Como trabalhar a vida e a obra de Carolina Maria de Jesus com crianças
Publicado dia 01/12/2020
Publicado dia 01/12/2020
Carolina Maria de Jesus (1914 – 1977) é uma das escritoras mais importantes do Brasil. Para as crianças, conhecer um pouco mais sobre a vida e obra dessa mulher é um caminho para a valorização de trajetórias e vivências negras no país, e traz diversas possibilidades de estudos interdisciplinares.
Jamile Menezes da Silva, professora do 4º ano do Ensino Fundamental na EMEF Professor Darcy Ribeiro, em Serra (ES), estudou a biografia da escritora e um pouco da obra Quarto de Despejo com sua turma. Refletindo sobre o percurso, ela avalia que foi relevante sobretudo por “existirem muitas Carolinas em nossas famílias”.
“É a história de uma mulher que trabalha e cuida de seus filhos sozinha, dentro de suas limitações, e que nunca deixou de sonhar. Essa representação simbólica de Carolina faz com que as crianças tenham outro olhar: eu também passo por essa condição de vida e assim como ela eu posso ir adiante. É nossa tarefa abordar questões raciais em sala de aula, porque nosso público-alvo, em sua esmagadora maioria, são crianças pretas e pardas e que precisam desse contato com a representatividade para formar sua própria identidade”, diz a professora.
Essa proposta pedagógica dialoga não apenas com a lei 10.639, que instituiu a obrigatoriedade do ensino da história e cultura afro-brasileira e africana, mas também traz diversidade para a lista de autores comumente estudados nos espaços escolares.
“Mulheres negras têm uma bagagem, uma contribuição histórica e política, que não aparece nos livros didáticos da educação básica e nem dos cursos de graduação. O movimento de trazê-las para a sala de aula surge para a sociedade entender que a história do povo preto sempre existiu e tem muito a ensinar”, afirma Jamile.
Nascida em 1914, em Sacramento (MG), Carolina foi uma mulher negra, filha de pais analfabetos, que concretizou seu sonho de ser escritora, fazendo frente ao racismo, ao machismo e à desigualdade social.
Aos sete anos começou a frequentar a escola, e aprendeu a ler e a escrever. Em 1937, mudou-se para São Paulo, onde começou a trabalhar como catadora de papel e empregada doméstica para sustentar a ela e aos três filhos, e construiu sua própria casa usando madeira, papelão e lata. Nas horas livres, registrava seu cotidiano nas folhas de papel que encontrava no material que recolhia.
É assim que nasce seu primeiro livro, Quarto de Despejo – Diário de uma favelada. A obra foi publicada em 1960, e já foi vendida em 40 países e traduzida para 16 idiomas. Após o sucesso da publicação, Carolina mudou-se para um bairro de classe média na capital paulista e publicou mais três livros: Casa de Alvenaria (1961), Pedaços de Fome (1963) e Provérbios (1963). Aos 62 anos, faleceu por uma insuficiência respiratória. Outras seis obras póstumas foram publicadas entre 1977 e 2018, compiladas a partir dos materiais deixados pela autora.
Com base no trabalho da professora Jamile Menezes da Silva, o Centro de Referências em Educação Integral preparou uma metodologia para inspirar outros educadores a levarem a vida e a obra de Carolina Maria de Jesus para suas turmas. Confira a proposta abaixo, que pode ser adaptada de acordo com o perfil das turmas, o contexto local e o objetivo do docente:
Redija um pequeno recado para as famílias contando sobre o projeto. Conte um pouco sobre quem foi Carolina Maria de Jesus, a importância de estudá-la, e os objetivos da proposta. A ideia é aproximar as famílias, para que eles também possam participar das atividades e conhecer Carolina.
Depois, faça um convite para a turma. Conte que vão estudar a vida e a obra dessa escritora e poetisa brasileira, analisá-la a partir de diferentes perspectivas e que, ao final, serão incentivados a produzir seus próprios escritos.
Conte para as crianças a história de vida da escritora, usando fotografias e mostrando as capas de seus livros publicados. O portal bibliográfico Vida por escrito tem várias informações que podem ajudar nessa pesquisa, e a Editora Mostarda também publicou uma versão para crianças e adolescentes da biografia da autora, em um livro cheio de ilustrações. “Mesmo levando a vida difícil, existia dentro de Carolina uma voz que queria ser ouvida, que queria gritar para o mundo: eu existo, essa sou eu”, diz um trecho dessa obra.
Em 15 de julho de 1955, Carolina escreveu:
“Aniversário de minha filha Vera Eunice. Eu pretendia comprar um par de sapatos para ela. Mas o custo dos gêneros alimentícios nos impede a realização dos nossos desejos. Atualmente somos escravos do custo de vida. Eu achei um par de sapatos no lixo, lavei e remendei para ela calçar.
Eu não tinha um tostão para comprar pão. Então eu lavei 3 litros e troquei com o Arnaldo. Ele ficou com os litros e deu-me pão. Fui receber o dinheiro do papel. Recebi em 65 cruzeiros. Comprei 20 de carne. 1 quilo de toucinho e 1 quilo de açúcar e seis cruzeiros de queijo. E o dinheiro acabou-se.”
Com a turma reunida, conte um pouco sobre a obra Quarto de Despejo e leiam juntos essa ou outra passagem do livro. Em seguida, pergunte para as crianças o que acharam do trecho, e permita que elas falem livremente.
Após essa apresentação inicial, convide a turma a se aprofundar nos estudos sobre a vida e a obra de Carolina. Comece promovendo um debate sobre as condições de vida de Carolina e permita que as crianças formulem hipóteses acerca das causas da desigualdade racial e social no Brasil. A partir dessa conversa, estudem juntos esses assuntos.
Também é possível abordar o tema de fontes históricas e sujeito histórico. Partindo do fato de que Carolina nasceu em uma área rural e depois morou em favelas e na cidade, é viável discutir paisagens humanizadas e naturais e questões de infraestrutura e saneamento básico.
Também vale abordar o sistema monetário, pesos e medidas, e discutir o termo favela, que vem de uma planta medicinal da Caatinga, bem como trabalhar o gênero diário, interpretação de texto, conteúdos de gramática e a variação linguística. O estudo abre espaço, ainda, para falar sobre projetos de vida e os sonhos que as crianças têm para seu futuro, assim como olhar para o passado, a partir das trajetórias de vida pessoais e familiares.
Para finalizar os trabalhos, peça que os estudantes falem um pouco sobre o percurso de estudo de Carolina Maria de Jesus. Instigue-os a falar o que acharam mais interessante, o que gostariam de estudar mais e o que não gostaram.
Depois, convide-os a escreverem seus próprios diários. A atividade não precisa valer nota e nem ser entregue ao professor, a não ser que o estudante deseje. Reforce que o objetivo é que naquelas folhas de papel eles possam se expressar livremente. Outra possibilidade é sugerir que as crianças entrevistem pessoas de suas famílias ou da comunidade e façam esse registro escrito de suas trajetórias de vida.
Se porventura algum estudante quiser que o educador leia o diário, lembre-se da confidencialidade e de que o objetivo não é promover uma correção gramatical dos escritos, mas compartilhar vivências e sentimentos.
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