Educação Integral apoia escola de Ilhabela a enfrentar desafios gerados pela pandemia
Publicado dia 28/07/2020
Publicado dia 28/07/2020
Um jornal para a comunidade, um projeto de economia solidária com os moradores do bairro, a escuta dos professores e das famílias, e a prioridade à garantia de direitos dos estudantes. Essas foram algumas das ações promovidas durante a pandemia por uma escola pública de Ilhabela, no litoral norte de São Paulo, mobilizando princípios caros à Educação Integral, como a gestão democrática, o trabalho colaborativo e a articulação intersetorial com o território. “Já temos algumas ações que têm sido exitosas, e sabemos que precisamos continuar trabalhando nelas, aprimorando. Não pode ser algo dado como consolidado.”, ressalta Alexandre Bastos, diretor do Polo de Educação Integrada de Ilhabela (PEII) Itaquanduba, que atende 124 crianças do Ensino Fundamental I.
A ligação entre a escola e a educação integral data de sua fundação, em 2017, e pauta todas as ações da equipe. Assim, no começo da pandemia, quando o diretor e o coordenador pedagógico apresentaram um plano de como conduzir as atividades remotas durante o período de isolamento social, com base nas orientações estaduais e municipais, os professores reagiram. Acostumados ao diálogo, propuseram que uma nova versão fosse elaborada, dessa vez com participação de todos. “Meu papel na escola é justamente esse, de escutar, de tentar captar as angústias, juntar os pontos, e oferecer as condições para que todos possam trabalhar da melhor forma possível”, conta o diretor.
À época, por parte dos educadores prevaleciam os receios em relação à nova forma de ensinar, tão distante uns dos outros, e mediados por tecnologias digitais que nem todos dominavam. Com o começo das aulas remotas, uma nova preocupação: os alunos não estavam retornando as atividades e interagindo com os professores. “A gente se sentia impotente e frustrado, dando o nosso melhor, mas não atingindo quase ninguém”, relata Gabriela Salgueiro, uma das educadoras da escola.
A solução foi reunir a equipe inteira uma vez mais e redesenhar o planejamento novamente. Para o diretor Alexandre, essa falta de retorno ocorreu porque estavam focando demais nas atividades pedagógicas enquanto as famílias vivenciavam o aumento das situações de vulnerabilidade. Assim, uma professora sugeriu um projeto de economia solidária, outra queria desenvolver gincanas e atividades para as crianças se sentirem desafiadas. Também lembraram sobre o cuidado com a quantidade de horas de trabalho dos docentes. “E eu trouxe a questão de escuta das famílias. Acho que a partir daí todo mundo, professores e famílias, se sentiu mais acolhido”, relata Gabriela.
Enquanto a professora podia contar com os gestores para planejar seu trabalho, o mesmo acontecia com o diretor e o coordenador pedagógico, amparados pela relação próxima com a Secretaria de Educação do município, e com a criação de um grupo de trabalho virtual, o Diálogos Solidários entre Redes, uma iniciativa do Centro de Referências em Educação Integral que, desde o início da pandemia, passou a reunir redes de Educação e professores de todo o Brasil para construir coletivamente caminhos e soluções.
“Não fazemos nada sozinhos. O apoio da Secretaria e aprender com outras redes no Diálogos são coisas muito importantes para nosso processo”, destaca Marcel Lima Cavalcanti, coordenador pedagógico do PEII Itaquanduba.
A partir dessas reuniões e planejamentos, também com base no que a escola já tinha estruturado para o ano, a equipe aprimorou sua atuação. Para alcançar a todos os estudantes, recorreram à lista telefônica do posto de Saúde. E para atender às crises de ansiedade e angústias dos professores, a Secretaria disponibilizou sua equipe de psicólogos para atendimento individual dos educadores e demais funcionários, assim como rodas de conversa online para falar sobre saúde emocional.
“Buscamos sempre cultivar a empatia com essas famílias”, explica Alexandre.
A escola também enfatizou a escuta ativa das famílias para saber como as crianças estavam vivendo esse período, entender o que precisavam, como direitos básicos de alimentação e condições de saúde, e planejar como poderiam acionar outros setores da prefeitura para garantir esses direitos.
Já em relação às atividades pedagógicas, priorizaram as que se relacionassem à rotina e às atividades da família, mostrando aos pais e mães a importância desses momentos, além de fomentar brincadeiras direcionadas ou livres. “Buscamos sempre cultivar a empatia com essas famílias”, explica Alexandre.
Em fevereiro desse ano, a escola recebeu a comunidade com uma festa. De um lado, usavam a cozinha para ensinar e aprender culinária. De outro, faziam doações e trocas de roupas e brinquedos. “Aí veio a pandemia, e tivemos que catalisar as ações que tínhamos com a comunidade cada vez mais, porque os problemas que tínhamos também ficaram mais marcados”, avalia Alexandre.
Foi assim que deram início ao projeto de economia solidária, que busca fortalecer no bairro a troca de serviços e produtos por meio de um aplicativo para celular que está em desenvolvimento. “Também estamos em contato com o SEBRAE para promover a formação dessas pessoas”, explica Marcel.
Por que Sankofa? Conforme explica a primeira edição do jornal, trata-se de um símbolo africano que representa a ideia de aprender com o passado, para compreender o presente e construir o futuro.
A escola criou, ainda, o Sankofa, um jornal quinzenal que começou a circular pelo bairro em 20 de junho. Com histórias da comunidade e seus moradores, curiosidades sobre o nome dos morros ao redor, receitas, atividades para as crianças, e sugestões de filmes e livros, a publicação tem por objetivo estender para além do muro das escolas a abordagem de temas como feminismo, racismo e negritude, e o resgate da identidade da comunidade, além de servir como ferramenta para a alfabetização e estimular o hábito da leitura em todos.
“Na semana em que lançamos a primeira edição, ocorreu um feminicídio na Ilha, e isso abalou muito a cidade de forma geral. Então lançamos uma edição extra, entrevistando o Conselho da Mulher, para gerar essa discussão”, relembra Marcel.
Para conduzir a reabertura das escolas, a rede de Educação criou em julho um comitê intersetorial de planejamento, do qual o diretor do PEII faz parte. A partir do que é discutido no grupo, Alexandre compartilha com sua equipe e abre espaço para dúvidas e sugestões.
Até agora, a escola já definiu que vão adotar medidas como instalação de lavatórios, uso obrigatório de máscaras na escola, bem como estratégias para garantir o distanciamento entre os estudantes, como o atendimento de um número reduzido de crianças. Além disso, vão priorizar avaliações individuais e que sejam uma oportunidade de formação, e não apenas para dar notas.
Com a orientação da equipe de psicólogos da rede, também haverá um momento para acolher e ouvir os professores e, depois, os estudantes. Só então as atividades pedagógicas poderão ser retomadas. “Nós nos encontramos no momento mais delicado da pandemia. A reabertura traz muitas dúvidas, queixas e estresse emocional. Precisamos cuidar disso, porque se essa base não estiver sólida, nada mais vai funcionar”, diz Marcel.
*A fotografia foi feita antes do começo da pandemia, por isso as crianças estão sem máscara.