publicado dia 14/08/2018
Os desafios e caminhos para a gestão das redes públicas de ensino no Brasil
Reportagem: Thais Paiva
publicado dia 14/08/2018
Reportagem: Thais Paiva
Localizado no interior do Ceará, o município de Sobral tem cerca de 2 mil habitantes, mas agiganta-se para o Brasil quando o tema é educação. Impressionam os bons resultados de sua rede pública obtidos nas últimas edições do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb). Com nota 8,8 para os primeiros anos do Ensino Fundamental, Sobral foi o melhor desempenho nacional para o ciclo em 2015.
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O município, no entanto, é apenas um dos exemplos exitosos do Ceará. Considerando-se o Ensino Fundamental, 77 das 100 melhores escolas públicas do País estão cravadas no estado. Vale destacar ainda que as primeiras 24 posições da lista são todas ocupadas por escolas cearenses.
Essa reportagem integra o Especial Eleições 2018 – Caminhos para a Escola Brasileira, do Centro de Referências em Educação Integral. A série de matérias irá abordar como os principais temas da educação se relacionam com o projeto de país em disputa com as eleições que se avizinham, dando ênfase para as questões identitárias brasileiras, direitos humanos e políticas públicas de educação.
Para Maurício Holanda Maia, ex-secretário de Educação do Ceará e do município de Sobral, e atual consultor legislativo da Câmara dos Deputados para a área de Educação, dois principais pontos explicam o salto da educação cearense: continuidade da política pública e intersetorialidade.
“Sobral, por exemplo, está agora com 18 anos de uma política com foco na aprendizagem dos alunos. Para isso, tomou a medida de blindar a gestão da educação municipal de ingerências políticas que não visassem o melhor serviço possível. Outra grande lição é trabalhar sinergicamente. Sabendo que interferência em uma só área não resulta, além da cultura de dar respostas no âmbito da sala de aula, dos pais, do professor, do diretor, da secretaria, foi feito um trabalho intersetorial na administração”, explica.
Destaca-se ainda como uma medida decisiva para os feitos do estado nordestino a mudança, em 2007, na Lei de distribuição do ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços). A alteração determinou que o repasse do imposto aos municípios fosse feito de acordo com os resultados nas áreas da educação (72%), saúde (20%) e meio ambiente (8%). “Isto é muito importante porque coloca um sujeito, que é o prefeito, mobilizado e instrumentalizado para saber o que é melhor para suas escolas”, acrescenta Maurício.
O caso cearense, no entanto, parece ainda apartado da realidade de muitas redes brasileiras, responsáveis pelo planejamento, implementação, monitoramento e avaliação das políticas educacionais. Na intempérie da troca de gestões, não raro, se vê a descontinuidade ou engavetamento de planos e projetos amplamente debatidos e pactuados pela sociedade, gestão e comunidade escolar, colocando em risco o desenvolvimento integral dos estudantes.
Acesse a plataforma Na Prática, projeto do Centro de Referências em Educação Integral que reúne conceitos, vídeos explicativos e instrumentos para download com o objetivo de apoiar os gestores educacionais de Secretarias e escolas no planejamento, implementação, monitoramento e avaliação de políticas de educação integral.
O próprio Plano Nacional de Educação (PNE) hoje padece desta ameaça. Aprovado em 2014 após três anos e meio de tramitação no Congresso Nacional, o documento que determinou as diretrizes, metas e estratégias para a política educacional do País chega ao seu quarto ano com apenas uma meta cumprida em sua integralidade devido à aprovação da Emenda Constitucional (EC) 95, que limita os gastos públicos nas áreas sociais como Educação e Saúde pelos próximos 20 anos, entre outras medidas do governo federal.
“Falta projeto de país como um todo e com isso os projetos de educação passam a ser de governo e não de Estado. O PNE é uma lei que define esse caminho e precisa ser seguido. Pode até ser discutido e ajustado, mas é nosso plano de Estado. Não podemos esquecê-lo”, alerta Pilar Lacerda, diretora da Fundação SM.
