CEI Ananda Marga: yoga e shantalla como parte da educação
Publicado dia 12/06/2017
Publicado dia 12/06/2017
No alto de um morro do Jardim Peri, periferia ao norte da cidade de São Paulo, funciona uma creche que se propõe a oferecer muito mais às crianças do que um lugar para ficar enquanto os familiares trabalham. Com estrutura simples, como todo o bairro em seu entorno, o Centro de Educação Infantil (CEI) Lar de Crianças Ananda Marga utiliza bem o que tem: o potencial humano.
Sob o comando da educadora Didi Jaya, o CEI oferece, há quase 20 anos, shantalla, yoga e alimentação vegetariana para crianças de até 3 anos. Essas atividades não são o complemento, mas o fundamento da proposta pedagógica da creche.
“Temos aqui o caso de uma menina que viu o pai quase matar a mãe de tanto bater nela. A criança era doce, mas depois disso ficou agressiva, e imitava os gestos violentos do pai. Esse histórico de violência e pedofilia é comum”, conta a diretora Didi. O remédio para essas feridas em corpos e mentes tão jovens, explica, é o carinho, o respeito, o acolhimento e a afetividade trabalhados por meio das atividades no CEI, desde a recepção pela manhã até a hora de ir embora.
“Quando a criança chega aqui todos os dias, fazemos questão de recebê-la com um abraço falando: como é bom te ver, estou feliz que você está aqui. Quero que elas saibam que não são invisíveis, que têm diálogo, que aqui elas podem confiar e crescer. Uma criança amada vai saber amar outras pessoas”, explica Didi, que sabe de cor o nome de todos os 137 pequenos que frequentam a Ananda Marga das 7 da manhã até as 5 da tarde.
Logo pela manhã, o berçário está em silêncio. Os oito bebês, que têm cerca de um ano de idade, estão deitados em pequenos colchões, aguardando tranquilamente a sua vez de receber a massagem indiana conhecida como shantalla.
As duas professoras sentam no chão ao som de músicas indianas instrumentais, aquecem nas mãos o óleo essencial, e fazem massagem por todo o corpo dos pequenos. Quando as professoras chegam nos pés, os olhos do bebê já estão se fechando. Um a um, dormem relaxados.
“Lá para a metade do ano, quando já estão bem familiarizados com a massagem, os que conseguem ficar acordados querem fazer no outro também, e a gente deixa”, conta uma das professoras enquanto o bebê que massageia imita seus movimentos de aquecer o óleo e massagear a perna, a seu próprio modo.
A diretora Didi explica que só dá início à massagem quando as crianças se sentem confortáveis. “Normalmente quem faz shantalla é a mãe no filho, mas aqui adaptamos para as professoras. Por isso, nos primeiros meses não ensinamos nada, é só adaptação e acolhimento, porque temos que respeitar a criança e seu tempo. Quando ela se sente tranquila e segura, aí fazemos a shantalla para passar o tato e a afetividade”.
Outra turma de crianças, estas já com cerca de dois anos, acabaram de retornar do passeio no parque que fica a um quarteirão do CEI, espaço que utilizam diariamente, fortalecendo o vínculo da instituição com o território. Depois de correr, pular e brincar à luz do sol, agora é hora de começarem a se acalmar. Para isso, sentam em roda e cantam junto com a professora. “Como é bom amar e abraçar. Como é bom estar aqui hoje, bem pertinho de você”.
Na sala ao lado, a professora conduz uma atividade que envolve contato, afetividade e respeito. “Sente o cabelinho do amigo, olha que bonito”, e as crianças, separadas em duplas, sentem e olham umas às outras, devagar, da cabeça às pernas. “Sente o braço do amiguinho, é para abraçar. Coloca o amiguinho no colo e faz carinho. Como é bom ganhar carinho!”, continua a professora.
As creches conveniadas, como é o caso do CEI Ananda Marga, prestam contas à Prefeitura de São Paulo sobre seus processos político-pedagógicos, administrativos e financeiros.
Enquanto isso, as crianças mais velhas, já com três anos, se dividem em duas turmas: uma brinca em um circuito ao ar livre feito de bambolê, pneus e um parquinho, e a outra pratica yoga, reforçando a proposta pedagógica da escola – de integração da dimensão física e corporal no processo de desenvolvimento das crianças.
Conduzida na forma de conto, os pequenos repetem os movimentos mostrados pelos professores. “Imaginem que vocês estão em uma floresta, e o grande mago joga um pózinho que transforma todos vocês em árvore. Como é que a árvore fica?”, e as crianças fazem o movimento de yoga apoiados em uma perna, com a palma das mãos unidas acima da cabeça. “Agora o mago transformou vocês em aranhas!”, e lá estão as crianças em outra posição, rindo com a possibilidade de se transformarem em seres de oito patas.
