publicado dia 27/08/2025
9 livros infantis para combater o racismo religioso
Reportagem: Ingrid Matuoka | Edição: Tory Helena
publicado dia 27/08/2025
Reportagem: Ingrid Matuoka | Edição: Tory Helena
🗒 Resumo: Para valorizar as diferentes identidades e culturas que formam o Brasil e combater o racismo religioso, a professora Ana Paula Venâncio compartilha sua experiência com o trabalho, dá orientações de como conduzi-lo e indica 9 obras para ler e discutir com estudantes.
Em uma de suas turmas de 1° ano do Ensino Fundamental, a professora Ana Paula Venâncio ouviu de uma criança que “tambor é coisa do diabo”. Enquanto ela perguntava mais sobre essa afirmação, as outras crianças ouviam atentamente a discussão.
“Fui tentando entender o que isso significava para ele e de onde partiu essa construção, até chegar em um ponto que nos conectava. Disse para ele: Você toca pandeiro na sua igreja, que é um tambor pequeno. Sabe o que significa tambor? Coração. É como comunidades africanas distantes se comunicavam, para chamar, cantar, louvar, como você faz. O tambor fala com o coração através dos toques”, relata a professora sobre uma de várias falas similares que já presenciou ao longo de sua atuação como alfabetizadora.
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Palavras ligadas às religiões de matriz africana, como terreiro, Orixás, Ifá, contas, búzios, atabaque e macumba vêm, para parte da população, carregadas de racismo e de desconhecimento, enquanto outros termos religiosos como crucifixo, água benta, versículos, santos, catecismo, igreja, hóstia e cultos costumam circular nas rodas de conversa sem grandes sobressaltos.
Esse preconceito impede essas pessoas de saberem mais sobre a história de seu próprio país e de se relacionarem com as diversidades de forma respeitosa. Também priva parte das crianças e adolescentes de ter sua cultura e identidade representadas e valorizadas no espaço escolar. E todas elas, de discutirem um problema central de nossa sociedade: o racismo.
“Não vivemos uma democracia nesse campo. Há crianças que ficam com medo de expressar sua crença, outras que torcem o rosto, há repressão das famílias e a demonização dos professores que ousam abordar o tema, não pelo viés da religião, da fé ou para doutrinar, mas para trazer conhecimentos sobre os povos que constituem o país e para quebrar tabus, que infelizmente ainda levam a ataques e tragédias”, explica Ana Paula.
Em 2024, o Brasil registrou 3.853 casos de racismo religioso, um aumento de mais de 80% em relação a 2023, segundo dados do canal de denúncias do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania (MDHC). No Brasil, racismo religioso é crime.
Para combater esse tipo de violência, a professora encontrou na Literatura uma grande aliada, porque ela permite atribuir a essas palavras um novo imaginário mais humano e digno, além de mais próximo do que elas verdadeiramente significam e representam para a cultura brasileira.
“A Literatura é muito poderosa para ampliar a compreensão sobre as culturas e religiões de matriz africana, que são tão mal faladas ou silenciadas”, diz Ana Paula Venâncio.
“A Literatura é muito poderosa para ampliar a compreensão sobre as culturas e religiões de matriz africana, que são tão mal faladas ou silenciadas. E ela costuma encantar as crianças sobre o assunto de uma forma leve e respeitosa”, afirma a professora aposentada do Instituto Superior de Educação do Rio de Janeiro (Iserj), uma escola pública da rede Faetec (Fundação de Apoio à Escola Técnica).
De acordo com a Constituição Federal, o Brasil é um Estado laico e, portanto, todas as instituições públicas também devem ser. Isso significa que a liberdade religiosa, inclusive a de ser ateu ou agnóstico, deve prevalecer.
A Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) reafirma que a escola deve promover a diversidade cultural, ideológica, artística e religiosa e, ao abordar temas religiosos, a perspectiva deve ser histórica, cultural e sociológica, e não como doutrinação.
Isso significa que o intuito não deve ser o de fazer os estudantes acreditarem ou aderirem a determinada religião, mas promover conhecimento, pensamento crítico, debate e questionamentos.
Cuidado, respeito, afeto e carinho são algumas das palavras que a professora usa para descrever a natureza do trabalho que é desmontar o racismo religioso que crianças e adolescentes podem reproduzir.
No artigo “Professora, posso falar sobre Exu Veludo? Palavras vivas de uma alfabetização com axé”, para o livro Narrativas Negras: Infâncias e relações étnico-raciais em contextos educativos (Editora Ayvu, 2022), a professora Ana Paula Venâncio conta mais sobre sua experiência em combater o racismo religioso na escola.
“No caso do menino que contei, a fala dele não foi desqualificada e o que ele falava não gerou em mim raiva ou vontade de mudar o que ele pensa. Entendo que ele era um menino de 6 anos, criado na igreja com esse pensamento, e o que a gente precisava fazer ali era construir conhecimento sobre uma situação que ele desconhecia. Até hoje, quando ele me vê, ele me cumprimenta com um abraço, porque nós nos respeitamos”, afirma Ana Paula.
Ela relata que o assunto costuma despertar muita curiosidade das crianças, por ser um tabu, mas também medo, incômodo e espanto, o que pede cautela por parte das educadoras.
“Muitas delas cresceram ouvindo coisas ruins sobre essas religiões e culturas, então é algo que assusta. Elas dizem que não podem falar sobre isso, como algo objetificado, que não pode sequer ser nomeado. Mas abordando aos poucos e de forma lúdica, bonita e enaltecedora, elas começam a ouvir”, continua a professora.
Ela também conta que para as crianças que são de religiões de matriz africana, quando encontram sua cultura valorizada na escola, a transformação é imensa.
“Elas são preparadas para esconder quem são para não se machucar. Então quando encontram um ambiente de pertencimento e confiança, elas se abrem, se mostram e é lindo!”, celebra Ana Paula.
A obra gratuita foi produzida por 17 crianças de diferentes quilombos brasileiros que produzem narrativas sobre o mundo dos Orixás, Inkissis e Voduns.
A série de histórias em quadrinhos conta a mitologia e as tradições orais afro-brasileiras sobre divindades e heróis ancestrais.
O livro conta a história de Kayodê que, cansado de sofrer racismo religioso na escola, encontra forças e caminhos no colo da avó.
Acompanhe a jornada de três irmãs que vão em busca de entender o que é o axé, seus vários sentidos, e as histórias sobre os povos negros.
Em tempos antigos, Ifá jogava búzios e desvendava o destino das pessoas. O livro apresenta sua história, que se tornou parte da diversidade cultural brasileira.
A obra explica a magia dos mentores e protetores da Umbanda, como Caboclos, Pretos Velhos, Exus e Pombagiras, Boiadeiros, Marinheiros e Sereias.
Uma fita colorida amarrada ao braço de uma menina, como amuleto para realizar desejos, é o fio condutor da narrativa que passeia pela Bahia e a cultura afro-brasileira.
Dez Orixás são ilustrados na obra, acompanhados de um pequeno texto de apresentação e uma palavra que resume sua essência, como força, beleza, brilho e verdade.
Acompanhe a primeira visita de Julia a um terreiro, as perguntas que a menina faz para todos e sobre tudo, e a amizade que cria com o erê Pedrinho.
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