EMEF Professor Enzo Antonio Silvestrin: por uma educação emancipadora
Publicado dia 01/10/2018
Publicado dia 01/10/2018
Por Thais Iervolino. Texto publicado originalmente no Movimento de Inovação na Educação
O ano era 1891 quando foi inaugurada a estação de trem Taipas, mais conhecida como Parada de Taipas. A estação, que ligava São Paulo a Jundiaí, foi assim chamada por ser um posto de passagem de tropeiros e do grande número de casas feitas de taipa que ali existiam.
Atualmente, 127 anos após a inauguração da estação que lhe deu o nome, o bairro já não conserva suas casas originais. A rota de tropeiros se transformou em uma região com quase 170 mil pessoas, cerca de 20 equipamentos de saúde e 20 escolas entre públicas e privadas.
Uma dessas escolas é a Escola Municipal de Ensino Fundamental (EMEF) Professor Enzo Antonio Silvestrin. Um dos equipamentos mais novos do bairro, a escola nasceu em 2001 como uma escola de latinha e, assim como Taipas, vem se transformando. Pouco a pouco, constrói experiências de uma educação inovadora com estudantes, professores e técnicos da instituição, por meio de princípios como o da gestão democrática.
“Vir para cá foi um projeto de vida. Não foi somente um plano de se trabalhar em uma escola. Eu e os dois assistentes da escola queríamos construir um trabalho na perspectiva de uma educação que tivesse uma potência emancipadora, não apenas para as crianças, mas para os professores também. Achamos que uma escola cheia de regras não faz bem a ninguém e nossa projeção era promover o diálogo. Então, pelo tamanho da escola e região onde fica, escolhemos vir para a EMEF Professor Enzo Antonio Silvestrin”, conta Sandra Regina da Silva Brugnoli Bouças, diretora da escola.
Tendo trabalhado como professora de história e inspetora de alunos de escola pública, Sandra escolheu trabalhar na EMEF logo após ter passado no concurso para direção. “Eu não moro aqui, mas quando eu fui chamada no concurso da direção, viemos eu e mais dois assistentes, que trabalhavam comigo na Diretoria Regional de Ensino. Acordamos de vir para uma escola e construir um processo curricular. Escolhemos essa escola porque ela fica aqui em Taipas e a gente conhece os equipamentos públicos, o histórico do território, outros diretores. Tudo isso nos ajuda a construir um movimento de educação mais amplo, em conjunto”, conta.
Mesmo antes de iniciar seu trabalho na escola, Sandra se aproximou dos coordenadores pedagógicos. “Logo depois da escolha, a primeira coisa que fizemos foi tentar se aproximar dos dois coordenadores que aqui estavam, em dezembro de 2016. Disseram que poderíamos sofrer resistência dos professores, já que a direção escolar mudava muito. Então, viemos com a sensação de que seria difícil construir esse projeto”, conta Sandra.
A resistência, porém, não aconteceu. “Ficamos surpresos com a forma como eles [professores] foram receptivos. Isso não significa que 100% abrace a escola, mas vimos que as pessoas estavam dispostas a pensar em uma possibilidade de fazer algo diferente do que estávamos acostumados a fazer”, diz.
O início do trabalho foi marcado com o debate e discussão para pautar gestão democrática. “Partimos do conceito de que na gestão democrática há uma corresponsabilidade nas tomadas de decisão e no dia a dia da escola e não uma centralidade. Debatemos a questão, mas qual é a representação que as pessoas têm sobre a gestão democrática?”, questiona.
Ela explica que ao construir um modelo de gestão democrática, as crianças da escola começaram a tomar o lugar da centralidade. Nesse sentido, todos possuem autonomia e responsabilidade na construção da escola que querem.
A gestão é acompanhada por uma pesquisadora da área de Psicologia que, durante as assembleias da escola, analisa os mecanismos democráticos e dá um retorno para todos os funcionários.
Para a diretora, a falta de centralidade da direção gerou uma sensação de “baderna”. “Nossa gestão não pune, acredita na liberdade de todos e só intervém se houver violência. Dessa forma, pessoas acostumadas com ordem achavam que aqui era um caos. Hoje a maior dificuldade, maior desafio enfrentado, é desconstruir a ideia da necessidade de uma punição”, explica ela.
