publicado dia 17/01/2019
Por que as histórias contadas para as crianças importam
Reportagem: Da Redação
publicado dia 17/01/2019
Reportagem: Da Redação
Por The Conversation. Texto de Peggy Albers, professora de Linguagem e Literatura no Georgia State University (EUA)
Já se perguntou por que meninos e meninas escolhem determinados brinquedos, cores específicas e histórias particulares? Por que as meninas querem se vestir de rosa e ser princesas e os meninos querem ser Darth Vader, guerreiros e aventureiros do espaço?
Histórias contadas para as crianças podem fazer a diferença.
Estudiosos descobriram que as histórias têm uma forte influência na compreensão das crianças sobre os papéis culturais e de gênero. As histórias não apenas desenvolvem o letramento das crianças; transmitem valores, crenças, atitudes e normas sociais que, por sua vez, moldam suas percepções sobre a realidade.
Crianças aprendem a se comportar, pensar e agir através dos personagens que elas encontram nas histórias. Mas como estas narrativas moldam as perspectivas das crianças?
Histórias – contadas através de livros ilustrados, danças, imagens, equações matemáticas, canções ou contações orais – são uma das formas mais fundamentais pelas quais nos comunicamos.
Há quase 80 anos, Louise Rosenblatt, uma conhecida estudiosa da literatura, apontou que nos entendemos através das vidas de personagens em histórias. Ela argumentou que as histórias ajudam os leitores a entender como autores e seus personagens pensam e por que eles agem da maneira que fazem.
Estudiosos descobriram que as histórias têm uma forte influência na compreensão das crianças sobre os papéis culturais e de gênero
Da mesma forma, a pesquisa conduzida por Kathy Short, uma estudiosa de literatura infantil, também mostra que as crianças aprendem por meio das histórias a desenvolver uma perspectiva crítica sobre como se engajar na ação social.
Assim, as narrativas ajudam as crianças a desenvolver a empatia e a cultivar o pensamento imaginativo e divergente – isto é, o pensamento que gera uma gama de ideias e soluções possíveis em torno de eventos, em vez de buscar respostas simples ou literais.
Então, quando e onde as crianças desenvolvem perspectivas sobre seu mundo e como as histórias moldam isso?
Estudos mostraram que as crianças desenvolvem suas visões sobre aspectos de identidade, como gênero e raça, antes dos cinco anos de idade.
Um trabalho fundamental do romancista John Berger sugere que crianças muito pequenas começam a reconhecer padrões e a ler visualmente seus mundos antes de aprender a falar, escrever ou ler. As histórias que eles leem ou veem podem ter uma forte influência sobre como elas pensam e se comportam.
Por exemplo, uma pesquisa conduzida pela estudiosa Vivian Vasquez mostra que crianças pequenas brincam ou desenham narrativas nas quais elas se tornam parte da história. Em sua pesquisa, Vasquez descreve como Hannah, uma menina de quatro anos, mistura realidade com ficção em seus desenhos de Rudolph, a Rena do Nariz Vermelho. Hannah acrescenta nos desenhos uma pessoa com um X vermelho acima, ao lado das outras renas.
Vasquez explica que Hannah havia experimentado bullying por parte dos meninos da turma e não gostava de ver que Rudolph era chamada de nome pejorativos e intimidada por outras renas na sua história. Vasquez sugere que o desenho de Hannah transmitia seu desejo de não fazer com que os garotos provocassem Rudolph e, mais importante, ela.
Minha própria pesquisa produziu insights semelhantes. Descobri que as crianças internalizam os papéis culturais e de gênero dos personagens nas histórias.
Em um desses estudos que realizei ao longo de um período de seis semanas, as crianças do terceiro ano leram e discutiram o papel de personagens masculinos e femininos por meio de várias histórias diferentes.
As crianças, em seguida, reencenaram os papéis de gênero (por exemplo, as meninas como passivas; irmãs do mal). Mais tarde, as crianças reescreveram essas histórias com os papéis atuais que homens e mulheres assumem na sociedade. Os papéis das meninas, por exemplo, foram reescritos para mostrar que eles trabalhavam e brincavam fora de casa.
Posteriormente, pedimos às meninas que desenhassem o que elas achavam que os meninos se interessavam e aos meninos que desenhassem o que achavam que as meninas gostavam.
Ficamos surpresos que quase todas as crianças desenhassem símbolos, histórias e cenários que representavam percepções tradicionais de papéis de gênero. Ou seja, os meninos desenhavam garotas como princesas em castelos com um homem prestes a salvá-las dos dragões. Essas imagens foram adornadas com arco-íris, flores e corações. As garotas desenhavam garotos em espaços ao ar livre e como aventureiros e atletas.
Por exemplo, veja a imagem ao lado, desenhada por um menino de oito anos de idade. Ela descreve duas coisas: primeiro, o menino recria um enredo tradicional de sua leitura de contos de fadas (a princesa precisa ser salva por um príncipe). Em segundo lugar, ele “mistura” sua leitura de contos de fadas com seu próprio interesse real pelas viagens espaciais.
Nossas descobertas são corroboradas pelo trabalho da estudiosa Karen Wohlwend, que encontrou uma forte influência das histórias da Disney sobre crianças pequenas. Em sua pesquisa, ela descobriu que meninas muito jovens, influenciadas pelas histórias, são mais propensas a se tornarem “donzelas em perigo” durante uma brincadeira.
Contudo, não é apenas a palavra escrita que tem tal influência nas crianças. Antes de começar a ler palavras escritas, as crianças pequenas dependem de imagens para ler e entender histórias. Outra estudiosa, Hilary Janks, mostrou que as crianças interpretam e internalizam perspectivas através de imagens – que é outro tipo de narrativa.
Os acadêmicos também mostraram como as histórias podem ser usadas para mudar as perspectivas das crianças sobre suas opiniões sobre pessoas em diferentes partes do mundo. E não apenas isso; histórias também podem influenciar como as crianças escolhem atuar no mundo.
Por exemplo, Hilary Janks trabalha com crianças e professores sobre como imagens em histórias sobre refugiados influenciam a forma como os refugiados são percebidos.
Histórias podem ser usadas para mudar as perspectivas das crianças sobre pessoas em diferentes partes do mundo
Kathy Short estudou o envolvimento das crianças com a literatura em torno dos direitos humanos. Em seu trabalho em uma escola diversificada com 200 crianças, foram priorizadas histórias que poderiam trazer mudanças em sua própria comunidade e escola.
Essas crianças foram influenciadas por histórias de ativistas infantis, como a de Iqbal Masih, um ativista infantil que fez campanha por leis contra o trabalho infantil (ele foi assassinado aos 12 anos por isso). As crianças leem essas histórias e aprendem sobre violações dos direitos humanos e fome ao redor do mundo. Nesta escola, as crianças foram motivadas a criar uma horta comunitária para apoiar um banco de alimentos local.
As salas de aula de hoje representam uma vasta diversidade. Em Atlanta, onde eu ensino e vivo, em um único aglomerado escolar, as crianças representam mais de 65 países e falam mais de 75 idiomas.
De fato, a diversidade do mundo está entrelaçada em nossa vida cotidiana através de várias formas de mídia.
Quando as crianças leem histórias sobre outras crianças de todo o mundo, como “Iqbal”, elas aprendem novas perspectivas e também se conectam com seus contextos locais.
E hoje a necessidade de que as crianças leiam, vejam e ouçam histórias globais que contenham e desafiem essas narrativas é, eu diria, ainda maior.