Nos Estados Unidos, coalizão monitora e qualifica parcerias escola-comunidade
Publicado dia 09/12/2014
Publicado dia 09/12/2014
“É muito comum ouvirmos no mundo inteiro, e não apenas no Brasil e nos Estados Unidos, a ideia de uma educação de qualidade, alta qualidade. Mas, definir o que isso significa ainda é um desafio para organizações sociais, instituições de ensino e para a própria academia e governos.”
Foi com esse pressuposto, explicado por Jessica Donnor, que nasceu nos Estados Unidos a Every Hour Counts, uma coalizão de diferentes organizações sociais para qualificar e aprimorar o trabalho de contraturno escolar realizado por instituições e ONGs locais. Chamadas de “After school Programs” [Programas para depois da escola], estas iniciativas têm como objetivo apoiar o trabalho desenvolvido pelas escolas, ampliando o repertório sócio-cultural dos educandos e oferecendo atividades personalizadas que respondam as suas necessidades e interesses.
Com conexão direta ao que propõe a educação integral – na corresponsabilização da escola e da comunidade no processo educativo dos indivíduos – os estudos e metodologias sistematizadas pela coalizão podem apoiar escolas e organizações brasileiras a melhor trabalharem juntas, oferecendo insumos, inclusive, ao Mais Educação.
Com o mote “Expandindo oportunidades de aprendizagem para que todos os estudantes tenham sucesso”, a coalizão atua apoiando escolas e organizações locais para qualificar os programas educativos de ambas instituições, fortalecendo sua integração e atuação conjunta.
Para tanto, a Every Hour Counts mapeia práticas ao redor dos Estados Unidos e trabalha em rede com organizações afiliadas de mediação e gestão de programas do tipo “After school”. Como uma espécie de polo sistematizador e multiplicador das práticas, a coalização apoia a parceria escola-comunidade em quatro eixos complementares: planejamento, execução, monitoramento e avaliação.
Priorizando comunidades em que há maior vulnerabilidade social, a proposta atua a partir de práticas replicáveis, que funcionem em diferentes realidades culturais e possam ser disseminadas pelas próprias organizações e escolas em seus territórios.
Para Jessica, diretora da Every Hour Counts, é fundamental entender que as realidades e composições socioculturais do território são partes primordiais da parceria e, que, portanto devem não apenas ser respeitadas, mas compor a estrutura dos programas e atividades conjuntas.
Para monitorar e aferir a qualidade de um programa de After-school, a Every Hour Counts trabalha com a formação de avaliadores, que vem de organizações parceiras ou financiadoras, mas os instrumentos de avaliação são compartilhados e estão disponíveis para serem utilizados por qualquer pessoa. As organizações locais, por exemplo, fazem seus próprios processos de avaliação, mas também utilizam os indicadores e métodos da coalizão. E a proposta é justamente essa: partir de um conceito acordado de qualidade, se trabalha conjuntamente para alcançá-lo.
Entre os indicadores pactuados, estão:
– relevância do currículo e das atividades ofertadas para a faixa etária do educando, buscando que as atividades sejam estimulantes e mantenham o educando interessado, desafiem o que ele já sabe e partam dos conhecimentos que ele já tem;
– relações positivas entre educandos e corpo de funcionários, destacando, inclusive, que os jovens tenham papel protagonista na instituição, assumindo responsabilidades e participando da gestão do equipamento, especialmente na parte pedagógica;
– apropriação do território e do cenário de vida dos educandos por parte da equipe, garantindo diálogo e espaço de confiança para que as crianças e jovens possam falar livremente de suas realidades;
– diversidade de oportunidades educativas, capazes de dialogar com as aprendizagens escolares, mas, acima de tudo, capazes de expandir linguagens, ferramentas e o repertório cultural do educando;
– garantir que estas funcionem em ritmos e tempos apropriados para a forma com que cada estudante aprende, como por exemplo, atividades mais curtas e inter-relacionadas para os mais jovens e projetos mais densos e com maior possibilidade de escolha, que requeiram mais tempo e maior reflexão e debates coletivos para os mais velhos.
