publicado dia 06/07/2023

Os desafios (e as potências) da Educação Integral: um olhar de quem vivencia a escola pública

Reportagem:

Especial Educação Integral Mais tempo na escola para queDas terras de Anísio Teixeira, em Caetité (BA), 18 de maio, dia da abertura do Encontro Baiano de Educação Integral no ano de 2023, amanheço tecendo algumas reflexões que há tempos estão borbulhando em minhas inquietações diárias sobre a Educação Básica.

Renê Silva é doutorando em Educação pela Universidade Federal da Bahia (UFBA). É pedagogo, especialista em Gestão Educacional, em Fundamentos Sociais e Políticos da Educação e mestre em Educação pela Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (Uesb). Atua como coordenador pedagógico da Escola Municipal Clemente Mariani, em Nova Itarana (BA).

Do lugar do pensarfazer como coordenador pedagógico que atua em uma escola dos Anos Finais do Ensino Fundamental, onde se ensaia com muito entusiasmo fazer Educação Integral e de quem tem, ao mesmo tempo, se dedicado a pensar criticamente as políticas públicas educacionais, sobretudo a formação de professores e o regime de colaboração, compartilho aqui reflexões/provocações que são resultado não apenas das minhas percepções, mas das “com-versações” cotidianas com inúmeras educadoras e educadores de toda a Bahia.

A nossa Constituição de 1988 no Art. 205 bem como no Art. 2º da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBN) destacam que a Educação será promovida visando o pleno desenvolvimento da pessoa. Portanto, toda Educação, independente do tempo de permanência da escola, é integral.

A Educação Integral é um princípio fundante da organização curricular e da prática pedagógica. A ampliação do tempo escolar, sem dúvidas, aumenta e muito as possibilidades de diversificação de atividades capazes de potencializar o desenvolvimento das dimensões intelectual, física, afetiva, social, cultural.

Nessa ampliação do tempo – que na prática ocupa os dois turnos diurnos das nossas queridas crianças, adolescentes e jovens – precisamos ter claro que a escola acaba se tornando a grande articuladora dos vários direitos sociais que estão previstos na Constituição, no Artigo 6º.

Destaco: direitos à Educação, à saúde, à alimentação, ao transporte, ao lazer, à segurança, proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados.

Nas diversas oportunidades que tive e tenho de diálogo com educadoras e educadores dos municípios baianos, como nas conferências de Educação, nas jornadas pedagógicas e formações continuadas, sempre destaquei e continuarei destacando que a Educação Integral pode ser a maior política de inclusão social para nossas crianças, adolescentes e jovens.

Primeiro, claro, por poder ofertar efetivamente atividades curriculares e pedagógicas que proporcionem o desenvolvimento pleno, garantindo acesso a atividades culturais, artísticas, esportivas, ao lazer, ao aprofundamento de estudos das diversas ciências. Segundo, por poder garantir a segurança alimentar. Terceiro, por vir a ser a grande articuladora de políticas de saúde preventiva e proteção social.

São inúmeras as potencialidades de uma política consistente de Educação Integral com a ampliação do tempo, contudo, alguns desafios precisam ser observados com mais sensibilidade.

Se já em 1936, Anísio Teixeira dizia que “só existirá democracia no Brasil no dia em que se montar no país a máquina que prepara as democracias” e que “essa máquina é a da escola pública”, ainda em 2023 estamos na luta para fazer pulsar essa máquina, e pouco temos conseguido avançar naquilo que preconiza o Art. 15 da LDBN de 1996, quando diz que “os sistemas de ensino assegurarão às unidades escolares públicas de Educação Básica que os integram progressivos graus de autonomia pedagógica e administrativa e de gestão financeira, observadas as normas gerais de direito financeiro público”.

As nossas escolas têm enfrentado inúmeras dificuldades quanto ao exercício dessa pretensa autonomia pedagógica e administrativa, ficando quase sempre reféns de políticas, programas, projetos e ações que são pensados de forma verticalizada e chegam às escolas para serem implementados com mínimas possibilidades de adequação às especificidades e necessidades das comunidades escolares e suas diferentes educações (do Campo, Indígena, Quilombola, Ribeirinha, dos Povos das Águas e das Florestas, etc.).

Nesse sentido, compartilho alguns desafios importantes de serem pautados para efetivação e fortalecimento da Educação Integral com a ampliação do tempo dos estudantes nas escolas.