Ao final da aula, o professor toca uma canção na flauta. A brincadeira agora é tentar adivinhar qual é a música e depois cantá-la em ritmos variados, trabalhando a musicalidade.
Além da yoga e shantalla, que trabalham a noção corporal e espacial, as professoras estão em constante relação de ensino e aprendizagem com as crianças. Há poucas semanas, uma das educadoras que está grávida participou de uma atividade com os pequenos. Deitou no chão e permitiu que as crianças tocassem sua barriga enquanto explicava que ali tinha um bebê, bem como todo o processo de nascimento e desenvolvimento dos seres humanos.
Em outro momento, as crianças aprenderam sobre o ar, sobre o céu, os planetas. “Aqui ninguém fica jogado sem fazer nada, aqui desenvolvem corpo, mente a alma”, diz Didi.
Todas as cinco refeições que o CEI oferece são planejadas por uma nutricionista e aprovadas pela prefeitura. Nenhuma delas contêm carne ou ovos, e são feitas de ingredientes orgânicos, com pouca ou nenhuma fritura ou farinha branca.
Na hora do almoço, os pequenos se sentam à mesa e comem sozinhos. Os mais velhos fazem seus próprios pratos. Em pequenos grupos, vão até a mesa principal, escolhem e se servem das quantidades e variedades do que querem comer, sempre sob o olhar atento das professoras: “pega só o que vai comer, não pode jogar comida fora”.
Vários repetem a refeição. “85% das crianças só comem quando estão aqui”, afirma Didi. Isso significa que ao realizarem a última refeição do CEI por volta das 4 horas da tarde, só voltarão a se alimentar às 7 da manhã do outro dia.
“Namaskar”, dizem as crianças antes comerem, utilizando uma expressão hindi repetida a todo o momento, que significa, em adaptação livre, “a divindade em mim reconhece a divindade que há em você”. Apesar do ritual, a ONG Ananda Marga e o CEI não têm vínculo religioso; trata-se apenas de um incentivo à gratidão e ao respeito.
Depois do almoço, os pequenos escovam os dentes e tiram uma soneca. Antes da uma hora da tarde, a creche está inteira em silêncio, com as crianças descansando para retomarem as brincadeiras e aprendizados à tarde.
Didi tem 63 anos e nasceu nas Filipinas, filha de um chinês e uma mexicana. Começou como voluntária na ONG Ananda Marga em 1977 e já trabalhou com educação infantil pela Europa. Ela tem cidadania italiana e especialização em economia.
Na rotina do CEI, está presente de perto. Vestida igual a todas as outras funcionárias, de camiseta laranja e touca, cuida das crianças, distribui os pratos, dá comida na boca dos que precisam de uma ajudinha e limpa as mesas.
A ONG Internacional Ananda Marga Universal Relief Team (Amurt-Amurtel) foi criada pelo filósofo indiano P. R. Sarkar. A organização e sua filosofia neo-humanista está presente em mais de 180 países. No Brasil, atua em Brasília, Minas Gerais, São Paulo e Rio Grande do Sul. Além de creches e escolas, a Ananda Marga também criou asilos, hospitais e outros projetos de serviço social, permanentes e temporários. Sem nenhum vínculo religioso, tem por objetivo a realização completa de todas as potencialidades humanas, com a combinação de descobrimento interior e ativismo social para estabelecer uma sociedade saudável.
Ela também dedica cuidado especial ao processo seletivo das professoras e ao planejamento das aulas. “Um dia chegou uma mulher falando que queria trabalhar aqui porque adora criança. Isso não é suficiente. Só contrato formados em pedagogia”, decreta Didi, que sempre exige das educadoras um planejamento mensal por escrito das atividades que vão realizar. “Acha que é só trocar fralda? Não é”, diz.
As professoras que lá trabalham também passam por constantes formações e cursos especializados em shantalla e yoga, bem como as cozinheiras, que sempre aprendem novas receitas vegetarianas para variar o cardápio.
Todos os meses, Didi se reúne com as diretoras e coordenadoras das outras três creches mantidas pela ONG Ananda Marga em São Paulo. Nos encontros, trocam experiências, discutem o planejamento de atividades e debatem como resolver diferentes casos de crianças que estão com dificuldades.
“Eu tive sorte de encontrar pessoas bem intencionadas na comunidade, que me ajudaram a construir esse lugar, compraram cadeira, doaram fraldas, e agora ajudam a mantê-lo. É credibilidade que precisamos construir para as pessoas confiarem que podem nos ajudar”, finaliza Didi.