publicado dia 07/02/2019
“Encaminhar uma política de educação não é mera questão de trocar método”, diz especialista em alfabetização
Reportagem: Thais Paiva
publicado dia 07/02/2019
Reportagem: Thais Paiva
Em janeiro deste ano, Carlos Nadalim foi anunciado como secretário de Alfabetização, órgão recém-criado pelo ministro da Educação, Ricardo Vélez. Sem formação na área e experiência em relação às redes públicas, Nadalim mantém o canal no YouTube “Como Educar Seus Filhos”, onde propõe métodos de educação domiciliar na perspectiva do homeschooling. Além disso, propõe a substituição do método universal pelo método fônico.
Especialista em alfabetização, Claudemir Belintane, professor da Faculdade de Educação da USP e pesquisador do Grupo Oralidade, Leitura e Escrita (GOLE), critica a escolha. Para ele, Nadalim “não percebe os efeitos colaterais de seus métodos e nem parece ter ideia de como autores mais contemporâneos compreendem a linguagem e seus correlatos, língua, fala, discurso, contexto, gêneros e outros”. Na entrevista abaixo, ele explica por quê.
Centro de Referências: A atual gestão do MEC coloca como princípio norteador a necessidade de extinguir ideologismos do campo educacional. Como o senhor enxerga isso?
Claudemir Belintane: Não há nada mais ideológico do que o ato de se pôr como isento e, deste lugar discursivo, atingir as tendências políticas e culturais de seus rivais. Isentar-se de ideologia seria pressupor para si mesmo o domínio de uma verdade absoluta. Da economia ultraliberal à militarização das escolas, temos no governo Bolsonaro diversos marcos polarizantes que consistem na essência dessa ideologia, que se preocupa mais em desalojar as ideias de seu rival do que propriamente analisar o campo para descobrir como as suas devem ser implementadas.
CR: Como o senhor enxerga a indicação de Carlos Nadalim para a secretaria da Alfabetização do MEC?
CB: A indicação encaixa-se nessa linha do confronto. Em seus vídeos o nomeado critica com muita ironia e pouca argumentação a posição de grandes educadores brasileiros, como Paulo Freire e Magda Soares, além de pôr na mesma lista grandes nomes internacionais: Piaget, Vigotsky, Bruner, Emilia Ferreiro e outros. Para eles, todos esses pesquisadores são ideológicos.
Não há nada mais ideológico do que o ato de se pôr como isento e, deste lugar discursivo, atingir as tendências políticas e culturais de seus rivais
Nadalim chama para a sua cientificidade alguns defensores do método fônico, José Moraes, Fernando Capovilla e outros e apregoa a eficiência infalível do método fônico. Cita a seu favor o relatório do grupo de trabalho sobre alfabetização no Brasil, elaborado em 2003, a pedido da Comissão de Educação e Cultura da Câmara dos Deputados. Os integrantes do GT que fizeram esse relatório são todos defensores do método fônico e não uma comissão científica neutra como apregoaram na época.
Um dos integrantes do método fônico chega a dizer que sua metodologia tem potencial para zerar os índices de baixo desempenho dos alunos brasileiros. Este tipo de bravata, que estabelece a polarização e o corte total das influências dos outros só traz prejuízo à já combalida educação brasileira.
CR: Afinal, no que consiste o método fônico? Qual sua diferença em relação ao método universal?
CB: Basicamente, consiste em centrar atenção no processo de ensino da relação grafema-fonema, concebendo o ato de ler como distinto do ato de compreender. Então, ler seria decodificar com agilidade uma pauta gráfica, cujo resultado seria a extração de sua sonoridade. Num segundo momento, após esse domínio mecânico, o professor ou a escola introduz o ato de compreender.
No plano da ação, independentemente do conhecimento do aluno, de sua base de letramento, todos são nivelados e submetidos às atividades de correlação fonema-grafema, isso de forma exaustiva e progressiva, ou seja, das vogais às consoantes mais complexas. É um sistema que condiz com a visão do Escola sem Partido, pois concebe um sujeito universal (todos são iguais) e passivo, e retira do processo todo tipo de atividades ou estratégias que para eles soam como ideológicas, por exemplo, enriquecer o universo de letramento do aluno, em outras palavras, situar o uso da escrita no social, levando em conta as diferenças linguísticas, culturais e pessoais.