Os indicadores são mensurados a partir de uma ferramenta de observação chamada Youth Program Quality Instrument [Instrumento de Qualidade de Programas para a Juventude], que é gratuita. “Por ser validado, este instrumento diminui a subjetividade do avaliador e nos possibilita comparar programas, entender cenários municipais, estaduais e até nacionais, compreendendo onde estão as maiores dificuldades, se elas são compartilhadas entre organizações”, afirma Jessica.
Para a diretora do Every Hour Counts, a avaliação não pode ser um instrumento pró-forme ou para criticar o trabalho de organizações. A ideia, ao contrário, é trabalhar com leituras que fortaleçam o trabalho dos educadores e efetivamente respondam aos anseios e necessidades dos educandos. Nesse sentido, Jessica afirma que os maiores avaliadores são as próprias crianças e jovens. “Perceber o que eles trazem é o maior indicador: se eles faltam isso, tem que ser olhado; se há evasão, isso acontece por um motivo; se há brigas ou conflitos, isto nos apresenta questões que precisam ser olhadas”, justifica.
Como exemplo, ela lembra de um jovem que disse que não andaria meia quadra para um programa mais ou menos, mas andaria um quilômetro para um programa de qualidade. “Eles definem qualidade o tempo todo e as escolas e organizações precisam estar atentas a isso.”
Para tanto, como outra de suas ações, a Every Hour Counts atua em formações com equipes de escolas e organizações e defende que essas podem aprender muito umas com as outras. Como produto dessas atividades formativas, realizadas em diferentes formatos de acordo com a cidade ou público em questão, a coalizão sistematizou 10 pontos encontrados em parcerias de qualidade entre escolas e organizações sociais. Veja abaixo:
1. Encorajar a autonomia e protagonismo: organizações e escolas devem dar voz aos estudantes, incentivando que sejam autores desta relação, dos seus projetos e aprendizagem.
2. Planejar para uma colaboração efetiva, garantindo espaço para que haja interação concreta entre as instituições. É fundamental que todos possam perguntar e propor, tirando dúvidas e pensando juntos sobre situações que lhes são comuns: é imprescindível que seja dito o que um espera do outro.
3. Desenvolver uma divisão corresponsabilizada, partindo das forças e expertises de cada instituição. É importante que as organizações sejam corresponsáveis em suas linhas de trabalho, entendendo o desenvolvimento do estudante como objetivo de convergência das ações.
4. Estabelecer papeis claros para as instituições: cada um precisa saber exatamente o que e quando desenvolver sua atividade, bem como o respeito aos valores e protocolos de cada parceiro.
5. Formar os colaboradores em atividades integradas, fazendo uso dos espaços que já existem nas instituições ou construindo novos. As discussões afetam escola e organização que, juntas, compõem essa rede de proteção e formação dos estudantes.
6. Reunir e integrar as equipes das escolas e das organizações locais nas atividades pedagógicas, tanto na concepção, quanto na execução e avaliação das mesmas.
7. Dividir as responsabilidades pelo que foi desenvolvido: escolas e equipamentos da comunidade têm que pensar juntos, e com os educandos, se os objetivos das ações foram cumpridos, segundo o que todos estavam esperando e haviam acordado.
8. Engajar os líderes certos: para efetivamente alcançar os objetivos, é preciso alcançar uma liderança coletiva e plural, capaz de reunir diferentes campos de atuação – na escola, na comunidade e no poder público. O trabalho de parceria entre a escola e a organização tem que ser uma causa coletiva, pactuada com a comunidade local.
9. Buscar ajuda para encontrar fontes diversificadas de financiamento: buscar parceiros mediadores na comunidade é fundamental para que ambas – escola e organização – consigam financiamento, juntas, para seus projetos e atividades. Prever voluntários em legislação e em aprovação de projetos é uma forma de corresponsabilizar pessoas da comunidade que não necessariamente participam do desenho pedagógico das ações.
10. Acessar ferramentas produzidas por movimentos, organizações e escolas que já atuam em parceria, buscando aprender a partir do que já foi testado e sistematizado, e, ao mesmo tempo, ter espaço para criação e desenvolvimento de novas propostas e iniciativas.