CIEI Serra Grande: como nasce um PPP redigido a várias mãos e com base nos saberes locais?
Publicado dia 27/01/2021
Publicado dia 27/01/2021
Os moradores de Serra Grande, em Uruçuca (BA), têm um sonho: construir uma escola que faça sentido para eles. Que seja sustentável, democrática, que incentiva o convívio entre todos, que valoriza o saber local, das construções de jangadas, da pesca, das erveiras e parteiras, que olha para as corridas de rua que acontecem no território, misturadas à capoeira, ao maculelê, e às figuras do cavalo branco e o nego d’água, que habitam o imaginário local. Após 12 anos de luta e construção coletiva, essa escola está para nascer, sob o nome de Centro Integrado de Educação Integral de Serra Grande (CIEI).
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“Essa escola tem tudo o que a gente queria, e só foi possível porque todo mundo participou e pensou junto. É a realização de um sonho”, conta Mara Campos, agente comunitária de saúde de Serra Grande e uma das pessoas que ajudou a construir o CIEI.
Leia o resumo do PPP do CIEI Serra Grande e o documento na íntegra.
O processo todo teve início por volta de 2008, iniciado pela própria comunidade, e em diálogo com o Instituto Arapyaú, que atua sobretudo pelo desenvolvimento territorial do sul da Bahia. Atravessando trocas de gestão e descontinuidades do projeto, ele foi retomado em 2019, em parceria com o Centro de Referências em Educação Integral (CR) para a elaboração de seu projeto político-pedagógico (PPP).
Com previsão para começar a funcionar ainda no primeiro semestre de 2021, obedecendo os protocolos de biossegurança em função da pandemia de coronavírus, o CIEI vai unir as duas escolas do município, de Educação Infantil e Ensino Fundamental, em uma unidade projetada pela arquiteta Beatriz Goulart.
Em consonância com o projeto político-pedagógico, que preza pela questão socioambiental, a infraestrutura da escola favorece a iluminação natural, o aproveitamento da água, a circulação e os espaços de convivência, e conta com amplas áreas para brincar, cultivar hortas e compostar resíduos.
A única maneira de se construir uma escola que faça sentido para uma comunidade e um território, é garantindo a participação de todos. Para tanto, a equipe de formadores do CR realizou a mobilização de professores, gestores, estudantes e da comunidade, com o objetivo de ouvir a maior diversidade possível de pessoas, pontos de vista e saberes, sobretudo aqueles comumente deixados de lado pela academia.
Para tanto, foram formadas comissões de trabalho, divididas em três frentes: a de Mapeamento, para ouvir e pesquisar sobre pessoas, espaços, saberes e potenciais. A Pedagógica, para buscar informações sobre quais práticas gostariam de desenvolver nessa escola, e quais documentos e referências teóricas poderiam embasá-las. E a de Sistematização, cuja função era partir da produção das duas primeiras comissões para começar a redigir o PPP.
Essas comissões eram compostas por professores, gestores educacionais, membros da comunidade e técnicos da Secretaria Municipal de Educação, apoiados pela consultora educacional Cleuza Repulho.
Cada núcleo ficou responsável por fazer um levantamento junto com a comunidade sobre o que eles desejavam para a escola e quais potenciais educativos do território não poderiam ficar de fora. “Os núcleos de trabalho aconteciam nas escolas, na comunidade, nas casas das pessoas, para mobilizar e falar desse projeto, para ouvi-las e saber qual é a escola que elas sonham para seus netos, filhos e vizinhos”, relata Mara.
Ivy Moreira, formadora do CR, explica que a comissão de Mapeamento, por exemplo, fez uma pesquisa de campo com erveiras. A Pedagógica, por sua vez, ouviu famílias, professores e estudantes sobre o que era importante ter em termos pedagógicos e de espaço físico. “Essas informações iam sendo sistematizadas dentro da própria comissão e depois passavam para a de sistematização, onde era feita a conexão entre tudo isso e o currículo”, diz.
E para planejar os espaços arquitetônicos e o projeto pedagógico do ponto de vista da educação inclusiva, o apoio do Instituto Rodrigo Mendes foi fundamental. “Nós não fazemos nada sozinhos. Quando um projeto é colaborativo, temos um salto importante, que enriquece o debate todo”, afirma Ana Paula Pietri, coordenadora do projeto.
E assim nasce o PPP do Centro Integrado de Educação Integral de Serra Grande (CIEI), que traz as questões básicas de qualquer projeto político-pedagógico, mas que foi construído coletivamente, apoiado no tripé da sustentabilidade social, econômica e ambiental, sempre tendo em vista as demandas da comunidade e os saberes do território.
“Esse PPP pretende continuar a ser um documento vivo, sempre olhado e atualizado, porque teoria e prática, documento e prática, precisam estar sempre em diálogo”, lembra Thais Mascarenhas, formadora do CR.
Agora, foram formados novos grupos de trabalho: Educação Infantil e Fundamental I; Fundamental II e Educação de Jovens e Adultos; Escola e Comunidade. Compostos majoritariamente pelas mesmas pessoas que participaram das comissões de elaboração do documento, o desafio da vez é implementar o PPP ao longo deste ano, por meio de processos formativos.
O CIEI de Serra Grande teve a chance de ser erguido junto com seu PPP, do zero. Mas outras escolas que desejem rever seus documentos, para integrar mais a comunidade e os saberes e a cultura local, também podem promover um processo de investigação e construção coletiva. “É preciso olhar para a realidade da escola e buscar as questões do território que fazem sentido para o seu PPP”, recomenda Thais.
A equipe de formadoras do CR também indica a necessidade de garantir condições para que todos participem, isto é, oferecer uma variedade de horários, dias e formas de participação. “E também é preciso que haja uma diversidade de atores que representam o território e a comunidade escolar”, diz Ivy.
E para Ana Paula, um dos pontos cruciais para disparar esse processo é que os documentos sejam mais acessíveis e interessantes para engajar as famílias. É possível, por exemplo, criar uma versão resumida do PPP, com os pontos principais que precisam ser discutidos.
Além disso, a coordenadora destaca a importância do planejamento. É interessante chegar com um plano de trabalho estruturado, que preveja como começar, como desenvolver e até onde se pretende chegar, e que atribua responsabilidades. Isso pode ser revisto e construído com a comunidade, mas é importante ter um caminho claro. “E não precisamos esperar a pandemia passar para começar esse processo, porque é possível realizá-lo de outras formas, como por meio dos ambientes virtuais”, encoraja Ana Paula.