publicado dia 29/10/2015
Espírito Santo experimenta educação em tempo integral em meio a debates
Reportagem: Ana Luiza Basílio
publicado dia 29/10/2015
Reportagem: Ana Luiza Basílio
No dia 3 de agosto, teve início o ano letivo no Centro Estadual de Educação Integral São Pedro (Ceemti), no bairro São Pedro, em Vitória. A unidade materializa uma das principais apostas do atual governo do estado: o Programa Escola Viva, lançado em caráter experimental, e que atende os 360 alunos da escola de ensino médio. Trata-se de um projeto de educação em tempo integral em que os alunos permanecem dentro do colégio nove horas e meia por dia e, segundo a Secretaria Estadual de Educação, propõe um currículo inovador e uma formação orientada para a autonomia juvenil. O objetivo do governo estadual é fazer uma ampliação gradativa do programa para outras escolas.
A proposta foi alvo de protestos pelas ruas da capital no início do ano. A principal crítica de lideranças estudantis e de docentes é que o programa teria sido feito sem debates e consultas prévias com a comunidade escolar.
Contexto educacional
O secretário de Estado de Educação, Haroldo Rocha, falou sobre a concepção do Escola Viva. Ele conta que, embora a rede tenha iniciado algumas experiências de escolas em tempo integral na década de 80, elas foram bastante pontuais, sem configurar um programa da rede. Nos anos 90, ele cita outras experiências de ampliação da jornada e o modelo do ensino médio integrado ao profissionalizante. O gestor aponta dois problemas fundamentais nas tentativas: “como não eram tratadas como programas, acabavam por ficar isoladas em algumas escolas e, muitas vezes, regrediam à situação anterior. Também não traziam de fato uma proposta curricular inovadora, no sentido do desenvolvimento integral de crianças e jovens; foram experiências muito focadas no tempo e não no currículo”.
Rocha conta que isso fez com que o governo tentasse identificar experiências brasileiras consideradas como boas referências e que trouxessem uma concepção curricular inovadora, com foco no desenvolvimento das competências cognitivas e socioemocionais. Esse percurso, segundo conta, os fez entrar em contato com a metodologia do Instituto de Co-Responsabilidade pela Educação (ICE), parceiro que desenvolve a metodologia do Escola Viva.
A concepção do programa não parece ser o ponto central das críticas que ele vem recebendo. O diretor do Sindicato dos Trabalhadores em Educação Pública do Espírito Santo (Sindiupes), Gean Carlos, frisa que a reflexão sobre a educação em tempo integral é uma tendência nacional. “E nós, sindicato e professores, nos colocamos dentro dela”.
As discordâncias em torno do programa surgem a partir de seu encaminhamento para aprovação na Assembleia Legislativa. O secretário de Educação afirma que o programa nasceu de um “amplo debate público”; já os representantes docentes e estudantis alegam que não foram ouvidos.
Segundo Gean Carlos, a proposta do programa chegou à instância em março, em caráter de urgência, para ser votado de um dia para o outro. Ele conta que só diante de mobilização é que foram feitas audiências públicas. Ainda assim, várias emendas feitas à proposta foram rejeitadas e o governo seguiu com a sua implementação.
“Grande parte dos nossos professores contam com mais de uma cadeira, uma no Estado outra no município, às vezes. Como lidar com o fato de ficarem o dia todo em uma escola, sem debater a sua carreira, as implicações que isso pode trazer e quais seriam os subsídios para que fizessem essa escolha?”, questiona.
Ele conta que, de início, as escolas da rede estavam sendo sondadas para essa mudança com tom de obrigatoriedade e que, só após pressão, conseguiram fazer com que o governo optasse por abrir uma nova escola para atender à proposta, no caso, o Centro Estadual de Educação Integral São Pedro (CEEMTI). A unidade se localiza em um prédio antes ocupado por uma universidade e tem áreas para refeitório, auditório, salas temáticas, quadras poliesportivas, ginásio de esportes, laboratórios e bibliotecas.
Entre os estudantes, a questão da falta do debate público também é sentida, como evidencia o presidente da União dos Estudantes Secundaristas do Espírito Santo (Ueses), Luiz Felipe Costa. “O fato de termos um prédio modelo para atender ao programa é um ganho da pressão popular”, conta explicitando o movimento para que as escolas da rede não fossem modificadas. Defendemos a reformulação do ensino, mas queremos que pelo menos 25% da grade seja debatida com a comunidade para que as escolas sejam os agentes de transformação que queremos”, avalia.
Críticas também recaem sobre a forma como a direção da escola foi nomeada. Ele conta que quando aprovado na Assembleia Legislativa, o programa Escola Viva previa um concurso para nomear o diretor escolar. “Mas não foi isso que aconteceu. Sabemos que a escolha foi feita a dedo pelo secretário, ou seja, é um cargo de confiança”, critica.
O diretor da unidade escolar, Saulo Andreon, diz ver com naturalidade as ponderações. “O programa é novo e suscita alguns questionamentos, os quais foram debatidos e refletidos em reuniões e agendas de trabalho com setores e segmentos interessados”, defende. Ele também falou que a equipe técnica da Secretaria de Educação vem avaliando pontualmente as questões trabalhistas. Em entrevista, o secretário Haroldo Rocha conta que o estado trabalha com contrato de 25 horas, mas que os professores do Escola Viva recebem 40 horas. “Estamos estudando do ponto de vista legal um novo formato de remuneração a eles”, afirma.
No mais, Andreon se diz convencido da eficácia do modelo. “Se aqui estamos em fase inicial, não podemos desconsiderar que já é uma ação exitosa em vários estados da federação”, avalia. O programa de Educação Integral de Pernambuco, por exemplo, também conta com a parceria do ICE e sua metodologia.
Andreon crê que a educação integral é um caminho sem volta. “Não há dúvidas de que o programa traz um conjunto de inovações que faz com que o jovem desenvolva em plenitude sua potencialidade. Toda estrutura curricular é orientada para a formação de um jovem autônomo, solidário e competente, inovações que os apoiarão na construção de seu projeto de vida”.
Também fala de indicadores que evidenciam que os alunos já incorporaram a dinâmica da escola: “grande parte deles já conhecem os princípios, o currículo e vivenciam o protagonismo através dos clubes juvenis e dos conselhos de líderes, exercem a autonomia através da escolha de seus tutores e das disciplinas eletivas, valorizam o conhecimento e o aprendizado através das disciplinas da base comum, das aulas de estudos orientados e aprofundamento de estudos”, enumera.
Há quem discorde. Luiz Felipe Costa conta que esteve na escola conversando com o diretor e que não viu o protagonismo juvenil na prática. “A própria falta das entidades estudantis, como os grêmios, evidenciam a falta de estímulo a essa condição”.
O fato é que entre embates e dúvidas, o Escola Viva deve crescer. O secretário Haroldo Rocha afirma que o projeto do governo é implantar outras 30 escolas dentro do programa até 2018, elevando a capacidade de atendimento para 25 mil alunos, o que equivale a 25% do total de estudantes do Ensino Médio.
Novamente, a decisão gera preocupação nas representações sociais. Gean Carlos diz temer que, ano que vem, após o período de férias letivas, muitas escolas já tenham sido enquadradas ao modelo sem um debate prévio com as comunidades educacionais. “Precisamos ser chamados, pais, familiares, lideranças comunitárias e sociais, profissionais da educação, para entender a proposta do governo. Assim, de forma arbitrária, de cima para baixo, é muito ruim”, avalia.