publicado dia 10/10/2019
Como proteger as infâncias brasileiras
Reportagem: Ingrid Matuoka
publicado dia 10/10/2019
Reportagem: Ingrid Matuoka
Para garantir o direito à educação é preciso toda uma rede de apoio. É por isso que na EMEF Castro Alves, no bairro da Brasilândia, periferia de São Paulo, os professores e gestores são formados para reconhecer sinais de possíveis violências, da negligência contra crianças e adolescentes e acionar os órgãos responsáveis.
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O desenvolvimento integral das crianças, adolescentes e jovens é fruto de um trabalho articulado de atores sociais e institucionais, ou seja, entre as pessoas, instituições e políticas que constituem a vida dos estados, municípios e comunidade.
É o diálogo entre esses diversos setores que permite construir um conjunto de ações, capazes de responder com maior eficiência aos desafios propostos plea educação integral, e de olhar para as diversas dimensões de um indivíduo: física, intelectual, social, afetiva e simbólica.
“A gente enxerga o aluno de maneira integral, porque as questões pessoais têm tudo a ver com a aprendizagem. Para aprender, o aluno precisa ter estrutura. Então, não adianta tentar olhar para o que acontece com o aluno só dentro da escola, é preciso abraçar todas as especificidades e as questões sociais que ele traz”, diz a diretora da escola, Juliana Eliete Pereira Thomaz.
Ela conta que o território em que a escola está inserida possui diversas vulnerabilidades, e que é frequente chegar a ela histórias de violência doméstica, abuso sexual e trabalho infantil. Quando isso ocorre, a equipe é mobilizada para ouvir e acolher a criança, acionar a família, o atendimento médico ou a assistência social.
“Quando as escolas têm um olhar atento para buscar auxílio e não silenciam perante essas prováveis violações, elas em geral conseguem mitigar problemas e não deixar que violências continuem acontecendo”, afirma Thais Dantas, advogada do programa Prioridade Absoluta, do Instituto Alana.
Crianças e adolescentes têm direitos específicos garantidos pelo artigo 227 da Constituição Federal de 1988. Zelar por eles é dever do Estado, da família e da sociedade.
Mas e quando quem deveria zelar acaba sendo o violador?
É o que acontece, por exemplo, quando as escolas não combatem o racismo; ou quando as famílias negligenciam material ou afetivamente as crianças. A violência, por parte do Estado, pode aparecer, dentre outros casos, nos assassinatos de jovens negros, ou nas 6.160 mortes cometidas por policiais em 2018 – 18% a mais em relação ao ano anterior.
51% das crianças abusadas sexualmente têm entre 1 e 5 anos, e em 69,2% das vezes são vítimas dos próprios familiares.
“O Estado é culpado quando dá essa formação criminosa para os policiais e acaba com a vida daquele trabalhador. E o Estado também é culpado quando não dá um hospital de qualidade, e a criança morre na fila de espera”, pontua Carlos Júnior, presidente do Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente, da Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Cidadania de São Paulo.
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Thais Dantas também lembra que o clima instaurado pelo constante embate entre as polícias e a sociedade impacta o desenvolvimento infantil. “O que viver nesse cenário de contínuo estresse propõe para essas crianças?.”
“A chave é colocar crianças e adolescentes em primeiro lugar em políticas e serviços públicos. Mas isso só vai ser possível por meio de orçamento”, diz Thais. A advogada recorda que com a aprovação da Emenda Constitucional 95, que congela investimentos em Educação e Saúde, e os outros cortes de recursos, as pastas e ministérios responsáveis pelo atendimento direito de crianças e adolescentes estão com sua atuação cada vez mais restrita.
Soma-se a essa realidade o decreto presidencial que reduziu o número de representantes do Governo Federal e de entidades sociais no Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda). O documento também promoveu uma série de alterações que desmobilizam uma das principais instituições responsáveis por elaborar normas gerais da política nacional de atendimento dos direitos das crianças e dos adolescentes.
Para além de retomar os investimentos e fortalecer as instituições de participação pública e os órgãos voltados para a promoção e garantia desses direitos, os especialistas apontam para outros caminhos que podem servir de apoio para as famílias, escolas e comunidades comprometidas com a garantia de direitos. É o caso dos Conselhos Tutelares, os Ministérios e Defensorias Públicas, além das organizações sociais.
“Temos, ainda, o trabalho de coletivos culturais e dos grêmio estudantis. Neles as crianças e jovens criam esse senso de trabalho e desenvolvimento coletivo, onde eles conseguem se enxergar como seres pertencentes a uma sociedade, e cuidar de si e do outro“, afirma Carlos.
Também é crucial não confundir proteção com restringir que as crianças e adolescentes saiam às ruas, participem da comunidade ou que as escolas aumentem muros e se fechem. Como reconhece o 3o artigo do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), deve ser assegurado a eles todas as oportunidades de desenvolvimento:
“As crianças não têm que sofrer violência, e isso não é uma utopia. É uma realidade que dá para conquistar com investimento público e atuação em rede. Assim, a gente não vai mais precisar noticiar que um menino da Fundação Casa ganhou a Olimpíada de Matemática, porque vamos dar condições para que ele acesse e permaneça na escola e se desenvolva antes de precisar ser internado”, diz Carlos.