publicado dia 09/09/2019
O desafio da hora: a qualidade para todas e todos
Reportagem: Da Redação
publicado dia 09/09/2019
Reportagem: Da Redação
O IDeA — Indicador de Desigualdades e Aprendizagens é um novo instrumento para verificar o cumprimento do direito à educação. Criado por uma equipe multidisciplinar de pesquisadores, com apoio da Fundação Tide Setubal, ele mede, para cada município brasileiro: o nível de aprendizagem do conjunto de seus estudantes e as desigualdades de aprendizagem entre grupos sociais no interior desse município.
Por que propor mais um indicador, se o Brasil criou, nas últimas décadas, um sistema amplo de dados para verificar o direito à educação?
O IDeA se justifica porque hoje, no Brasil, há desafios para a realização do direito à educação que requerem novos indicadores. Nos anos 1990, o acesso ao Ensino Fundamental foi praticamente universalizado e as taxas de permanência e de conclusão desse nível de escolarização melhoraram. Diante dessa vitória, o país enfrentou outro desafio: colocou a aprendizagem no centro do debate educacional.
Definidos esses desafios, o país elaborou indicadores que verificam se os estudantes estão ou não aprendendo o que deveriam aprender. Desde 2007, ano da criação do principal deles, o IDEB (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica), testemunhou-se uma melhoria progressiva nos resultados médios da Prova Brasil no primeiro segmento do Ensino Fundamental. Entre 2007 e 2015, a média em Língua Portuguesa evoluiu cerca de 30 pontos, o que é mais um resultado a ser celebrado, pois 20 pontos correspondem, aproximadamente, ao aprendizado obtido em um ano escolar.
Um sistema de ensino justo e de qualidade é aquele que assegura aos indivíduos de todos os grupos sociais, equitativamente, não só patamares mínimos de aprendizagem, como também as mesmas chances de atingirem os níveis mais altos.
Entretanto, os indicadores vigentes, ao verificarem o cumprimento do direito à educação baseando-se em médias, mostram que a desigualdade de aprendizagem entre os grupos sociais tem aumentado. Entre 2007 e 2015, por exemplo, a desigualdade de desempenho em Leitura entre as meninas brancas de maior nível socioeconômico e os meninos pretos de menor nível socioeconômico cresceu enormemente: de 44 pontos em 2007, passou a 59 pontos em 2015.
Em um sistema escolar justo, podem existir diferenças de aprendizagem entre indivíduos, mas desde que estejam asseguradas algumas condições.
Em primeiro lugar, patamares mínimos de aprendizagem devem estar universalizados. Em segundo lugar, as diferenças de aprendizagem entre indivíduos não devem ser associadas a características como seu nível socioeconômico, sua raça ou seu gênero. Ou seja, um sistema de ensino justo e de qualidade é aquele que assegura aos indivíduos de todos os grupos sociais, equitativamente, não só patamares mínimos de aprendizagem, como também as mesmas chances de atingirem os níveis mais altos.
Baseando-se nesses princípios, o IDeA é composto de duas medidas, que revelam dois ideais que devem ser garantidos simultaneamente para que o direito à educação seja assegurado.
Para cada município brasileiro, o IDeA mede o nível da aprendizagem em Leitura e em Matemática do conjunto dos seus estudantes, que é uma medida da qualidade de sua aprendizagem; ao mesmo tempo, mede as desigualdades de aprendizagem existentes no seu interior, entre grupos sociais definidos por nível socioeconômico, raça e gênero.
Sem que essas desigualdades de aprendizagem entre grupos sociais sejam vistas com lupa, percebidas como problemas inaceitáveis e combatidas por políticas públicas específicas, não haverá no país um sistema de ensino justo, que assegure a todos educação de qualidade.
Os resultados são preocupantes. Dos quase 1.500 municípios com nível de aprendizagem médio-baixo e baixo em Língua Portuguesa no 5o ano, quase metade tem equidade entre os grupos sociais.
Por sua vez, dos 1.083 municípios com nível de aprendizagem alto, apenas 20 estão em situação de equidade. Ou seja, o país assegura a equidade quando todos os grupos sociais aprendem muito pouco, mas quando garante a qualidade, o faz produzindo desigualdades.
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Os resultados do IDeA também mostram que o principal desafio hoje, tanto para a melhora dos níveis de aprendizagem, quanto para a redução das desigualdades, é a grande concentração de alunos nos níveis mais baixos de aprendizagem. Sendo assim, boas políticas voltadas à elevação dos níveis mínimos de aprendizagem obtidos pelos estudantes, assegurando que essa melhoria beneficie todos os grupos sociais, produzirão efeitos positivos, tanto elevando o nível de aprendizagem, como reduzindo as desigualdades.
O Brasil vem enfrentando com êxito desafios que formulou: já universalizou o acesso, avançou na permanência, melhorou a conclusão do Ensino Fundamental e colocou a qualidade da aprendizagem no centro do debate educacional. É chegada a hora de assumir mais um: a qualidade deve ser para todas e todos.
Assinam este artigo:
*Mauricio Ernica, professor da Faculdade de Educação da Unicamp e conselheiro consultivo da Fundação Tide Setubal, coordenou e integrou a equipe desenvolvedora do IDeA.
*José Francisco Soares, professor emérito da Universidade Federal de Minas Gerais e membro do Conselho Nacional de Educação, concebeu o IDeA e liderou seu desenvolvimento.
*Érica Castilho Rodrigues, professora do Departamento de Estatística da UFOP, integrou a equipe de pesquisadores, sendo corresponsável pelo desenvolvimento do IDeA.
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