publicado dia 20/04/2023
As lutas urgentes e as lutas importantes no contexto dos ataques às escolas
Reportagem: Franco de Castro
publicado dia 20/04/2023
Reportagem: Franco de Castro
Recentemente, temos vivido com as notícias de ataques às escolas, que atingem estudantes e profissionais de Educação em diferentes unidades escolares do Brasil. As brutalidades ocorridas na Escola Estadual Thomázia Montoro, em São Paulo (SP), na creche Cantinho Bom Pastor, em Blumenau (SC) e mais, recentemente, na Colégio Estadual de Santa Tereza de Goiás (GO) constituem três exemplos recentes de um histórico que vem crescendo exponencialmente.
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Franco de Castro é professor de Química na rede escolar privada do Rio de Janeiro (RJ) e coordenador do projeto Construindo Saber.
Os discursos de ódio não foram derrotados nas urnas em 2022. A faceta criminosa, preconceituosa, excludente e fascista de uma parcela da sociedade segue expressiva e com ações contínuas em sua política de extermínio. Afinal, a política não é sinônimo de Brasília, como muitos crêem, mas se imbrica no seio das relações sociais. Não afetam apenas um indivíduo A ou B, mas a todos nós, independentemente da localidade.
O papel da escola e a síndrome do herói
Em cenários de crise, somos empurrados a buscar caminhos e soluções, tentando manter coerência nos princípios que regem tais ações. É fácil e confortável para uma parte da sociedade, mais uma vez, alçar a responsabilidade às instituições escolares de terem que dar conta de problemas extremamente complexos e que vão muito além de seus muros.
Parecemos viver a síndrome do herói, ora colocada nas costas de profissionais de educação, ora na própria instituição em si, tendo que lidar com eficácia em relação às diferentes mazelas sociais.
É óbvio que o papel social da escola é determinante na garantia de direitos, na promoção da dignidade humana, na vivência da cidadania e democracia, porém, sem políticas públicas efetivas e mobilização da sociedade civil o discurso e a prática não convergem. E, nesse ardiloso contexto, precisamos localizar – sem separar – as lutas urgentes e as lutas importantes.
Lutas urgentes e lutas importantes no enfrentamento à violência nas escolas
Dentro das urgências, é fundamental o poder público se implicar e se responsabilizar, nos âmbitos municipais, estaduais e federal, em discutir e efetivar medidas de segurança para as diferentes comunidades escolares – Brasil afora – passando pela existência de um serviço de inteligência que consiga mapear, identificar e prender previamente indivíduos ou grupos que planejam tais ações.
Além disso, é preciso retomar com força total o debate sobre o desarmamento da população civil e entendermos os malefícios gerados pela flexibilização do porte e posse de armas dos últimos anos. Os possíveis caminhos não carregam consigo uma mera lógica de causa e efeito. Se eu faço isso, logo obtenho aquilo… O problema é estrutural, portanto, não se trata apenas de instalar mais câmeras nas escolas, aumentar os muros ou colocar policiais dentro delas.
O perigo que lidamos não é apenas de um indivíduo, mas de uma ideologia – que carrega consigo ódio, violência e, sobretudo, velocidade. De fato, se os números mostram o aumento significativo dessas ações, o tempo urge para uma ação defensiva que se estruture no combate a elas.
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A premissa da velocidade é imperativo, mas também um potencial inimigo, pois se pode efetivar um conjunto de ações que reafirmam a sociedade de controle, como mostrado pelo filósofo Gilles Deleuze, e na melhor das intenções, produzir, ainda, um ambiente escolar de maior vigilância, tensão e ansiedade.
Parece que ainda não mensuramos os impactos na saúde mental e emocional dos indivíduos após os anos de pandemia e todos os desafios vividos pelos estudantes, profissionais de educação e familiares com o retorno presencial das atividades escolares.
