Como cultivar o “ciclo da motivação” entre os alunos

Publicado dia 10/04/2018

Por Julia Andrade

Aprendizagem é resultado do pensamento. Quanto mais este último envolve sensibilidade, habilidade e motivação, mais aprendemos. Logo, se queremos que os estudantes aprendam, é preciso que eles pensem com autonomia sobre o que queremos que conheçam.

Rhonda Bondie é professora da Faculdade de Educação de Harvard e esteve em São Paulo, em março, para a 4ª Conferência de Educação da St. Paul’s School, que reuniu especialistas de diversas partes do mundo para discutir a necessidade de promover um ambiente feliz, seguro e estimulante para que ocorra a aprendizagem dos alunos.

Essa é a máxima pedagógica que norteia 50 anos de pesquisas do Project Zero, da Harvard Graduate School, a qual está associada a professora Rhonda Bondie. Depois de atuar 20 anos na escola pública, Rhonda passou a pesquisar estratégias didáticas para engajar e garantir a aprendizagem equitativa e inclusiva para todos por meio das chamadas estratégias de diferenciação pedagógica.

A professora, que hoje atua com formação de professores e em programas de desenvolvimento profissional em escolas públicas americanas de Ensino Fundamental II e Médio, discorda do discurso que afirma que o grande problema dos alunos é a falta de motivação.

Para ela, todos nascemos motivados e curiosos para aprender – potencial que permanece ao longo de toda a vida. No entanto, a rasa compreensão sobre os fatores que influenciam a motivação dificulta a criação de um ciclo de aprendizagem que se retroalimenta. “A pergunta chave é: por meio do ensino, estamos permitindo que os próprios alunos conheçam e manejem sua motivação em aprender?”, diz.

O ciclo da aprendizagem

Baseando-se em conceitos da Psicologia Cognitiva e da Neurociência da Motivação, Rhonda resume sua pesquisa a uma simples equação:

Motivação = autonomia + pertencimento + capacidade + relevância

Em inglês, ABC+M, onde A = autonomy, B = bellonging, C = competency e M = meaningfulness.

Ou seja, todos nos sentimos motivados quando fazemos algo:

1) por meio do qual exercemos nossa autonomia;
2) dentro de nossa capacidade;
3) relevante para nós;
4) que nos faz pertencer a um campo de experiências e valores com sentido.

Por essas razões, a motivação se mostra intimamente ligada à auto-regulação. Isto é, o indivíduo se motiva quando reconhece essa fórmula e maneja seu próprio aprendizado em um ciclo reiterativo que pode ser desmembrado nos seguintes passos:

1.Conhece ou planeja um objetivo claro
2. Monitora suas ações para alcançar esse objetivo
3. Controla ou maneja ferramentas para melhorar sua ação
4. Reflete sobre como está se saindo no processo
5. Revê seu objetivo
6. Monitora suas ações e assim sucessivamente (retornando ao ponto 1)

Papel do professor

Nesta perspectiva, os professores têm o papel de ajudar os estudantes a pensarem sobre seu próprio aprendizado. Amparando-se no livro “Creating Cultures of Thinking: The 8 Forces We Must Master to Truly Transform Our Schools” (2015), de Ron Ritchhard, pesquisador colega do Project Zero, a especialista pontua e analisa oito forças que atuam em toda sala de aula:

Expectativas: o que esperamos dos nossos estudantes? Que objetivos de ensino seleciono? Sei nomear critérios claros para expressar e monitorar minha expectativa como um objetivo de aprendizagem? É preciso foco para que os estudantes direcionem e canalizem seus esforços.

Oportunidades: por meio de quais oportunidades ou tipos de aprendizagem os estudantes canalizam seus esforços e alcançam os critérios que escolhemos? Quais tipos de conteúdos oferecemos? Leitura e resolução de problemas em livros didáticos? Leitura de outros textos (científicos, literários, cotidianos, etc.)? Experimentação mão na massa? Investigações fora da sala de aula? Pesquisa no território? Que tipos de conteúdos valorizamos: apenas os conteúdos intelectuais e cognitivos, ou também práticas sociais, produções culturais, capacidades físicas e disposições emocionais?

Tempo: o tempo disponível para experimentar, dialogar, refletir e se expressar permite verdadeiras experiências de aprendizagem? As aulas são agrupadas em tempos possíveis para aprender o que queremos que os estudantes aprendam?

Interações: que tipos de interações entre alunos e alunos-professores estamos fomentando? Quantas formas de interação experimentamos no dia a dia da classe: escuta, argumentação, questionamento, escrita, leitura? Práticas individuais, práticas em pequenos grupos; práticas alternadas em grupos grandes e pequenos?