CR:: E qual a experiência de Nadalim com a educação?
CB: Nadalim apresenta-se como coordenador de uma escola infantil de 150 alunos, pertencente à sua mãe e como autor de um site na Internet em cujas páginas publica vídeos com a pretensão de formar pais e professores no campo da alfabetização, da leitura e do comportamento. Todos os vídeos, em geral, apresentam um receituário como técnica, um “como fazer” bastante simplório, que leva em conta um sujeito universal, predisposto a repetir e aprender por repetição.
CR: Em um desses vídeos, “Modelagem da Linguagem”, Nadalim diz que vai ensinar a técnica da “descompactação da linguagem infantil. O que é isso?
CB: Nadalim sugere que o pai ou mãe, ao ouvir o filho dar uma resposta simples (“bola”) a uma pergunta do tipo “de qual brinquedo você gosta?” estaria falando de forma compactada. Para resolver esse problema, o adulto repetiria a resposta da criança com uma pergunta “ah, você gosta de bola?”, na esperança de que a criança responda “Sim, eu gosto de bola”. Sugere situações semelhantes para expandir a adjetivação. Ao finalizar o vídeo, Nadalim reforça que essa técnica não vai surtir efeitos no primeiro dia, então sugere persistência, que a atividade se repita muitas vezes.
Seus vídeos apresentam um “como fazer” bastante simplório, que leva em conta um sujeito universal, predisposto a repetir e aprender por repetição
O improvisado professor não percebe os efeitos colaterais de seus métodos e nem parece ter ideia de como autores mais contemporâneos compreendem a linguagem e seus correlatos, língua, fala, discurso, contexto, gêneros e outros. Usa os termos todos como se fossem equivalentes.
No vídeo em questão, ele deveria levar em conta que a elipse é uma imensa riqueza linguística, o que não se fala, por economia e agilidade, mas se compreende e se faz compreender, é uma das grandes conquistas que de fato ajuda a definir a linguagem humana. Repetir por modelagem frases vindas do outro em situações artificiais, sobretudo, com persistência não é um bom caminho para desenvolver essas habilidades silenciosas da linguagem. O ser humano é assim, diferente da máquina, aprende desde cedo a pressupor que o outro entendeu muito bem, o que não foi explicitado na fala, o subentendido.
CR: Que estratégias então ajudariam a resolver o desafio da alfabetização?
CB: A alfabetização de crianças no Brasil é o maior problema educacional do país. Como sempre disse Magda Soares e eu concordo totalmente, encaminhar bem uma política de educação não é mera questão de se trocar este método por aquele. É uma questão de priorizar o campo da leitura e da alfabetização, de readequar a dinâmica escolar ao regime de ciclos (o Brasil adotou o regime de seriação para o de ciclo, mas nada fez para readequar as redes escolares), é priorizar a formação de professores e ao mesmo remodelar os perfis de cargos e salários.
CR: E quais seriam os caminhos para o Brasil resolver estas questões?
CB: Fizemos parcialmente essas readequações, por meio de um projeto CAPES de acompanhamento longitudinal de quatro anos de duração, na Escola de Aplicação da USP -EA-FEUSP. O resultado foi incrível e vem sendo mantido pela direção e pelas professoras que participaram do projeto. Sugiro ao Sr. Nadalim que consulte a EA-FEUSP (a mesma experiência foi feita em Belém do Pará, na EA-UFPA e em uma escola municipal em Pau dos Ferros- RN em parceria com a UERN) e veja como é possível interagir com o que estava em ação na escola, sem esse confronto rigidamente ideológico que tanto produz desavenças.
Fizemos questão de manter boa parte do que os professores já faziam, mas acrescentamos novidades. Romper com tudo o que está posto e entrar com uma nova metodologia (que de nova nada tem!) é com certeza priorizar o ideológico puro e assumir o combate pelo combate.