Além da gestão, a escola tem transformado seu currículo. Cada ciclo possui uma proposta curricular específica: do 1º ao 3º (Ciclo de Alfabetização), do 4º ao 6º (Ciclo Interdisciplinar), e do 7º ao 9º ano (Ciclo Autoral).
De acordo com Sandra, cada ciclo trabalha um tema. O da alfabetização é focada na questão do território; o interdisciplinar, nas descobertas e o autoral, nas raízes, na busca da identidade. “Nosso objetivo é que, ao final do Ensino Fundamental, o estudante seja autor. Isso não significa que ele só será autor apenas ao final. Temos, por exemplo, um aluno do 6º ano que fez o lançamento do seu livro, por meio de uma parceria da escola com a comunidade”, diz.
Além das aulas por áreas, no contraturno, a escola desenvolve mais de 40 projetos com os estudantes. “Eles possuem os mais diversos temas e contam com a participação até de professores de outras escolas. Temos muito o que caminhar, mas estamos construindo o dia a dia, fazendo, experimentando, avaliando”, conta.
Transformação estrutural: da escola de latinha ao prédio recém-reformado
Contudo, esse projeto não diz respeito somente a mudanças pedagógicas. Ele é fruto também de questões estruturais, concretas. Com 988 estudantes, a escola foi uma das 54 escolas de latinha instaladas em contêineres metálicos, alegadamente em caráter emergencial, para atender à demanda em São Paulo. Somente em 2005 foi construído o prédio em alvenaria.
Porém, o edifício sentiu também as consequências de uma constante mudança de gestão da escola. “Quando a gente chegou aqui, a escola estava totalmente destruída. É um prédio jovem, mas por mudar muito a direção, não conseguia ter um planejamento de manutenção. Havia banheiros fechados, o piso estava todo quebrado”, relata Sandra.
Sem dinheiro para fazer uma reforma geral, a direção conseguiu verba para arrumar algumas áreas com piso de cimento queimado, que era mais barato. “Quando a obra terminou, algumas crianças disseram para mim, ‘olha, a gente não gostou. Isso está parecendo um chão de cadeia”.
Sandra continua: “Como que o aluno se identifica com uma escola feia, que depois da reforma, ficou horrível? Foi quando entramos em contato com a DRE, que nos deu financiamento para reforma de apenas uma sala”, revela.
Somente em janeiro deste ano, eles conseguiram reformar toda a escola, por meio de uma parceria entre a secretaria de Obras e a de Educação. “Demorou uns quatro meses para acontecer, mas sem isso não conseguiríamos arcar com uma obra de custou mais de R$ 650 mil. Agora temos praticamente uma escola reinaugurada”, conta.
Toda essa transformação vivida na escola contou com o apoio de redes de educação. Sandra conta que ela começou a se aproximar primeiramente da Rede Nacional de Escolas Democráticas.
“Soube da existência dessa rede por meio de uma professora da PUC. Inicialmente fazia parte do grupo do Facebook até que fui a uma reunião presencial. Achei o encontro maravilhoso, um espaço onde não precisei justificar o porquê de querer construir um projeto de educação democrática e emancipadora”, explica.
Ela conta que muitas vezes duvidou se estava no caminho certo. “É tanto questionamento que a gente fica pensando se o que está fazendo está errado. Ali, naquele lugar, eu saí segura do quanto é necessário haver espaços que possibilitam encontro com outras pessoas que acreditam nas mesmas coisa, que estão na mesma luta.”
A partir dessa rede, a escola começou a fazer parceria com o território e com faculdades. Em setembro foi sede da Conferência Nacional de Alternativas para uma Nova Educação (Conane) Paulista.
“Realizar este encontro não representa apenas uma reunião de pessoas. É resultado de um envolvimento de toda a comunidade escolar, de todos os segmentos, inclusive das crianças que até o dia anterior nos ajudaram a arrumar o espaço. Para nós, poder realizar o encontro aqui é muito importante porque traz todos os temas abordados para o território. A gente tem aqui a representação de muitas escolas e isso abre a possibilidade de aumentar o diálogo, de trazer essa energia para dentro da escola a serviço de uma educação de qualidade, democrática”, explica Sandra.