O financiamento da Educação Integral

arcabouço fiscal

Em 2023, parlamentares discutiram projeto de lei que estabelece novo arcabouço fiscal e inclui Fundeb no teto de gastos.

Crédito: Foto Lula Marques/ Agência Brasil.

Aqui reside sem dúvidas o primeiro grande desafio para uma política de ampliação do tempo de permanência dos estudantes na escola. Nesse artigo, abordei a questão com mais detalhes, destacando que o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb), que é uma conquista e um grande avanço enquanto política de financiamento da Educação, ainda não dá conta das diversas desigualdades regionais que nosso imenso Brasil possui.

A centralidade do repasse de recurso na matrícula, mesmo com a diferenciação pelos fatores de ponderação, não dá conta da complexidade das especificidades da gestão da Educação Básica pública.

Destaco sempre dois fatores que precisam ser levados em consideração: a extensão territorial dos municípios, que impacta nos recursos necessários para manutenção da rede e o nível de formação dos professores, que impacta nos recursos necessários para pagamento salarial.

O Fundeb não leva em consideração esses dois fatores no repasse de seus recursos, o que não contribui para diminuição das desigualdades socioeducacionais.

Mesmo na atual configuração, os recursos destinados pelo fundo para ampliação de tempo dos estudantes não cobrem os investimentos necessários, uma vez que preveem apenas um aporte de 30% a mais por estudante que for matriculado como estudante de Educação Integral.

O fator de ponderação de 1,3 passa longe de considerar as verdadeiras necessidades de investimento para a Educação Integral. Não há lógica que justifique a manutenção do cálculo desse fator de ponderação, que minimamente deveria ser 2.

Na mesma perspectiva, caminham os recursos para alimentação escolar, que, mesmo com o aumento concedido recentemente pelo governo, ainda estão longe do que é necessário para oferta de um cardápio que efetivamente garanta a segurança alimentar.

Os municípios têm se desdobrado para complementar recursos que possam garantir esta alimentação. Nesse sentido, é preciso que se enfrente verdadeiramente essa questão, que é prioritária para efetivação de propostas curriculares e pedagógicas na perspectiva integral.

Contudo, as escolas em sua maioria vivenciam no cotidiano uma dependência financeira centralizada nas Secretarias de Educação. Os recursos oriundos do Programa Dinheiro Direto na Escola (PDDE), sem dúvidas ajudam muito, mas ainda são insuficientes para as demandas administrativas e pedagógicas da escola, principalmente para oferta educacional com a ampliação do tempo na perspectiva integral.

Infelizmente, existem realidades em que gestores públicos (prefeitos e dirigentes educacionais) têm a equivocada compreensão de que a escola deve se manter durante todo o ano letivo exclusivamente com os recursos recebidos do PDDE, realizando esporadicamente a compra e destinação de materiais didáticos e pedagógicos para as escolas.

Na contramão dessa prática (e que bom!), temos também os exemplos de municípios que inovam, criando até o PDDE municipal, destinando um aporte de recursos próprios para que a escola possa fortalecer sua autonomia administrativa e pedagógica. Outros estipulam com as escolas uma relação de materiais que serão fornecidos pela Secretaria de Educação, e que portanto os recursos do PDDE podem ser utilizados na compra de materiais complementares.

Essas inspirações ainda são minorias na realidade de nossas escolas públicas municipais, contudo, elas demonstram que é possível sim ir efetivamente promovendo graus progressivos de autonomia administrativa fortalecedores também do exercício da autonomia pedagógica.

A definição curricular para a Educação Integral

Outro desafio é a definição curricular para funcionamento da Educação Integral. Infelizmente, em algumas realidades, pensam-se as atividades para ampliação do tempo escolar não a partir da necessidade curricular, não a partir de um Projeto Político-Pedagógico, de um projeto de escola e de sociedade, mas em interesses politiqueiros, que muitas vezes versam sobre uma lista de pedidos de emprego em nível local.

Em razão disso, começa-se a definir o que pode ser ofertado não com base em um projeto bem definido, mas nas possíveis habilidades das pessoas que compõem essa lista de pedidos de emprego. Parte-se da seguinte questão: tenho fulana a quem precisamos dar o emprego, veja com ela o que sabe fazer para criar uma oficina ou diga que temos essa oficina e se ela pega.

Em outras realidades, olham puramente para os recursos financeiros e fazem a opção por atividades que em tese criem menor necessidade de investimentos.

