Escola em Lajedo do Tabocal (BA) conecta o currículo ao território com agricultura familiar
Publicado dia 07/10/2024
Publicado dia 07/10/2024
🗒️ Resumo: A Escola Municipal Antônio Carlos Magalhães, em Lajedo do Tabocal (BA), voltou seus olhos para o cotidiano das 73 crianças e adolescentes de Ensino Fundamental atendidas em tempo integral e desenvolveu projetos de agricultura familiar e de denúncia do racismo e injustiças sociais.
No povoado do Peixe, na região rural de Lajedo do Tabocal (BA), a agricultura familiar é um dos principais trabalhos exercidos pela população. “Por que não trazer isso para a escola?”, questiona a professora Ivana Meira Silva de Carvalho, que leciona a área de Natureza, Sociedade, Cultura e Tecnologia para os Anos Finais do Ensino Fundamental.
Leia + 4 dicas para aproximar currículo e território
Com suas turmas de 8° e 9° ano, começaram a estudar sobre agricultura familiar, sua origem e presença no território. “Depois, levamos eles ao campo para dialogar com as pessoas, conhecer mais a fundo suas práticas e valorizar estes pequenos produtores, que são importantes para a economia local, a segurança alimentar e uma alimentação mais saudável”, diz Ivana.
Nas visitas, os agricultores ensinaram para os adolescentes sobre as formas de cultivo, como faziam para não utilizar agrotóxicos, as épocas de plantio e colheita, e as especificidades de cada planta.
“Muitos deles já ajudam a família na roça, mas indo com a escola, em um projeto com intencionalidade pedagógica, pudemos associar esses saberes aos conhecimentos curriculares. Foi uma troca muito interessante entre famílias e escola, entre currículo e a vida local”, observa a professora.
O projeto engajou tanto os estudantes que eles quiseram ampliá-lo e criaram o jornal “Agricultura familiar: valorizando o produtor rural” para distribuir na comunidade. “Esse foi o nome escolhido pelas turmas, que trouxeram muitas falas de orgulho deste lugar. Então conseguimos promover a valorização cultural e de práticas ancestrais”, comemora Ivana.
As ações não pararam por aí. Agora, as turmas desenvolvem cordéis para homenagear os agricultores, que serão recebidos em uma festa na escola no final do ano com a leitura destas produções dos estudantes.
“Queremos dar um retorno para estes agricultores que nos receberam com tanto carinho. Vamos trazer um técnico agrícola para dialogar com eles e apresentar os cordéis das turmas, outra forma de também homenagear a cultura nordestina”, diz Ivana.
A aproximação com o território e com as demandas reais das pessoas que circulam pela escola é central para a EM Antônio Carlos Magalhães. A unidade desenvolve, por exemplo, um projeto de Educação de Jovens e Adultos itinerante, em que professoras vão até a casa ou local de trabalho dos jovens, adultos e idosos.
São pessoas que querem estudar, mas não têm condições de se locomover todos os dias até a escola por causa de suas longas jornadas de trabalho e ausência de boas políticas de transporte público e mobilidade.
Com boa parte de seus estudantes e familiares enfrentando diariamente as consequências do racismo e das desigualdades estruturais, a escola também se volta para estes temas.
A professora Ana Clara Sousa do Nascimento, que orienta o componente curricular de Expressões Artísticas para o 8° e 9° ano, notou que seus estudantes gostavam especialmente do grupo Racionais MC’s e começou a conversar com eles sobre as letras das músicas.
Juntos, estudaram “Diário de um Detento”, que retrata o trágico massacre no Carandiru, e outras músicas que fazem denúncias sociais, como “Jesus Chorou” e “A Vida é Desafio”. Também assistiram a documentários sobre Carandiru, entrevistas com pessoas presentes no dia da tragédia, e criaram ilustrações das músicas.
Inspirados pelas produções, as turmas começaram a escrever seus próprios poemas. O tema era livre, mas os estudantes escolheram escrever sobre racismo, violência contra a mulher, preconceito, escravização e outras injustiças sociais que eles vivem cotidianamente ou que os comoveu.
“A luta antirracista apareceu com força nessa escrita compartilhada entre mim e os estudantes. Em duplas, pequenos grupos, e até sozinhos, foram escrevendo, trocando, fazendo juntos, e demos origem a 23 poemas”, conta a professora.
As obras foram reunidas no livro “O espetáculo da vida: viver entre o sonho ou a dura realidade da sobrevivência” e apresentadas em um Café com Poesia, com a participação das famílias.
“Os pais se comoveram muito e os estudantes estavam empolgados em ensinar sobre esses temas para eles. Percebo que o problema de escrita dos estudantes diminuiu, seu repertório sociocultural aumentou e que eles gostaram de usar a escrita deles para ampliar a voz de pessoas marginalizadas”, diz Ana Clara.