Rotinas: as rotinas e estruturas de nosso dia a dia estão organizadas de modo a construir hábitos e disposição para aprender. São, portanto, a base para a formação de hábitos de pensamento e competências transversais às disciplinas. Como desenvolvemos as rotinas de sala de aula: em grupos pequenos, grandes ou individualmente? Elas se repetem intencionalmente em diferentes aulas e momentos do dia do alunos de forma a materializar em hábitos os objetivos de aprendizagem que queremos atingir?

Comportamento: que modelos de comportamento valorizamos no dia a dia? Mais do que conseguimos nomear ou declarar como valor, o que de fato fazemos e valorizamos em nossos gestos? Que valores são, de fato, reforçados em nossas práticas rotineiras na escola? Em quais tipos de ações, nós, adultos, demonstramos valores (paixões, repulsas, afetos em geral)?

Linguagem: que tipo de vocabulário e linguagem utilizamos? Se queremos que os estudantes ampliem seu repertório e pensem cientificamente, estamos oralmente manejando esse vocabulário nas múltiplas interações?

Ambiente: o que os espaços físicos da escola ensinam? Estão limpos, organizados, com regras visíveis e compartilháveis? O cuidado e uso dos diferentes espaços é um valor comum, respeitado por todos? Que tipos de oportunidades de aprendizagem os espaços da escola trazem? Há oferta de materiais para brincar, para estudar e para criar disponíveis para o uso autônomo das crianças e dos jovens?

Como aplicar as oito forças nas salas de aula brasileiras

Fazendo um paralelo com a realidade educacional brasileira, Rhonda diz que para que os professores possam assegurar os direitos de aprendizagem definidos na Base Nacional Curricular Comum (BNCC) é necessário que saibam organizar claramente seus objetivos de ensino e consigam controlar de modo criativo e efetivo, com intencionalidade pedagógica, todas essas oito forças que atuam nas salas de aula.

Essas  forças sempre atuam na definição do tipo de cultura que se consolida na escola, dentro e fora da sala de aula. Por isso é tão importante refletir sobre todas elas e garantir que a intencionalidade consciente prevaleça sobre os automatismos na construção de hábitos de pensamento, de expressão, de comportamento e de tipos de interações que ocorrem na escola.

Ainda segundo a pesquisadora de Harvard, os maiores princípios do desenho do currículo de cada área devem ser: clareza de objetivos, acessibilidade e inclusão, rigor pedagógico e científico e relevância social e pessoal naquilo que escolhemos ensinar.

Se temos clareza e rigor sobre por quê, como, o quê, onde e quando ensinar (gerar oportunidades) e avaliar (colher evidências), podemos tornar visível a cultura escolar que queremos preservar e transmitir. Com a escuta dos estudantes, com a abertura às suas experiências e aos seus territórios de pertencimento, podemos então trazer o sentido do aprender e a motivação para aprender ao primeiro plano.

Professores e os tipos de ajuda dada aos alunos

A pesquisa de Rhonda também se debruça sobre os tipos de ajuda que o professor pode oferecer aos estudantes e as diferentes estratégias para atender os extremos, isto é, aqueles alunos que têm mais dificuldade e aqueles que têm mais facilidade.

No seu último livro, “Differentiated Instruction Made Practical: engaging the extremes through classroom routines” (2018), indica rotinas que ajudam o professor a manejar as 8 forças que operam em sala de aula e a atender a necessidade de todos e de cada aluno.

É comum que o professor, muitas vezes querendo ajudar, acabe conduzindo e mesmo fazendo a tarefa pelo estudante. Rhonda explica, então, que as ajudas podem ser:

  • apoios;
  • suportes;
  • ou extensões do próprio esforço de aprendizagem do estudante

Usando a imagem de uma aula de natação, Rhonda exemplifica: apoio é como uma pequena boia ou prancha que usamos apenas apoiando as mãos para fortalecermos as pernas. O estudante tem que nadar, mas com a ajuda de um apoio para desenvolver e fortalecer partes de sua atividade.

No suporte, por sua vez, a ajuda dada ao aluno substitui grande parte do seu esforço. Na imagem da piscina, é como se usasse uma boia grande ou um colete salva vidas, em que o próprio equipamento faz o aluno flutuar e lhe poupa o esforço da natação.

Na extensão, a ajuda amplia as possibilidades do estudante, oferecendo-lhe ajuda individualizada e, assim, atendendo uma necessidade especial. Na metáfora, é como se o professor oferecesse máscaras e snorkel para mergulho aos alunos que podem ir mais fundo ou uma piscininha rasa para quem precisa de mais atenção.

*Colaborou Thais Paiva

Escola

Como planejar trabalhos em grupo que sejam de fato colaborativos

As plataformas da Cidade Escola Aprendiz utilizam cookies e tecnologias semelhantes, como explicado em nossa Política de Privacidade, para recomendar conteúdo e publicidade.
Ao navegar por nosso conteúdo, o usuário aceita tais condições.