Na escola, esse tipo de concepção equivocada acaba gerando diversas dificuldades para organização do trabalho pedagógico, sobretudo para organizar um trabalho que atenda a necessidade curricular alinhada com um projeto de Educação que proporcione o desenvolvimento integral dos estudantes numa perspectiva emancipacionista.

A definição curricular perpassa pela discussão dos saberes necessários para uma Educação que trabalhe as dimensões intelectual, física, afetiva, social e cultural de forma articulada, rompendo com uma visão de duas escolas: uma do ensino regular e outra com atividades de contraturno com reforço escolar, em geral com foco em Língua Portuguesa e Matemática, e atividades esportivas e culturais soltas, que não compõem um projeto integrado.

Essa discussão precisa estar atrelada com a clareza de qual o Projeto Político-Pedagógico da escola, da comunidade escolar. Ter clareza quanto a intencionalidade da escola que queremos é fundamental para se pensar o currículo, a gestão, a didática, as metodologias, as práticas pedagógicas. Educação Integral não pode ser reduzida à oferta de atividades no contraturno, e sim ser compreendida como direito ao desenvolvimento pleno.

A formação inicial e continuada dos professores no tempo integral

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Políticas de ampliação do tempo na escola, na perspectiva do desenvolvimento integral, precisam estar atreladas urgentemente com a formação inicial e continuada de professores.

Crédito: UNICEF/BRZ/Manuela Cavadas

A ampliação do tempo escolar dos estudantes com novas atividades curriculares, além de exigir ampliação de carga horária de profissionais que já estão atuando, também exige a contratação de novos profissionais, sobretudo que atuam no campo das artes, da cultura popular, da música, das atividades corporais e esportivas, das tecnologias da informação e de campos diversos das ciências.

Políticas de ampliação do tempo dos estudantes na escola, na perspectiva do desenvolvimento integral, precisam estar atreladas urgentemente com políticas de formação inicial e continuada de professores.

Em grande parte dos municípios, muitos educadores de alguns campos de saberes, como exemplo das artes marciais e da musicalidade não possuem Licenciatura. No entanto, são excepcionais músicos, instrumentistas reconhecidos que possuem graduação em seu campo específico, como é o caso das artes marciais.

Pensar políticas que possam ofertar o acesso a cursos de licenciatura é um caminho importante para consolidação a médio e longo prazo da política de Educação Integral e da valorização desses profissionais.

Contudo, a curto prazo, a formação continuada é estratégica e urgente, não somente para os novos, mas para todos os profissionais da escola. No entanto, uma política de formação continuada não pode enxergá-los como idiotas ou imbecis culturais em questões políticas e pedagógicas, como nos diz o professor Roberto Sidnei Macedo, da Universidade Federal da Bahia (UFBA). Mas sim uma política de formação que valorize os saberes das experiências, que valorize os saberes de cada campo do conhecimento, porque essa gente já faz a Educação acontecer nos seus espaços.

Precisamos de uma política de formação continuada que potencialize o papel formador da coordenação pedagógica da escola quanto às questões do campo do planejamento, da didática, das metodologias e da avaliação, e que também possibilite o aprofundamento de estudos sobre as especificidades da Educação Integral e as especificidades de cada área do conhecimento.

Nesse sentido, sem dúvidas, é estratégica a parceria com as universidades públicas e seus grupos de estudos e pesquisas sobre Educação Integral e as diversas áreas de conhecimento.

Também são essenciais a parceria com os movimentos de luta, defesa e promoção da Educação Integral, como o Observatório Nacional de Educação Integral e os Comitês Territoriais de Educação Integral presentes nos vários estados. É importante também a parceria com entidades e instituições que se dedicam a pensarfazer a Educação Integral na perspectiva dos territórios e das cidades que educam.

Valorização profissional na Educação

Professora

Os novos profissionais, contratados para a ampliação do tempo na escola, devem ser reconhecidos como profissionais da Educação, inclusive quanto à remuneração.

Crédito: iStockphoto

Para efetivação da Educação Integral precisamos contar com os melhores profissionais. Por isso, carecemos de formas de contratação transparentes e que os remunerem dignamente.

No passado, experiências de contratação direta pela escola com pagamento de bolsas foram importantes para o fomento a uma cultura de Educação Integral. No entanto, precisamos avançar para que novos profissionais, contratados para esta ampliação do tempo na escola, sejam reconhecidos como profissionais da Educação, como professores, inclusive quanto à remuneração.