O escritor Mia Couto já havia nos ensinado, em seu brilhante discurso na Conferência de Estocolmo em 2011, que “há quem tenha medo que o medo acabe’’. Esse contexto de violência, cuja raiz enuncia uma sociedade capitalista extremamente desigual, racista, xenófoba, machista, patriarcal e colonial é nutrida por indivíduos, grupos e instituições, quando não o próprio Estado, que necessitam da existência do medo para perpetuar suas ações.
Não à toa, nos deparamos recentemente com a produção de fake news sobre a iminência de mais ataques em diferentes partes do Brasil e o sentimento coletivo é de total apreensão, ainda que ‘’a minha escola’’ seja um ambiente aparentemente seguro.
É preciso se discutir não apenas as ações de enfrentamento, mas a coerência que se carrega com elas e mensurar onde estaremos a partir delas num futuro próximo. Se não formos cirúrgicos, corremos o risco de transformarmos a escola numa espécie de bomba relógio – prestes a explodir em sua própria fragilidade mental, emocional e relacional.
Educação Integral: coletividade, solidariedade e alteridade
Dentro da lógica daquilo que é importante, pensando em médio e longo prazo, vislumbro um caminho de retomada da promoção da Educação Integral, no sentido de termos uma diretriz bem definida de contraposição a essa lógica.
Um dos pilares da Educação Integral é a pluralidade com que percebemos os sujeitos. Aqui não os reduzimos a uma dimensão exclusivamente intelectual, cognitiva, mas os ampliamos em suas múltiplas faculdades emocionais, físicas, sociais e culturais.
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Dessa maneira, nos orientamos pela promoção de uma Educação que fomente o sujeito ao encontro das diferentes cores que lhe habitam, as diferentes expressões que lhe caracterizam, da diversidade que lhe preenche. E isso não se constrói para alguém, mas ao lado de alguém.
Trata-se de pensar e conjugar a educação no âmbito da coletividade, da solidariedade e da alteridade. É aqui que logramos construir um currículo integrado ao território, unindo as diferentes áreas de conhecimento, sem hierarquizá-las e construindo outros espaços-tempo na escola. Precisamos sair dessa lógica insana de produtividade e otimização dos tempos escolares, para um lugar de respiro – onde possamos parar, nos perceber, nos escutar e praticar o embrião de uma construção coletiva.
Como construir uma cultura de paz – e não apenas de segurança – nas escolas
Há diferentes escolas no Brasil que apontam para construção de soluções que passam pelo fomento da vida coletiva: assembleias, gestão democrática, grêmio estudantil, rodas de conversa e acolhimento. Além disso, há valorização das discussões de gênero e diversidade. Destaque para o que a rede pública escolar da Bahia vem produzindo, com consistência, no campo da Educação Integral.
Pensar uma escola promovendo uma Educação Integral não passa apenas pelo anseio da instituição, mas pela efetivação de uma política pública articulada, integrada ao território e construída de forma intersetorial, de modo a não colocar esse papel nas costas de uma unidade escolar, mas construindo co-responsabilidades.
Não é a escola sozinha que conseguirá enfrentar e superar perspectivas estruturais, mesmo promovendo palestras e/ou contratando psicólogos e/ou instalando elementos de segurança interna, pois aquilo que buscamos superar depende da articulação de muitos agentes, de diferentes setores, trabalhando com metas e objetivos comuns.
Quantas escolas conhecemos com um trabalho integrado ao seu território em diálogo com os serviços de assistência social, rede de atenção psicossocial, às secretarias de esporte, cultura e lazer, a diferentes coletivos, ONGs ou instituições que trabalham em prol dos Direitos Humanos? De que maneira o poder público, em seu território, tem buscado promover esse diálogo e trabalho intersetorial? De que maneira passamos a construir uma cultura de paz e não apenas uma cultura de segurança?
As palavras germinam com um propósito. Não se trata de apontar verdades ou soluções prontas, mas ajudar a promover debates que nos ajudem a dar vazão a um sentimento de aperto e apreensão que vem ganhando força. Onde há medo, também há amor. E o amor é revolucionário. Mais do que acreditar nessa revolução é preciso praticá-la. E a escola é só parte disso.