos climáticos extremos no Brasil, o investimento federal relacionado à prevenção de desastres naturais encolheu 80% na última década.  Passou de 6,8 bilhões em 2013 para 1,4 bilhão em 2023. O maior corte foi observado entre 2019 e 2022, durante a gestão de Jair Bolsonaro. 

O impacto das enchentes para as escolas do Rio Grande do Sul

Impacto das enchentes e chuvas em escolas do Rio Grande do Sul

Estima-se que ao menos 300 mil estudantes estejam sofrendo os impactos das enchentes e chuvas no Rio Grande do Sul.

Crédito: Júlia Azevedo/SMED/Prefeitura de Porto Alegre

Com as inundações, boa parte das escolas do estado pararam de funcionar. Seu fechamento, apesar de inevitável, fere o direito à Educação, o que implica também em uma maior dificuldade de assegurar os demais direitos das crianças, adolescentes e suas famílias. 

O que é Direito à Educação 

No Brasil, a Educação é um direito garantido pela Constituição Federal e um dever do Estado e das famílias. A Carta Magna determina que todas as crianças devem ingressar na escola aos 4 e permanecer nela até, no mínimo, os 17 anos de idade. Além disso, compreender a Educação como um direito passa pela promoção de processos de ensino-aprendizagem capazes de fomentar o desenvolvimento integral dos sujeitos. Saiba mais

Na rede estadual, estima-se que 300 mil estudantes tenham sido impactados, quase metade das matrículas na rede estadual. Ao menos 217 mil estão sem qualquer contato com suas escolas. A estimativa é de que 30% a 40% dos professores tenham perdido suas residências. 

Das escolas estaduais, 1.044 foram atingidas, o que representa 45% da rede. Destas, 588 foram danificadas e cerca de 50 terão de ser reconstruídas, provavelmente em outras localidades. Outras 1.200 estão funcionando e 84 servem de abrigo, de acordo com balanço do governo estadual. 

“Desde o dia 7 de maio, começamos o retorno às escolas de forma gradual. Como o impacto é diferente em cada lugar, analisamos caso a caso por meio de reuniões diárias e planilhas que os diretores preenchem todos os dias para avaliar a situação em sua escola e quantos estudantes conseguiram encontrar e receber na unidade”, relata Raquel Teixeira, Secretária Estadual de Educação do Rio Grande do Sul.

Já na capital, 5.500 estudantes estão sem previsão de retorno para a escola. São 14 escolas da rede e outras 16 unidades de Educação Infantil parceiras alagadas. Hoje, 3 funcionam como abrigos. 

“Estimamos que em torno de um a dois terços dos professores por escola tenham sido impactados diretamente pelas enchentes ou por não conseguirem se locomover até as unidades escolares”, explica Izabel Brum Abianna, diretora pedagógica da Secretaria Municipal de Educação de Porto Alegre (RS). 

Os esforços das escolas para assegurar direitos em meio à crise climática 

Mesmo nas unidades que estão funcionando, há falta de água, luz e internet, o que impede o retorno imediato. Apesar disso, não deixam de atuar em outras frentes. Elas servem de abrigo, garantem almoço, recolhem e distribuem doações, e realizam atividades e apresentações artísticas para as crianças e adolescentes, além de disseminar e apoiar as orientações de medidas emergenciais do poder público.

“Priorizamos a retomada das refeições imediatamente porque a escola é um equipamento importante para a garantia de direitos das comunidades”, destaca Izabel.

Muito além de seu papel de ensinar e promover a troca de conhecimentos e experiências, as escolas mais uma vez se destacam enquanto pólos de ajuda humanitária e como peças centrais na articulação dos direitos de crianças e adolescentes.

Essa função se torna especialmente importante considerando que os impactos da crise climática atingem as pessoas de maneira desigual, afetando as populações que já são privadas de outros direitos. 

“A escola integra as redes de proteção e solidariedade nos territórios e, como a Educação Integral vem confirmando, ela é a porta de entrada para os demais direitos sociais”, afirma Raiana Ribeiro, Diretora de Programas da Associação Cidade Escola Aprendiz. Há dez anos, o Aprendiz desenvolve uma metodologia de identificação e reinserção de crianças e adolescentes na escola a partir de uma abordagem intersetorial e territorial do direito à educação.

Daí a necessidade de garantir condições que permitam aos estudantes retomar os vínculos escolares o quanto antes, da forma que for possível para cada contexto, a fim de restaurar direitos e evitar que a exclusão escolar se agrave.

“A pandemia demonstrou que, quanto mais tempo as escolas ficam fechadas e distantes do cotidiano dos estudantes e suas famílias, mais difícil e desafiador se torna restabelecer esse vínculo. Para as famílias mais vulnerabilizadas, esse vínculo que muitas vezes já é frágil, em razão de múltiplas privações, pode ser determinante para que essa criança ou adolescente nunca mais retorne à escola”, alerta Raiana. 

Para que as escolas possam seguir desempenhando esse papel estratégico na proteção integral da população infantojuvenil brasileira, os recursos adequados e o suporte das Secretarias serão indispensáveis. 

“A retomada do cotidiano educativo vai demandar que toda a comunidade escolar seja acolhida e que os processos de escuta se transversalizem e sejam contínuos, a começar pela própria equipe gestora e de professores, também impactada pelas enchentes”, diz Raiana. 

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