São diversos os artifícios criados em muitas realidades para justificar a contratação dessas pessoas por valor menor do que recebem os profissionais efetivos e até mesmo professores contratados. Educador Social, Monitor, Estagiário, etc. não podem ser recursos de precarização do trabalho docente. Da mesma forma, os processos de contratação precisam ser transparentes, feitos por meio de processo seletivo público com regras claras, para que se rompa com a lógica pautada em lista de pedidos de emprego que muitos gestores carregam debaixo do braço.

Contudo, atrelado a uma política de formação inicial a médio prazo, precisamos avançar para realização de concursos públicos que englobem as novas atividades curriculares incorporadas pela política de Educação Integral, sobretudo aprofundando a discussão a respeito da dedicação exclusiva. Processos de contratação transparentes e pautados em projetos político-pedagógicos e propostas curriculares definidas em diálogo com as escolas e comunidades escolares é um caminho importante para o fortalecimento da política de Educação Integral.

Sensibilidade e acolhimento para as especificidades dos estudantes

A ampliação do tempo escolar de uma escola quase sempre (embora existam exceções) é uma decisão política verticalizada, tomada por aqueles que estão atuando na gestão, ainda que com as melhores intenções. No entanto, essa ação verticalizada entra em contradição com os próprios princípios defendidos pelas propostas de implantação da Educação Integral, que falam em formar cidadãos críticos, reflexivos, fortalecer a democracia e a consciência de participação popular. Como formar a máquina de fazer democracia sem ações democráticas com aquelas e aqueles que fazem parte dela?

A conversa com a comunidade escolar na maioria das vezes é meramente informativa. Convidam-se os familiares dos estudantes para comunicar que a escola passará a ser de tempo integral. Os estudantes são comunicados de que passarão a estudar os dois turnos e que terão acesso a várias atividades novas. Comunica-se aos profissionais da escola. Comunica-se, comunica-se…

Poucas experiências fazem efetivamente um diálogo prévio com as comunidades escolares, discutindo o que é Educação Integral, mostrando as potencialidades, as oportunidades que se abrem para o desenvolvimento pleno da pessoa humana, para que as pessoas envolvidas compreendam a importância e a riqueza da proposta.

Por melhor que seja a intenção dos gestores, é preciso ter a compreensão que o diálogo com a comunidade escolar é fundamental para que o processo inicial de ampliação do tempo escolar possa ter sucesso e contar com a parceria de todos. Inclusive, ampliando a discussão sobre as riquezas, as potencialidades sociais e econômicas locais, para pensar atividades conectadas com a valorização da cultura local e o desenvolvimento social e econômico.

A comunidade escolar precisa se sentir parte do processo, compreender a importância, precisa sonhar junto sobre a riqueza das novas oportunidades de aprendizagem.

Antes de ter acesso a um currículo ampliado de oportunidades, os estudantes e seus familiares precisam desejar, ficar ansiosos no sentido de poder e querer participar dessa nova proposta.

Os professores necessitam, na mesma perspectiva, ansiar pelas novas possibilidades didáticas e metodológicas que poderão potencializar o seu trabalho. Os demais profissionais de apoio da escola precisam se encantar com a nova dinâmica que a escola passará a ter.

Não basta dizer que a escola passará a funcionar dois turnos e dizer que isso é bom para os estudantes, pois nesse espaço educativo temos várias realidades, e com o diálogo, a gente vai percebendo que o que a gente acha que é bom para todo mundo, nem sempre pode ser.

A vida dos estudantes não é apenas a escola. Muitas vezes ela se coloca como se fosse a centralidade da vida deles, como se esse estudante não tivesse vida fora da escola. Em razão das diferentes realidades de vida que ali se encontram, é preciso muita sensibilidade para acolher essas diferenças.

Temos estudantes que assumem responsabilidades muito fortes em seus contextos familiares, desde ter que cuidar de irmãos menores, ajudar nas atividades e rotina doméstica, cuidar de familiar enfermo, ajudar no trabalho da roça ou comércio da família, trabalhar na casa de farinha, entre outras.

Diante dessas inúmeras situações, não dá para dizer que deverão passar a estudar os dois turnos, que lugar de criança é na escola e não trabalhando, que para isso tem o Programa Bolsa Família.

Programa Bolsa Família

A política de Educação Integral precisa se sensibilizar para a questão da permanência escolar, bem como articular ações com outras áreas para proteção da infância.