Transparência nos processos também desponta como essencial para um modelo de gestão integrada e democrática. “O trabalhador de educação, seja aquele que está na escola ou na secretaria, precisa acreditar que faz hoje para ter resultados no futuro. Então quanto há ingerências de natureza clientelista que permitem indicações de gestores, diretores por critérios políticos isso gera um sinal muito ruim, pois a pessoa sabe que, no fim, não deve sua permanência naquele espaço à qualidade de seu trabalho”, opina Maurício.
Por isso, a importância do Plano Municipal de Educação (PME) e do Plano Estadual de Educação (PEE) para o direcionamento das ações da equipe da secretaria. Com força de lei, tais pactos indicam as metas a serem alcançadas ao longo dos anos, mesmo com mudanças de gestão. “É um marco legal do território e não somente da secretaria de educação”, lembra Anita Gea Martinez Stefani, gerente de projetos do Instituto Natura. No entanto, segundo o site De Olho nos Planos, “muitos dos [municípios] que possuem o PME não o utilizam para planejar suas políticas, mantendo-os desconhecidos da população.”
A equipe das secretarias tem conhecimento sobre a área pedagógica, mas não conhecimento específico de gestão da educação, que inclui as áreas de transporte, administrativa ou financeira
Na experiência com o Conviva Educação, plataforma gerida pelo Instituto Natura que busca apoiar as secretarias municipais com informações, formações e ferramentas de trabalho, Anita percebe ainda como entrave a capacitação técnica para dar conta dos desafios de diferentes áreas de gestão.
Segunda ela, na maior parte das vezes, a equipe das secretarias tem conhecimento sobre a área pedagógica – práticas em sala de aula, formação de professores -, mas não conhecimento específico de gestão da educação, que inclui as áreas de transporte, administrativa ou financeira, por exemplo. “No geral, vemos servidores públicos esforçados, mas pouco valorizados, que trabalham com pouca ou nenhuma estrutura”, relata.
A especialista acrescenta ainda como obstáculo as restrições financeiras. “Os municípios no Brasil são responsáveis pela maior parcela da Educação Básica e possuem, em geral, baixa capacidade de gestão frente à complexidade das políticas públicas de educação e à expectativa da sociedade”, aponta.
O processo de municipalização da educação, iniciado na década de 90, também entra na discussão dos desafios para a gestão das redes públicas de ensino. De acordo com a Constituição brasileira, a oferta de educação no País é fruto da cooperação financeira e administrativa entre União, estados e municípios. A legislação estabelece um mínimo de investimento para cada ente no Ensino Básico, a incidir sobre a receita. A União é o ente federativo que mais arrecada e o que menos investe proporcionalmente em educação.
Pilar Lacerda: “Prevalece uma visão de que garantir esses direitos é muito caro, então o tempo todo se trabalha na educação brasileira com o recurso possível e não com o necessário”
“A municipalização precisa ser entendida. É necessário fazer as contas para saber se a Educação Infantil está sendo atendida porque o Fundamental 1 e 2 é um regime de colaboração, uma divisão de responsabilidades. Mas tenho visto estados que estão simplesmente passando escolas para a gestão do município e comunicando, sem nenhum acordo, sem saber se é possível”, diz Cleuza Repulho, pedagoga e ex-presidente da Undime.
A lógica compromete ainda o Custo Aluno-Qualidade inicial (CAQi), valor mínimo previsto por lei a ser ser investido por aluno. “Prevalece uma visão de que garantir esses direitos é muito caro, então o tempo todo se trabalha na educação brasileira com o recurso possível e não com o necessário. Os governos não querem enfrentar esse debate porque justifica o investimento dos 10% do PIB”, critica Pilar Lacerda.
Na plataforma Conviva Educação há mais de 20 ferramentas de gestão para inserção e gerenciamento dos mais diversos dados relativos ao dia a dia da secretaria. Os dados inseridos no Conviva não são da gestão, mas sim da SME e permanecem mesmo com a mudança de pessoal. Quando as equipes das secretarias registram as ações feitas ao longo do mandato, também fazem sua parte para a continuidade das iniciativas. Isso porque quando novas equipes assumem as secretarias, elas têm disponíveis o histórico do trabalho realizado, facilitando o planejamento e evitando rupturas.