Crédito: Agência Senado

A realidade em que eu trabalho, por exemplo, atende estudantes dos Anos Finais do Ensino Fundamental. Há alguns dias, entrei na sala da direção da escola para conversar um assunto com minha vice-diretora, ela estava dialogando com uma estudante nossa de 14 anos que está no 8º ano.

A estudante estava com frequência irregular e dizendo que não iria mais estudar. Entrei na conversa para tentar compreender um pouco a situação. Pelas faltas, a família corria o risco de perder o Bolsa Família. A estudante disse que pediu para mãe os R$100,00 da complementação do Bolsa Família (ela tem consciência que esse valor tem que ser dela por estar estudando) para comprar algumas coisas pessoais que ela precisava. Disse que comprou algumas coisas, mas que nem deu para comprar a havaiana que tanto precisava também. Aí relatou que trabalhou alguns dias na casa de farinha e recebeu pouco mais de R$600,00.

A escola onde trabalho começou a experiência de Educação Integral no ano de 2022, no mês de setembro, ao longo de três meses. Em 2023, a escola ainda está funcionando apenas um turno, com previsão de início das atividades de ampliação do tempo para o início de julho.

Eu fiquei refletindo: como é que a gente chega e diz para uma estudante de 14 anos, que precisa ajudar no sustento familiar, que ela vai ter que ficar dois turnos na escola e deixar o trabalho?

São situações muito diversas que encontramos. A política de Educação Integral precisa ter a sensibilidade de pensar ações para permanência da(o)s  estudantes, bem como ações articuladas com outras áreas para proteção da infância.

Como romper com a visão do reforço escolar e de duas escolas em uma

Em quase todas as experiências em curso de ampliação do tempo escolar, entre as atividades curriculares pensadas para atendimento desta ampliação, encontramos atividades focadas em Língua Portuguesa e Matemática, sendo inclusive obrigatórias para todos os estudantes.

Entre as outras atividades, algumas realidades até permitem a escolha por parte dos estudantes, contudo a participação em Língua Portuguesa e Matemática tornam-se inegociáveis. Nas entrelinhas encontramos a lógica do reforço escolar e, para camuflar essa lógica, inventam-se inúmeras nomenclaturas até bastante criativas.

Na realidade em que trabalho a opção foi pelo nome de Apoio Pedagógico, com aulas de Língua Portuguesa e Matemática. É um grande desafio superar essa lógica. Partindo da realidade em que estou e que, com certeza, dialoga com diversas outras realidades, tenho problematizado que o Apoio Pedagógico ou qualquer outro nome que se dê, precisa ser o espaço do aprofundamento de estudos, do trabalho em grupo, da pesquisa, da interdisciplinaridade, um espaço de tutoria, onde os estudantes possam exercer sua autonomia de estudos. Este tempo pode ser o espaço de articulação interdisciplinar, de desenvolvimento de projetos articulados pelas diferentes áreas do conhecimento.

Precisamos sair do campo do treinamento e reforço escolar para a concepção de articulação dos saberes, promovendo atividades que efetivamente tenham significado para os estudantes e que os desafiem a pensar, a fazer, a conviver, a aprender com o outro, a trocar experiências e construir percursos, trilhas de aprendizagem com orientação e intencionalidade pedagógica. Nesse sentido, o professor atuaria como um tutor, um orientador educacional, conectado com o projeto político-pedagógico e curricular da escola, trabalhando estreitamente com os demais professores e a coordenação pedagógica nessa articulação.

Da mesma forma, é fundamental superar a visão de escola fragmentada que muitas vezes se instaura nas experiências de ampliação do tempo escolar. A escola do turno do “ensino regular”, a chata, que trabalha com os componentes curriculares do núcleo comum, e a escola legal, a do “turno oposto”, que trabalha com as artes, com os esportes, com as tecnologias, etc.

Romper essa fragmentação curricular e fortalecer a prática pedagógica de todos os componentes curriculares com atividades significativas e inovadoras demanda efetivamente um currículo integral integrado. E, sem dúvidas, a formação continuada é estratégica para esse fortalecimento.

Por fim, deixo o espaço aberto para que cada uma e cada um, a partir da sua realidade, das suas experiências e vivências, também reflita sobre outros aspectos para esse importante debate, e que possamos com nossas inquietações ir fortalecendo as experiências de políticas para a Educação Integral.

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